Aos 71 anos, Manuel Reis deixa uma cidade que denuncia a sua passagem. Escolheu Lisboa cedo, quando Albufeira e o próprio Algarve se tornaram demasiado pequenos. O homem que foi empresário, designer, artista, mecenas e criativo morreu na noite de domingo, 25 de março, devido a complicações decorrentes de um cancro. O Lux Frágil, unanimemente considerado o melhor espaço noturno de Lisboa e um dos melhores da Europa, é o principal monumento que deixa ao país, embora relembrar Manuel Reis pela discoteca de Santa Apolónia seja, no mínimo, redutor.

Fez a tropa em Luanda e foi assistente de bordo da TAP, emprego que manteve durante pouco tempo. Deixou os altos voos para se dedicar ao que realmente o interessava — o design, a moda e a cenografia. Foi então que abriu a primeira loja, no Bairro Alto. No romper da década de 80, Reis foi protagonista da revitalização dessa zona da cidade. A arte e os artistas, as ideias e os criativos chegaram em peso e viram no Frágil, bar que inaugurou em 1982, o habitat perfeito. Construíram-se mutuamente e o espaço ganhou uma fama ímpar. Era o lugar das festas loucas, das indumentárias extravagantes, das manifestações artísticas, que eram também corpos estranhos e novos, e da liberdade de expressão num país que reaprendia, aos solavancos, a viver em democracia.

Morreu Manuel Reis, o fundador da discoteca Lux Frágil. Tinha 71 anos

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Na mesma década, a Loja da Atalaia. Mais uma vez, um espaço pautado pelo amor à arte e ao design, mas também aos artistas e aos designers. Em 1998, abriu o Lux-Frágil, na reta final da grande Expo. Afinal, o Cais da Pedra não era assim tão inóspito e Manuel Reis viu-o e provou-o, faz em outubro 20 anos. Em 1999, mesmo ao lado, abre o restaurante Bica do Sapato, o que não foi propriamente uma estreia para o empresário no ramo. Em 1981 tinha inaugurado o Pap’Açorda, no Bairro Alto, cozinha emblemática que, há dois anos se mudou para o Mercado da Ribeira. No mesmo local, Reis fez nascer o seu último espaço, o bar Rive Rouge.

Manuel Reis não se define somente pelos espaços que abriu. Ao longo da vida, criou uma comunidade à sua volta, gente de todas as áreas e quadrantes que trabalharam com ele e que, logo, logo, passaram a ser algo mais. Amigos das artes que encorajou, ensinou e impulsionou no que mais fervorosamente queriam fazer. Foi com alguns desses que falámos, ou melhor, foram alguns desses amigos que nos contaram as suas histórias com Manuel Reis.

“O Manuel Reis é o homem que construiu dando”

Joaquim Albergaria, músico e membro da banda PAUS

“Eu sou um dxs muitxs a quem o Manuel Reis abriu os braços e as portas, oferecendo mais do que provavelmente sentiu que estava a dar.

Conheci-o e à sua família no início dos anos 2000 quando me deixou entrar e subir ao palco, porque para ele o rock dança-se. Fiquei-lhe ainda mais e eternamente agradecido quando em sua casa conheci a mulher da minha vida. Ganhou corpo de herói quando foi campeão da ideia de uma residência dos PAUS em sua casa. O Manel deu-me a mim, aos meus e minhas, aos muitos seus e suas e a todxs xs que o procuravam, deu-nos uma casa onde pudéssemos ser livres, sem medo.

O Manuel Reis é o homem que construiu dando.
O Manuel Reis é o homem que me ensinou que a mudança é quando tudo dança.
O Manuel Reis é o homem que olhou para Lisboa tal como olhava para nós — insistindo em ver tudo o que podíamos ser.
O Manuel Reis partiu mas as suas casas continuam intactas, de portas abertas para que nunca tenhamos medo.”

“Os olhos dele brilhavam com o desafio de concretizar algo diferente”

Pedro Ramos, locutor da Radar e organizador das noites Black Balloon

“Ao trabalhar com o Manel, percebi melhor a atenção que ele dava ao detalhe, à decoração da sala, na Black Balloon ele gostava sempre de conversar comigo durante a tarde sobre onde colocaríamos os balões, o tipo de balões, a disposição das cadeiras, as luzes, os vídeos, os pormenores que fazem a diferença. E era assim com a imagem do Lux lá para fora, todas as fotografias usadas tinham que ser aprovadas por ele, porque ele tinha a visão muito própria dele e era muito cuidadoso em preservá-la, em manter um patamar de elegância exigente e ao alcance de poucos. E quando lhe apresentava uma ideia ligeiramente insana de concretizar, nunca me torcia o nariz e os olhos dele brilhavam com o desafio de concretizar algo diferente. Guardo dele essa visão e esse entusiasmo, e não ter medo de pensar em grande. E muitas gargalhadas. E lágrimas e beijos naquela matiné do Bowie.”

“O Manuel foi das primeiras pessoas a dar-me uma hipótese de ser artista”

Joana Vasconcelos, artista plástica

“Pertenço a uma geração de pessoas que o Manuel ajudou. No meu atelier, tenho cinco pessoas que trabalharam com ele… Somos uma espécie de unidade de continuação do Lux. A nossa relação com essa discoteca, com o Frágil e com o Manuel é uma coisa que vai além do familiar — eu, o meu primo, a minha irmã e o meu cunhado trabalhámos lá, com ele. Ontem devo ter falado com umas 20 pessoas, o meu primo com outras 20, ou seja, quando nós percebemos, entre eu, ele e a minha irmã, o universo de pessoas chegava às cento e tal pessoas. É exponencial e isso é uma força muito particular.

O Manuel foi das primeiras pessoas a dar-me uma hipótese de ser artista. Tinha uma lata, uma coragem, uma visão que me fazia sentir que alguém percebia o que estava a fazer. Ontem, falando com a Catarina Portas, com a Rita Rolex e outras pessoas deste grupo, chegámos todos à conclusão de que o Manuel nunca nos abandonava. Ontem, a minha filha perguntou-me quem é que tinha morrido e eu respondi-lhe: ‘Aquele senhor que te foi ver mal nasceste”. Ele tinha estas coisas incríveis…

Em 2005, Joana Vasconcelos levou ao Lux-Frágil a performance “Malícia no País das Maravilhas” © Luís Vasconcelos

O meu primo Ricardo — que foi porta do Frágil durante muitos anos — era cinco anos mais velho do que eu e já ia ao Frágil. Acabei por ir com ele, tinha uns 16 anos. Quando o Ricardo foi para a porta do Lux, o Manuel pediu-me para ser segurança. Assim foi. Estive nessa posição durante dois anos e depois, quando a quis abandonar para seguir a arte, ele teve a graça de dizer: ‘Ah, agora vamos começar a expor umas coisas tuas, tu agora és artista e tal…’. Esteve sempre presente na minha carreira, fiz vários projetos com ele como a entrada do Lux, a Noiva foi parar lá primeiro e só depois é que chegou à Bienal de Veneza — ou seja, sem isso nunca lá tinha chegado.

Recentemente, organizei um evento e as pessoas perguntaram-me: ‘Mas você pensa que isto é o Lux?’. Eu pensei: ‘Era bom que fosse, porque aquilo que nós aprendemos no Lux foi que tu podes ser diferente, ser respeitado, profissional, original e mesmo assim manteres laços de família’. Foi isto que aprendemos com o Manuel Reis.

“Foi um privilégio”

Pedro Mendes, gerente do Rive Rouge

“Um dos momentos mais marcantes foi quando o Manel combinou comigo para me mostrar o Rouge, estávamos em setembro de 2016. Foi muito especial para mim. Após a visita, perguntou-me se sempre queria aceitar o desafio de trabalhar com ele no bar. Disse que sim. Ele reagiu: ‘aponta o meu número de telefone’. Foi um privilégio.”

“Ensinou-me que a arte é um conceito transversal à vida”

Pedro Faro, historiador e crítico de arte

“O Manel ensinou-me que a arte é um conceito transversal à vida, está implicada nela, na forma como nos relacionamos. E foi, por tudo o que fez, fundamental para um puto medíocre como eu, cheio de medos e incertezas sobre o que sentia e desejava. Ele mudou as nossas formas de ver, ouvir, ser e sentir. Eu vi e vivi muitas coisas que nunca tinha visto por causa do Manel. O trabalho dele e o Lux Frágil foram mais importantes na minha ‘educação’ que o Museu do Chiado, por exemplo.”

“Nunca ousei questionar a minha participação no Frágil ou no Lux, apenas desfrutar dela”

Kaspar (João Pires), DJ

“O Manuel Reis criou dois dos espaços que mais me formaram como indivíduo e profissional e aceitou-me neles sem nunca falarmos no porquê. Claro que ele esteve sempre rodeado dos mais impecáveis profissionais e eu nunca ousei questionar a minha participação no Frágil ou no Lux, apenas desfrutar dela, quase com medo que terminasse a magia no momento em que eu ousasse pô-la em causa.”

“Tive a sensação de estar a falar com alguém que via para além do aqui e agora”

Alexandra Moura, designer de moda

“Na minha memória ficou uma reunião de trabalho. No final, acabámos a falar das nossas crenças — em relação à vida, ao universo, a esta força que está acima de nós — e percebi claramente que estávamos em sintonia e que acreditávamos no mesmo “sentir”. Foi uma conversa intensa no seu escritório no Lux. Tive a sensação de estar a falar com alguém que via para além do aqui e agora, alguém que conseguia ver uma força maior. As palavras guardo-as para mim. Via o Manuel como alguém muito especial, alguém que preservava a sua privacidade, que não gostava de se expor ou de ser citado a posteriori. E eu respeito isso.
Mas, passasse o tempo que passasse, quando nos voltávamos a ver, a sua primeira pergunta era ‘Alexandra, como está o teu filho?’.”

“O Manuel era um príncipe”

Luísa Ferreira, fotógrafa do Lux

“Não quero destacar nenhum momento em específico porque acho que há quem tenha mais do que eu. Marcantes foram os tantos anos que passámos juntos, desde 1989 até hoje. O Manuel era um príncipe. Nunca vai ser esquecido tudo aquilo que ele criou para todos nós, pela forma como projetava o novo, trazia a novidade e acreditava nas pessoas.”

“O Manel está aqui em casa em tanta coisa”

Ana Salazar, designer de moda

“Tenho a casa cheia de coisas desenhadas por ele, coisas que desenhou especialmente para mim. Perguntam-me de vez em quando quem foi o decorador e, no fundo, é um lugar feito por mim e por ele. Lembro-me de irmos a Nova Iorque juntos e de perceber imediatamente que o gosto dele coincidia muito com o meu. Gostava do minimal, das coisas extremamente puras. Ele tinha um sofá na loja da Atalaia que eu adorava, era uma peça dos anos 60, extraordinária. Disse-lhe que queria ficar com o sofá, mas ele respondia-me sempre que era o sofá onde toda a gente se sentava, que tinha manchas. Eu gostava dele assim e comprei-lho. O Manel está aqui em casa em tanta coisa.”

Na ModaLisboa, com Ana Salazar, em 2003 © Rui Vasco/Global Notícias

“Era o nosso mecenas”

André e. Teodósio, ator e encenador

Nunca dizer que alguma coisa era impossível a não ser que isso pudesse colocar em risco alguém. Era sempre tudo possível.
Desde muito cedo que ele apostou sempre em mim. Deixou-me fazer tudo! Ficámos sozinhos. Ele protegia-nos como ninguém, foi a primeira pessoa a inventar um safe space e era nosso mecenas. Há uma pessoa assim no mundo de vez em quando — era ele. Contar uma única história para a pessoa que viu de tudo na minha vida não é possível.

“Um dia pedi ajuda ao Manuel Reis”

João Cepeda, diretor do Time Out Market

“Um dia pedi ajuda ao Manuel Reis. “Parece um detalhe, mas vais perceber que não é”. O teto do Mercado da Ribeira ia ficar preto. Escuro, breu. Era assim que estava no projeto dos arquitetos Aires Mateus e por mais que eu dissesse que não gostava, eles insistiam na beleza do negro. Os bons artistas não se derrotam pela força das ordens nem pelo talento da argumentação. Só por heróis maiores. “Por isso tens mesmo de ser tu, Manuel”. Dois dias depois entrámos no Mercado. Eu, o Manuel Reis e os irmãos Aires Mateus. E antes de qualquer um de nós abrir a boca, o Manuel começou a falar. Com eloquência. Da luz, dos contrastes, do Cais do Sodré, dos comboios, das asnas metálicas, do rio, dos reflexos, da forma como as pessoas se veem umas às outras e da importância daquele edifício para Lisboa. Foi de tal forma sentido, seguro e profundo, que ninguém ouviu o próprio pensamento. “E se fosse cinzento claro”, perguntaram os arquitetos.”

Crónica. Manuel Reis e um tecto cinzento claro

“Pensa o Lux como um lugar onde tudo pode acontecer”

Vasco Araújo, artista plástico

“Um dia, numa tarde, encontrei-me com o Manel para conversarmos sobre uma intervenção que eu ia fazer numa festa do Lux. O Manel, como sempre, gentil, generoso e simpático, ao fim de meia hora, diz-me: ‘Acho tudo muito bem, mas pensa o Lux como um lugar onde tudo pode acontecer, ou seja um lugar de liberdade’. Percebi que conhecia o Manel desde pequeno, mas que, nessa conversa, passei a conhecer um universo, espaço, uma forma de pensar, uma dimensão que raramente encontramos, a da Liberdade! A Liberdade transversal à humanidade. Agora que já não lhe posso dizer nada, resta-me, com um nó na garganta, agradecer ter-me ensinado a pensar, imaginar, e ser um homem livre… Obrigado para sempre, Meu Rei!”

“O Manel deu-me a festa mais bonita que tive na vida”

Inês Maria Meneses, radialista da Radar

“O Manel deu-me a festa mais bonita que tive na vida que foi a festa dos 10 anos do Fala com Ela no Lux. Foi a aposta de um visionário sobre um programa de nicho que afinal encheu o Lux. Lembro-me dos dias que antecederam a festa e de como nos riamos a pensar: ”quem virá?’. E ele vibrava com isso. Fizemos três destas juntos. Uma no Lux e depois duas no Rouge. Em todas ficámos sempre à porta a receber as pessoas. A delicadeza e a elegância dele comovem-me. A forma como era generoso com os desconhecidos e os recebia de braços abertos, mas sempre tão discreto. Ironicamente, deu-me a festa do programa aonde o queria tanto ter levado e não consegui por ser assim: reservado, discreto. Dispensar esse estrelato. Conheci-o há poucos anos mas fica no meu coração por todos os motivos. Ele que tantas vezes me ouvia na Radar, naquelas emissões de catarse que fiz pela morte do Bowie, do Prince, do Cohen — hoje a emissão foi para ele. Dia de Reis no meu calendário.”

A radialista Inês Meneses com Manuel Reis, no Lux-Frágil, em 2016 © Luísa Ferreira

“Era um espetáculo, um circo, um acontecimento daqueles à Manel”

João Pedro Vale

“No ano passado, eu e o Nuno Alexandre Ferreira fizemos um espetáculo, não era uma exposição nem uma cenografia, era um espetáculo, um circo, um acontecimento daqueles à Manel. Ele não conseguiu ir, já não me lembro muito bem porquê, mas ligou e disse: ‘Já sei que correu tudo muito bem!” (ele sabia sempre tudo). E eu soube que estava no caminho certo.”

“Não gostava de ter exposição, o que era um bocado difícil”

Ana Louro, ex-colega da TAP

“O Manuel já era especial, até quando trabalhava na TAP. Foi aí que ficámos amigos e depois continuámos. Ele tinha vindo de Angola e passou lá pouco tempo. Saiu para abrir a primeira loja na rua que vem da Rua da Misericórdia até à Rua da Atalaia [Travessa da Queimada], era o que lhe interessava. Essa primeira loja foi uma coisa fantástica. Era uma pequena boutique que misturava muita coisa: mobiliário, roupa velha, era um bricabraque total só com coisas escolhidas por ele. Muita gente pensa que o percurso dele começou no Frágil mas começou muito antes, aí, com essa loja. Lembro-me tinha coisas inusitadas, como uma caixa de chá enorme, com uns 40 centímetros por 20, provavelmente vinda da Ásia, uma caixa com muitas comidas diferentes, camisas, uma cómoda toda espelhada…

Lembro-me que no Frágil, de festa para festa, mudavam-se os painéis cá fora. Havia cartazes enormes, como os do cinema, feitos pelo Pedro Cabrita Reis e por muitos outros. A inauguração foi uma loucura. Vi lá passagens de modelos a canto lírico, foi uma sucessão de coisas muito diferentes e muito importantes. Muitas noites, não cabíamos todos lá dentro, ficava gente no meio da rua. O Manuel estava interessado era em fazer coisas. Era um homem tímido — ou, pelo menos, não gostava de ter exposição, o que era um bocado difícil. Como fazia coisas tão inovadores havia esse problema. De alguma forma, o que ele fez substituiu as entrevistas que podia ter dado.”

“Mesmo quem só agora ouve falar dele, sem saber, deve-lhe muitos momentos de felicidade”

José Teófilo Duarte, designer e diretor de arte

“Conheci o Manuel Reis já no final dos anos oitenta, quando comecei a dirigir graficamente a LER, convidado pelo António Mega Ferreira, que era o diretor da revista. Fizemos uma apresentação no Frágil. O Fernando Luís Sampaio era da redação da  LER e um dia fomos falar com o Manuel Reis para tratarmos da festa/apresentação. Fez-se a festa e a partir daí fomos mantendo o contacto que a minha vontade de ir ao Frágil ditava.

José Sarmento de Matos, José Teófilo Duarte, António Mega Ferreira e Fernando Luis Sampaio na festa de apresentação da revista LER, no Frágil, em 1987.

Muitas vezes encontrava-me com ele na Loja da Atalaia. Os móveis que ali expunha marcavam uma diferença. Também tropeçámos no papa-açorda. Também mantenho na memória uma cenografia que ele fez para uma ópera. O José Couto Nogueira recordou-me que foi uma peça que ele levou para o palco e parece que foi encenada pelo João Perry. Não me lembro, mas as imagens criadas pelo Manel ficaram-me na memória. Mesmo quem só agora ouve falar dele, sem saber, deve-lhe muitos momentos de felicidade. Manuel Reis mudou Lisboa.”

“Acho que ele foi mentor de nós todos”

Mário Matos Ribeiro, designer de moda

“Conheço o Manuel Reis desde os anos 80 e tive o privilégio de ir ao Frágil uma semana depois de ter inaugurado. Com o Manuel, para lá de termos trabalhado juntos várias vezes, tinha uma relação pessoal muito forte, com momentos mais altos e outros mais baixos. Ele tinha um sentido de humor fantástico. Chegámos a passar noites inteiras a conversar, jantámos juntos 500 mil vezes, divertimo-nos sempre imenso e tivemos conversas sérias também. Para mim, era uma espécie de mentor… Acho que foi mentor de nós todos, da nova geração da altura. Quando comecei a fazer moda no Bairro Alto, ele é que tinha inventado o Bairro Alto, ele é que criou aquele fantástico Frágil, aquelas festas maravilhosas, aquela abertura toda para a modernidade… Ele brincava muito comigo sobre a primeira vez que nos conhecemos. Nesse dia, estava a usar uns sapatos de quarto, de veludo, bordados, e ele achou imensa graça a isso.”

“Vamos sempre trocar o dia pela noite a dançar”

Susana Pomba, fotógrafa e curadora

“Marcar neste parágrafo o privilégio e a honra de ter feito todo aquele tempo contigo: as horas, as conversas, os textos, as zangas, os jornais, as revistas, a amizade, as gargalhadas, as exposições, a liberdade. Marcar uma das coisas mais importantes que nos deste: um lugar onde estamos todos de acordo. Por entre as palavras que rodeiam esta página, por entre as colunas que sustentam o lugar onde dançamos, no corpo que mexe e celebra ao lado de outro que mexe e celebra também. E no coração, e nos ouvidos por onde entra a música comum que ouvimos. Estamos todos de acordo aqui. Nada parece conseguir unir-nos mais. Agora fica nos nossos ombros que dançam a responsabilidade de em tua memória continuar a defender toda a liberdade que nos deste. Marcar neste parágrafo que por ti, e mesmo que estejamos a sonhar, vamos sempre trocar o dia pela noite a dançar.”

“Era uma homem que dispensava charme”

Marinela Girão, ex-colega na TAP

“O Manel tinha uma postura equilibrada, sorriso permanente e sereno. Era um homem que dispensava charme, era um estudioso e acima de tudo era observador. Costumava telefonar-me quando tinha peças com história no seu antiquário. Lembro-me de uma tapeçaria do tempo dos colonos ingleses na Índia e de um curioso pote em cerâmica, utilizados pelos nossos navegantes no transporte de especiarias.”

“Estar com o Manel foi abrir a porta da fantasia”

Filipe Faísca, designer de moda

“Conhecer o Manel, estar com o Manel foi, acima de tudo, abrir a porta da fantasia e da criatividade, sem limites. As viagens. Não me vou esquecer de uma visita a uma loja de tapetes em Marraquexe, da escolha do mestre, dos objetos sublimes a surgirem. É um prazer estar ao lado do mestre.”

Filipe Faísca, Lúcia Azevedo e Manuel Reis, no Lux-Frágil, em 2007 © Savio Fernandes

“Não me lembro quando e como encontrei o Manel, mas acho que o conheci toda a vida”

Pedro Cabrita Reis, artista plástico

“Passei anos de vida no Frágil e desses tempos recordo-me com particular clareza de quando, em 1985, aí fiz, a convite do Manel, a primeira intervenção de artista. Acho que passei todas as noites dos longos e memoráveis anos 80 sentado junto ao espelho da entrada, num banco alto que aí havia e de onde se podia ver toda a gente que ia entrando. Não me lembro quando e como encontrei o Manel, mas acho que o conheci toda a vida. Quando ele abriu o Lux, eu já não saía à noite. Ia antes ouvir fado e conhecer outras pessoas. Tive pena de nunca ter conseguido convencê-lo a acompanhar-me.”

“As palavras nunca terão a grandiosidade deste homem”

Dino Alves, designer de moda

“É-me muito difícil deixar aqui hoje algumas palavras sobre o Manel. Quaisquer palavras que possa escrever nunca terão a grandiosidade deste homem.

As minhas lágrimas são também de orgulho por ter sido escolhido por ele para fazer parte do seu mundo e de ser um dos herdeiros do seu universo e da sua forma de estar na arte e na vida.

Um episódio marcante vivido com ele!! É apenas um e só um. E começou há mais de 20 anos quando nos conhecemos e nunca terá fim, porque o Manel será sempre uma das minhas maiores referências.

Para mim, este é o episódio mais marcante vivido com ele, o dia em que, ainda no Frágil, o Manel pediu a alguém que me fosse buscar ao outro canto do bar para me conhecer.

Eu já sabia, mesmo antes de vir para Lisboa, do significado que o Manel tinha na vida social, cultural e artística desta cidade por isso no momento em que me vieram chamar e me disseram ‘Vem ali que o Manel Reis quer que eu te o apresente’, eu percebi a sua grandiosidade e generosidade como ser humano.

Muito dificilmente uma pessoa com o seu valor e significado desceria do seu pedestal para vir ao encontro de um miúdo acabado de chegar a Lisboa, como ele o fez, quando na maioria das vezes é o contrário.

O Manel tinha apenas acabado de ver um ou dois trabalhos meus, sem importância! Ou pelo menos sem a importância que eu  achei que tinham naquele momento.

Hoje agradeço toda a aprendizagem e legado que ele me deixou a mim e a tantos e percebi que a importância do que fazemos passa sobretudo pela honestidade e verdade das nossas ideias.

Obrigado meu querido Manel.”