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“As artes manuais sempre foram a minha disciplina favorita.” As primeiras peças que moldou foram uma sereia e uma jarra em barro. “Ainda as tenho”, diz Iva. © Luís Ferraz

Luis Ferraz

“As artes manuais sempre foram a minha disciplina favorita.” As primeiras peças que moldou foram uma sereia e uma jarra em barro. “Ainda as tenho”, diz Iva. © Luís Ferraz

Luis Ferraz

O jardim encantado de gesso de Iva Viana

Iva Viana montou ateliê em nome próprio em 2013 e, desde então, as encomendas têm florescido. Tem obras entre Londres e Angola, mas nada faz a escultora arredar pé de Viana do Castelo.

“Reza a história que os melhores estucadores são de Viana” e Iva, que para além de ser vianense tem a cidade impressa no nome, parece querer manter a lenda viva. Recebendo-nos no seu ateliê na freguesia da Meadela, na exata rua onde cresceu, a escultora de 42 anos lembra que as oficinas Baganha e Ramos Meira, referências incontornáveis do estuque portuense do final do século XIX e início do século XX, eram de Viana do Castelo, “mais especificamente da Areosa e de Afife”.

Nas mãos e nas roupas não faz por esconder as marcas do gesso, ossos do ofício. “Não há dúvida que esta é a minha paixão”, diz a artista que já criou painéis para os hotéis Four Seasons, em Londres, e para o luxuoso Shangri-La, em Paris. Macau, Angola e Austrália são outros pontos do mapa onde o seu trabalho pode ser admirado.

A ajudá-la no ateliê estão João Cruz Malheiro, ocupado a alisar o gesso ainda fresco nos moldes, com o cuidado de empratamento de alta cozinha, e Gustavo Fonseca, responsável pela pintura das peças. São estes três magníficos que estão por trás de uma marca nascida em 2013.

Por essa altura, já Iva Viana tinha estagiado com o escultor Pierre Merlin, em Nîmes, realizado intercâmbios no Brasil e em Moçambique e trabalhado durante seis anos numa empresa francesa sediada em Portugal. A vontade de arrancar com um projeto em nome próprio veio da necessidade de assumir um papel criativo mais ativo: “Eu não estava bem e decidi arriscar”.

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Partir pedra – ou gesso, neste caso – no mundo dos estucadores não foi fácil. Desde logo, porque sendo mulher, sentia-se tratada com alguma condescendência. “Mas eu não me deixei ficar e consegui o meu espaço”, diz. O trabalho falou por si: assim que os artistas mais conservadores começaram a visitar o seu ateliê, admirando desde as mais pequenas flores decorativas aos grandes painéis ornamentais, morderam a língua paternalista.

Uma mão no gesso, outra no remo

De certo modo, Iva Viana é herdeira da tradição dos Baganha e dos Meira, mas também da do veterano arquiteto e escultor britânico Geoffrey Preston, “o Brad Pitt do estuque”, como gosta de o chamar. Misturando influências de tempos e latitudes distintas com um olhar contemporâneo, criou uma linguagem só sua, onde as paisagens do rio Lima, da Serra da Arga e das praias de Viana do Castelo se fazem notar. “Aquilo que eu crio é o que vejo quando saio para a água remar.” As suas peças são a expressão mais fina da natureza, criadas com as curvas delicadas do cinzel.

Luis Ferraz

O processo de criação começa num caderno, a grafite. Nas páginas que tem abertas diante de nós mostra-nos a encomenda que agora tem em mãos: chama-se “Lima Meu”, é a sua primeira obra para exterior e representa “uma homenagem à fauna e flora do rio Lima”. Serão, ao todo, quatro painéis de oito metros a adornar a fachada de um edifício de luxo, instalado a 200 metros do rio, seu confidente desde os 12 anos.

Foi nessa altura que Iva Viana começou a remar e, desde então, a modalidade tornou-se num dos seus dois grandes amores. “Fiz parte da seleção nacional”, diz a atleta que esporadicamente ainda compete pelo clube Viana Remadores do Lima (VRL). O remo e o gesso chegam-se inclusivamente a tocar, tendo a escultora desenhado duas medalhas, banhadas a bronze, para o Troféu Henrique Baixinho, “uma lenda da modalidade”, e para o Campeonato Mundial de Velocidade.

Perguntamos-lhe se em algum momento o desporto não poderia ter levado a melhor sobre a escultura, mas a carreira de Iva já estava a ser desenhada desde a preparatória. “As artes manuais sempre foram a minha disciplina favorita.” As primeiras peças que moldou foram uma sereia e uma jarra em barro. “Ainda as tenho”, diz.

© Luíz Ferraz

Mas foi na Faculdade de Belas Artes, no Porto, que o gesso se entranhou verdadeiramente na sua vida. Lá cruzou-se com a artista plástica Rute Rosas, a primeira mulher a lecionar na vertente de escultura no ensino superior artístico no Porto. “No terceiro ano fiz um trabalho todo em gesso. Foi paixão à primeira vista.” “Froid et Chaud” (quente e frio) consistiu numa instalação de 100 torneiras em gesso, expostas numa parede do Maus Hábitos, no Porto, em referência a uma torneira original descontextualizada da sua função. De um objeto obsoleto, Iva Viana concebeu uma exposição. Acabou o ano com um 17 na pauta, orgulho estampado no rosto.

Do que a artista mais gosta, admite, são das encomendas personalizadas, como os dez tetos que fez para o Ivens Arte, o edifício do Chiado originário do século XVIII e reabilitado pelo arquiteto Samuel Torres de Carvalho. Mas um negócio não se faz apenas de projetos exclusivos e, por muito que a ideia não lhe tivesse agradado no início, Iva teve que dar o braço a torcer ao lado comercial. Ainda assim, não espere ver peças Iva Viana numa linha de produção fordiana. Há um lado humano mesmo nas coleções mais popularizadas, como a das flores de parede, que podem ser encontradas em pontos de venda como a Objectos Misturados, em Viana do Castelo, no Centro Comercial Bombarda, no Porto ou na Pura Cal, em Lisboa.

Luis Ferraz

Em 2020, a escultora estabeleceu uma parceria com o Estabelecimento Prisional de Viana do Castelo. “Começámos com um espaço pequeno, depois ficou assim e agora já é deste tamanho”, conta, afastando as mãos à medida que ilustra o crescimento do ateliê montado no jardim das traseiras da prisão. Em média, saem 100 flores por semana das mãos destes artesãos, que no gesso encontraram uma vocação desconhecida.

Comemorando este ano o décimo aniversário de marca própria, Iva Viana já tem dois grandes projetos em vista: uma exposição coletiva em Berlim, no Direktorenhaus – Museum for Art, Crafts and Design, a inaugurar no dia 14 de abril; e uma encomenda do município de Pontevedra, na Galiza, para uma obra exterior integrada num projeto só de mulheres artistas.

As coisas, nota sem falsa modéstia e olhando para o arquivo imenso de moldes a que chama de “beautiful garbage”, vão acontecendo. Daquilo que o futuro lhe reserva pouco sabe, mas isso não lhe tira o sono. Desde que continue a “pôr as mãos na massa”, a remar ao final do dia e a viver na sua tranquila cidade minhota, a vida de Iva Viana continuará a ser um jardim encantado de gesso.

Este artigo foi originalmente publicado na revista Observador Lifestyle n.º19, lançada em março de 2023.

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