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Daniel Craig e Rooney Mara, os protagonistas da versão de "David Fincher" do primeiro título da trilogia de sucesso de Stieg Larsson
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Daniel Craig e Rooney Mara, os protagonistas da versão de "David Fincher" do primeiro título da trilogia de sucesso de Stieg Larsson

Daniel Craig e Rooney Mara, os protagonistas da versão de "David Fincher" do primeiro título da trilogia de sucesso de Stieg Larsson

David Fincher e a inacabada trilogia "Millennium": porque é que "A Rapariga" ficou para trás?

O novo "Mank" já está na Netflix, seis anos depois de "Em Parte Incerta". Mas no percurso de um dos mais celebrados realizadores dos últimos 30 anos, há uma pergunta que continua mal respondida.

“Mank”, filme estreado no passado dia 4 de dezembro na Netflix, assinala o regresso de David Fincher ao cinema (em casa, neste caso), depois de uma ausência de seis anos. Em 2014, o realizador conquistou públicos mundiais com a sua adaptação de “Em Parte Incerta”, mas o futuro da saga que havia tentado começar com “Millennium 1 — Os Homens Que Odeiam as Mulheres” dissipou-se. Olhemos para as razões pelas quais a sequela nunca se materializou, apesar da demanda dos fãs.

O início da década de 2010 foi particularmente frenético para David Fincher. O realizador tinha lançado dois dos projetos mais ambiciosos da sua carreira, “Zodiac” (2007) e “O Estranho Caso de Benjamin Button” (2008) — este último foi um querido das cerimónias de prémios em Hollywood, com 13 nomeações e 3 vitórias nos Óscares. Preparava-se para lançar “A Rede Social”, outro dos seus projetos mais distintos, e começava as filmagens de “Millennium 1 — Os Homens que Odeiam as Mulheres” (de título original “The Girl With the Dragon Tattoo”) na Suécia.

“Mank”: David Fincher retrata o homem que escreveu “O Mundo a Seus Pés”

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O filme era baseado no primeiro romance da trilogia Millennium do sueco Stieg Larsson, uma saga de best-sellers mundias que lidava com temas de misoginia, patriarcado e abuso sexual, à volta da hacker Lisbeth Salander e do jornalista Mikael Blomkvist enquanto desvendavam uma rede de mistério e assassinatos de mulheres na Suécia rural. Os três livros já haviam sido adaptados ao cinema no país de origem, com Noomi Rapace e Michael Nyqvist nos papéis principais, mas a forte demanda levou a Sony Pictures a adquirir os direitos de remake e a montar rapidamente uma versão americana.

[o trailer de “Os Homens que Odeiam as Mulheres:]

Quando Fincher foi proposto ao papel de realizador, viu uma oportunidade perfeita para criar um franchise de thrillers sombrios para adultos, uma espécie de forma de combate ao reinado dos super-heróis que se montava naquela altura. O filme foi lançado em finais de 2011 (janeiro de 2012, em Portugal) e foi um sucesso instantâneo — tanto o público como a crítica aclamava a mestria que Fincher trouxe à história e, especialmente, a prestação da atriz Rooney Mara como Lisbeth. O filme foi nomeado para 5 Óscares (vencendo o de Melhor Montagem) e fez 232.6 milhões de dólares em receitas de bilheteiras mundiais, contra um orçamento de produção de 90 milhões.

O público queria uma sequela e a demanda era forte, pelo que a Sony havia já contratado Steve Zaillian, o mesmo argumentista de “The Girl With the Dragon Tattoo”, para escrever o argumento. Ao que se sabe, o guião estava completo e declarado apto para início de produção já em 2013, mas a sequela nunca se materializou. David Fincher foi citado em 2014, numa entrevista ao site sueco After Bladet, na qual revelava esperanças que o projeto ainda visse a luz do dia:

“Acho que tendo já a Sony gastado milhões de dólares nos direitos de produção e na escrita do guião, ainda vai resultar em algo. O guião que temos agora tem um potencial incrível. Posso revelar que é extremamente diferente do livro.”

"The Girl With the Dragon Tattoo" não era simplesmente um remake dos filmes suecos, era uma adaptação mais estilizada, com valores de produção muito maiores, e fiel ao livro de Stieg Larsson, além de que marcava também o regresso de Fincher ao seu registo mais sombrio depois de "Benjamin Button" e "A Rede Social".

No entanto, nada por parte da Sony, que se mantinha muda quanto ao assunto. Graças ao ataque pirata que as infraestruturas da Sony sofreram nesse mesmo ano, muitos dos emails dos executivos do estúdio foram vazados para a internet no site Wikileaks, pelo que se pode encontrar alguma informação sobre as decisões internas que estavam a ser tomadas na altura relativamente ao futuro da saga Millennium.

Em resposta à mesma entrevista, Amy Pascal (na altura, presidente do conselho de administração da Sony Pictures) redirecionou o artigo para Fincher, com a mensagem “a sério?”, dando a entender que o filme já estava mais que enterrado.

O porquê do sucesso do primeiro filme

“The Girl With the Dragon Tattoo” não era simplesmente um remake dos filmes suecos, era uma adaptação mais estilizada, com valores de produção muito maiores, e fiel ao livro de Stieg Larsson, além de que marcava também o regresso de Fincher ao seu registo mais sombrio depois de “Benjamin Button” e “A Rede Social”. Os livros já eram, por si só, grandes sucessos comerciais por todo o mundo, inclusivamente em Portugal, pelo que era mais que lógica a aposta numa adaptação de Hollywood.

A principal razão pela qual os livros foram tão bem sucedidos, mais do que pela escrita cativante de Larsson, é nada mais, nada menos, que a personagem de Lisbeth. Tatuada, cheia de piercings na cara e casmurra, mal abria a boca senão para insultar alguém ou dizer o mínimo dos mínimos e era o completo oposto do que se podia imaginar de uma heroína/ícone literário. Mas tinha tudo aquilo que seria de esperar de uma personagem transcendente — moralmente, as suas ações eram dúbias, mas sempre proporcionais ao significado literário da palavra justiça. Era uma rapariga que havia sido posta de parte pela sociedade e considerada lunática para benefício de outros, principalmente homens, e abusada constantemente pelo sistema, pelo que o seu ato de rebelião puxava ao máximo pela empatia do leitor. Não era a heroína das histórias clássicas da literatura, mas era uma guerreira que punia os homens que odiavam as mulheres e virava o próprio sistema patriarcal contra ele próprio.

A popularidade de Daniel Craig como James Bond teria peso na atração de espectadores não familiarizados com os livros e o desempenho de Rooney Mara como Lisbeth foi unanimemente celebrado

Não é de estranhar que, quando as pessoas pensam em Millennium, pensem na imagem de Lisbeth, com a sua crista e a tatuagem de um dragão nas suas costas. Tornara-se um símbolo feminista da literatura moderna, e isso refletiu-se no cinema também.

Junta-se a uma narrativa tão intrincada um David Fincher no auge dos seus poderes e tínhamos um filme que não só desafiava as audiências, como as recompensava. A popularidade de Daniel Craig como James Bond teria peso na atração de espectadores não familiarizados com os livros e o desempenho de Rooney Mara como Lisbeth (que lhe conseguiu uma nomeação para Melhor Atriz) foi unanimemente celebrado.

O filme teve também uma extensiva campanha de marketing, que começou com um teaser que colocava uma versão de “Immigrant Song” dos Led Zeppelin (cantada por Karen O) por cima de imagens do filme, sem qualquer contexto — embora não nos dissesse nada sobre a história, comunicava exatamente que tipo de filme seria. O teaser apareceu na internet sem qualquer aviso, vazado por uma conta pirata sem suposta autorização do estúdio, embora até hoje se acredite que tenha sido uma tática de marketing premeditada, dado que a personagem de Lisbeth é uma hacker. Outra peça da campanha consistia num website onde todos os dias eram publicadas imagens de objetos relacionados com o filme, acompanhados de coordenadas – a primeira pessoa a lá chegar encontrava o objeto, um verdadeiro adereço das filmagens do filme.

[o teaser de “Os Homens que Odeiam as Mulheres”, de David Fincher:]

Mas exatamente o que é que levou à morte da sequela de “The Girl With the Dragon Tattoo” depois deste sucesso, e especialmente depois dos gastos do estúdio nos direitos e no guião?

O verdadeiro porquê de não termos tido uma sequela

Embora o filme tenha sido um sucesso entre críticos e espectadores, embora tenha sido um candidato de peso aos Óscares, os 232 milhões de dólares que arrecadou nas bilheteiras mundiais não foram suficientes para fazer o estúdio sonhar com uma sequela. Apesar de tudo, o filme de Fincher não foi barato — o seu orçamento foi de 90 milhões de dólares, sendo que este número não inclui os números relativos à publicidade e ao marketing. A MGM, co-financiadora com a Sony Pictures, relatou uma “perda modesta” e 10% de receitas a menos do que esperavam, quando as contas finais foram acertadas.

À primeira vista, o facto da data de lançamento nos Estados Unidos ter coincidido com o Dia de Natal pode parecer um dos fatores que levaram o filme a ter receitas mais baixas que o esperado. Para a indústria americana do cinema, o feriado constitui um dia importante no que toca a receitas de bilheteira. Ao contrário de Portugal, por exemplo, é bastante normal ir ao cinema no Dia de Natal, e “The Girl With the Dragon Tattoo” não era exatamente um filme indicado para famílias. No entanto, a lógica por trás desta data de lançamento assenta numa estratégia de counter-programming, uma forma de se fazer destacar o produto de entre a competição e de oferecer, neste caso, uma alternativa à alegria do Natal.

A Sony chegou, inclusivamente, a pensar em opções para prosseguir sem Craig. Em emails desde então tornados públicos no Wikileaks, executivos do estúdio destacam a opção de arranjar outro ator e matar a personagem de Craig, reescrever o guião com a personagem ausente em “férias”, cancelar o filme a favor de um reboot ou desistir da adaptação ao cinema e desenvolver uma série de televisão.

Portanto, já não bastava que não tivesse feito tanto dinheiro como era esperado, a Sony deparava-se agora com outro problema — no tempo que demorou até Zaillian acabar o primeiro rascunho do guião para a sequela, Daniel Craig tinha protagonizado “007 — Skyfall”, o maior filme de Bond até à data e, curiosamente, o mais bem-sucedido da Sony nas bilheteiras (acabou por ser destronado em 2019 por “Homem-Aranha: Longe de Casa”). Como tal, Craig passar a exigir um cachet muito mais alto, o que inflacionaria o orçamento da sequela.

A Sony chegou, inclusivamente, a pensar em opções para prosseguir sem Craig. Em emails desde então tornados públicos no Wikileaks, executivos do estúdio destacam a opção de arranjar outro ator e matar a personagem de Craig, reescrever o guião com a personagem ausente em “férias”, cancelar o filme a favor de um reboot ou desistir da adaptação ao cinema e desenvolver uma série de televisão. Fincher não se comprometeu com nenhuma destas opções, defendendo o guião de Zaillian até ao fim e seguindo em frente para realizar “Em Parte Incerta” com a 20th Century Fox, em 2014 — este que acabou no seu maior sucesso de bilheteiras até hoje e foi aclamado como um dos melhores filmes da sua carreira.

[o trailer de “Em Parte Incerta”:]

Entretanto, numa das mais bizarras decisões corporativas dos últimos anos de cinema, a Sony escolheu a opção de um reboot de Millennium com um orçamento bastante diminuído, novos atores e um novo realizador. O resultado foi “A Rapariga Apanhada na Teia de Aranha” (“The Girl in the Spider’s Web”), baseado não no segundo livro da saga, como seria de esperar, mas sim no quarto (escrito por David Lagercrantz em vez de Stieg Larsson). O filme foi realizado por Fede Alvarez (“Nem Respires”, “A Noite dos Mortos-Vivos”) e protagonizado por Claire Foy (The Crown) no papel de Lisbeth.

[o trailer de “A Rapariga Apanhada na Teia de Aranha”:]

Apesar de apenas ter custado 43 milhões de dólares, metade do orçamento do filme de David Fincher, A Rapariga Apanhada na Teia de Aranha, lançado em finais de 2018, fez apenas 14 milhões de dólares em bilhetes vendidos nos Estados Unidos, e 35 milhões no mundo inteiro. Além de ter sido ignorado pelo público, foi queimado pela crítica, catalogado de “inútil” e “desnecessário”. Quanto ao futuro da saga, planeia-se uma série de televisão desenvolvida pela Amazon para o seu serviço de streaming Prime Video. Nunca saberemos se uma sequela ao filme de Fincher teria sido mais ou menos bem-sucedida que o primeiro, e talvez se o filme existisse nunca teríamos tido direito a Em Parte Incerta, nem a este novo Mank. Mas não deixa de ser triste e frustrante, saber que deixámos a rapariga para trás.

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