Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.

A entrega da proposta do Orçamento de Estado para 2019 (OE2019), o último da geringonça, inicia não só o escrutínio do que o governo estabeleceu como prioritário para o próximo ano como, também, a avaliação do que foi o seu mandato desde o início de 2016. Na Educação, o exercício faz-se com os dados possíveis, porque os dados detalhados serão publicados pelo governo posteriormente. Mas esses dados são já suficientes para perceber quais foram as principais opções políticas do governo na Educação, nomeadamente em termos de investimento no sector, e comparar os níveis de investimento com os que marcaram o mandato do anterior governo. Afinal, como tanto se prometeu, reverteram-se as opções de PSD-CDS de gestão estrutural do Ministério da Educação, seja nos valores orçamentais, seja na contratação de recursos humanos? Quanto dinheiro entrou na Educação e em que rubricas foi colocado? Do ponto de vista político, como ler as opções orçamentais deste governo? E qual o peso dos salários dos professores nas contas do Orçamento da Educação – sendo que esta questão é particularmente sensível porque penetra no coração da negociação com os sindicatos de professores sobre a contagem do tempo de serviço no descongelamento das carreiras?

São estas as questões que aqui se analisam, para concluir que, afinal, ainda há muito caminho para andar, que o peso da Educação no PIB está a cair, que há ainda menos professores do que havia em 2011 e que, sim, o segredo da recuperação dos cortes orçamentais está mesmo no salário dos professores.

Há mais dinheiro para a Educação? Sim, mas…

O OE2019 apresenta um aumento da verba dedicada ao programa orçamental “Ensino Básico e Secundário e Administração Escolar”, que basicamente engloba a despesa prevista com o funcionamento do sector da educação não-superior. Esse aumento é de 248 milhões de euros se se comparar com o OE2018 inicial (aquele que foi aprovado em Novembro de 2017), e é de 82 milhões de euros se se comparar com o OE2018 (execução prevista para 2018).

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O aumento é elevado ou é baixo? Depende sempre da perspectiva. Mas, olhando objectivamente aos dados de anos anteriores, pode dizer-se que é mais elevado do que aquilo que tem sido praticado nos últimos anos – ou seja, é um aumento orçamental como ainda não se tinha visto entre orçamentos desta legislatura. Por exemplo, de 2017 para 2018, o objectivo do governo expresso no OE2018 foi o de reduzir ligeiramente o orçamento da educação (que, na realidade, não diminuiu mas estagnou). Portanto, o aumento actual no OE2019 é relevante e o mais acentuado desde a transição de governo. Politicamente, este será certamente um dado que os partidos que apoiam o governo não deixarão de destacar.

Dito isto, vale a pena mudar o ângulo de análise e pôr estas dotações orçamentais no contexto das legislaturas e dos respectivos ciclos políticos – só assim será possível responder a questões de balanço e olhar para o OE2019 como o último orçamento da geringonça. E o que nos mostra a análise comparada dos orçamentos desde 2011? Dois aspectos fundamentais.

O primeiro aspecto a destacar é que a dotação orçamental prevista no OE2019 está, ainda, um pouco abaixo do que foi estipulado e executado no OE2011. Ou seja: o impacto dos cortes orçamentais do período 2012-2015 (PSD-CDS, que coincidiu com o programa de assistência financeira) não foi ainda inteiramente compensado nos orçamentos 2016-2019 (PS). Mas está lá quase. Efectivamente, olhando aos orçamentos iniciais, os cortes no governo PSD-CDS tinham como meta reduzir o orçamento da educação em cerca de 900 milhões de euros – mas, na execução orçamental, “apenas” reduziu em 740 milhões de euros. Ora, os investimentos totais do actual governo na educação correspondem a um reforço de 779 milhões de euros nos orçamentos iniciais – o que deixaria a “recuperação” a 120 milhões de euros de distância. Só que, nos orçamentos realmente executados (que é o que importa), a distância é mais curta e é razoável estimar que em 2019 se alcançará os níveis de execução orçamental de 2011 – para tal bastaria um desvio orçamental em 2019 que fosse igual ao de 2018 (2,7%), o que seria um valor normal no histórico dos orçamentos da educação. Portanto, é possível que 2019 seja simbolicamente o ano da recuperação do impacto da troika nos orçamentos da educação.

O segundo aspecto a destacar é que os aumentos das dotações orçamentais da educação têm sido aplicados a um ritmo inferior ao do crescimento económico. Consequentemente, o investimento na educação medido em percentagem do PIB é cada vez mais reduzido. Tão mais reduzido que, olhando apenas aos orçamentos desde 2011, o OE2018 é aquele que coloca o investimento na educação em relação ao PIB nos níveis mais baixos (3,10%), estimando-se que o OE2019 fique à volta de 3,17%. Em 2011, o peso da educação no PIB atingia os 3,72%. E, em 2015, último ano do governo PSD-CDS, o indicador estava nos 3,14%. O que isto demonstra é que, apesar do discurso político, a educação não constituiu uma aposta estratégica do ponto de vista orçamental: os aumentos das dotações orçamentais foram moderados e abaixo do que o crescimento económico permitiria. A explicação é simples: a necessidade de contenção orçamental obrigou a reter muito do dinheiro que, na teoria, poderia ter ido para a educação. Portanto, os aumentos orçamentais observados representam mais um retomar da “normalidade” no sector e não tanto uma aposta estratégica deste governo.

O orçamento é dos professores?

A pergunta que vem a seguir é inevitável: se aumentou a dotação orçamental da Educação, para onde foi o dinheiro? Aqui não há mistério nenhum: a principal explicação do reforço orçamental da Educação está no aumento das “despesas com o pessoal” (professores e auxiliares), sendo essa a maior rubrica na estrutura do orçamento da educação. É olhando para estes dados que melhor se entende a natureza do reforço orçamental na Educação no OE2019 e durante esta legislatura. Vamos por pontos.

Primeiro ponto. No OE2019, a dotação orçamental prevista para as “despesas com o pessoal” ascende a 4.607 milhões de euros. Comparativamente a 2018, trata-se de um importante aumento de 200 milhões de euros (+4,5%). Ou seja, os aumentos nos salários dos professores explicam 75% do aumento de verba no OE2019 da Educação face a 2018 – isto é, explicam 200 dos 248 milhões de euros que aumentarão no próximo ano.

Segundo ponto. O peso dos salários dos professores no OE2019 ainda não alcançou o do OE2011, quando a verba atingiu os 4.787 milhões de euros. Mas tem vindo a aproximar-se rapidamente. Entre 2015, último orçamento do governo PSD-CDS, e este OE2019, há uma “recuperação” de 660 milhões de euros só em salários. Isto significa que, desde 2015, o maior investimento na educação se explica, basicamente, com aumentos nas despesas com os professores e auxiliares: dos 779 milhões de euros que o governo PS aumentou face ao último orçamento PSD-CDS, 660 milhões foram para salários (ou seja, corresponde a 85% da “recuperação” orçamental desde a troika).

Terceiro ponto. Quer isto dizer que o Ministério da Educação tem vindo a contratar professores em grande número para justificar esse aumento de despesa? Nem por isso: apesar dos aumentos das dotações orçamentais com os salários, o número de professores com ligação ao Ministério da Educação não sofreu oscilações significativas. Veja-se que, desde 2015 até hoje, entre saídas e novas contratações, o saldo é apenas de mais 6.192 professores. Mais relevante ainda para a análise, repare-se que, face a 2011, há hoje um saldo negativo de menos 15.782 professores com ligação ao Ministério da Educação. Consequentemente, e este é um ponto fundamental para a leitura dos dados, o Estado está a gastar cada vez mais dinheiro com salários, embora tenha bastante menos professores do que tinha.

Isto pode parecer estranho à primeira vista, mas tem explicação. Por um lado, os vencimentos têm de aumentar por via do fim dos cortes da função pública, do descongelamento das carreiras (que terão uma dotação específica que não entra nestas contas) e dos aumentos salariais na função pública. Assim, tal como a restante administração pública, os professores terão em 2019 alterações nas suas carreiras e nos seus vencimentos. Por outro lado, há um factor importante de envelhecimento docente: os professores dos quadros do ministério estão cada vez mais velhos (cerca de 45% tem 50 anos ou mais), o que implica que as suas posições na carreira docente sejam cada vez mais elevadas e, inevitavelmente, que os seus vencimentos sejam cada vez mais altos. Ou seja, é compreensível que o peso da despesa com os professores se reflicta com força no OE2019, mesmo que isso não corresponda proporcionalmente a um aumento do número de professores nas escolas.

Que outras áreas merecem destaque?

Os salários dos professores explicam a maior parte das oscilações orçamentais no OE2019 face a 2018 ou face a 2015. Mas não explicam tudo. Em muitas outras áreas do sistema educativo, embora com menor impacto orçamental, o governo tem afirmado as suas opções políticas. A avaliação final dependerá da publicação de dados mais detalhados sobre o orçamento do Ministério da Educação, aquando da audição parlamentar do ministro da Educação no âmbito do escrutínio à proposta de orçamento – ou seja, daqui a sensivelmente um mês. Mas, apesar disso, alguns destaques são desde já possíveis.

O primeiro destaque vai para o Pré-Escolar. Esta é uma área que o governo elegeu (e bem) como prioritária e para a qual tem anunciado sucessivos aumentos orçamentais, sendo que no OE2019 isso volta a acontecer. Esse aumento tem realmente acontecido ao longo da legislatura. Recorde-se que, no OE2016, a primeira meta fixada por este governo nessa área foi de atingir os 462 milhões de euros (um valor inferior ao que executara o Governo PSD-CDS em 2015) e que, agora, no OE2019, a dotação orçamental está cerca de 100 milhões de euros acima desse ponto de partida.

Dito isto, há que assinalar que falar de um aumento no investimento no Pré-Escolar em 2019 é ligeiramente enganador. Sim, por um lado, a meta de 2019 será aumentar em 2,2% o investimento executado no Pré-Escolar em 2018 (552 milhões de euros). Mas, por outro lado, a meta de investimento no Pré-Escolar para 2019 (564 milhões de euros) é praticamente igual à inicialmente prevista para 2018 (561 milhões de euros). Ou seja, algo correu mal na execução do reforço do Pré-Escolar em 2018 e o governo prepara-se para fazer em 2019 aquilo que não conseguiu cumprir em 2018.

O segundo destaque vai para o Ensino Particular e Cooperativo. Aqui, o que está em causa é apenas a confirmação do que já se sabia: o financiamento às escolas deste sector está a diminuir de forma constante, caindo no OE2019 para 184 milhões de euros (-11% face a 2018) – em 2016, foi de 254 milhões de euros, ou seja, a redução global durante o mandato deste governo é de 70 milhões de euros (-28%). Estes valores incluem mais do que os conhecidos “contratos de associação”, pelo que o impacto dos cortes nestes últimos estima-se proporcionalmente superior.

O terceiro destaque vai para a Parque Escolar, empresa pública sob a tutela da Educação e que tem como missão a requalificação das escolas. No relatório do OE2019, o governo destaca a atribuição de 61,9 milhões de euros para a aquisição de bens de capital pela Parque Escolar. Importa salientar que este valor é muito inferior ao do OE2016 (88,7 milhões de euros) e que não se diferencia significativamente dos de anos seguintes – 66,5 milhões de euros no OE2017 e 55 milhões de euros no OE2018. Ou seja, a ênfase dada a este indicador é sobretudo política, não sendo a dotação orçamental da Parque Escolar no OE2019 de relevo face a anos anteriores.

So what? Cinco pontos-chave a extrair do OE2019 da Educação

Primeiro ponto-chave: o OE2019 mantém a rota de reforço dos orçamentos da Educação e, entre orçamentos deste governo, é aquele que impõe um aumento mais acentuado. Contudo, o balanço do último orçamento da geringonça é que ainda não compensou os cortes orçamentais do período do programa de ajustamento – embora seja possível que a execução orçamental em 2019 coincida com a de 2011. Ou seja, a contenção orçamental imposta pelas Finanças determinou um certo gradualismo nos reforços orçamentais aplicados na Educação.

Segundo ponto-chave: em percentagem do PIB, este orçamento da educação é dos mais baixos dos últimos anos, apenas ligeiramente superior ao de 2018, que foi o mais baixo de todos – apenas 3,10%. Recorde-se que, em 2011, esse indicador foi de 3,74% e que, em 2015, foi de 3,14%. Ou seja, o reforço orçamental na educação foi mais lento do que a economia permitiria e demonstra que, ao contrário do habitual discurso político, o reforço do orçamento da Educação não constituiu uma aposta estratégica deste governo.

Terceiro ponto-chave: os salários dos professores explicam fortemente não só o reforço orçamental no OE2019 como toda a dita “recuperação” orçamental na Educação desde 2015: 660 dos 779 milhões de euros de reforço orçamental deste governo na Educação estão directamente associados a salários dos funcionários do Ministério da Educação – cerca de 85% do total, portanto. Isto expõe que, num contexto de contenção orçamental, a margem para investimentos estratégicos em áreas específicas da educação foi sempre muito curta. Dito de forma simples: mais do que ter aumentado o orçamento da “educação”, aumentou o “salário dos professores”.

Quarto ponto-chave: o número de professores na esfera do Ministério da Educação aumentou apenas levemente desde 2015 (cerca de mais 6.192), ficando ainda muito distante dos níveis de 2011 (cerca de menos 15.782). Isto sugere que o aumento de despesa com salários não está (apenas) relacionado com o aumento de número de profissionais no ministério. É preciso, portanto, ter em conta que, desde 2015, se retiraram cortes salariais e se aumentarão os salários da função pública em 2019 – para além do descongelamento das carreiras, cuja dotação específica não entra nestas contas. E, também, que o envelhecimento dos professores (cerca de 45% tem 50 ou mais anos) terá um forte impacto nas despesas com salários, que à medida da evolução da carreira se vão tornando mais elevados.

Quinto ponto-chave: as áreas específicas que se destacam no relatório do OE2019 são poucas, embora o Pré-Escolar seja aquela onde é mais perceptível uma real aposta política de fortalecimento da oferta, com mais 100 milhões de euros desde 2016. Contudo, a meta para 2019 é praticamente idêntica à de 2018, o que denuncia algum problema na execução orçamental de 2018 nesta área, que ficou aquém das expectativas. No ensino particular e cooperativo e na Parque Escolar, os indicadores orçamentais confirmam as tendências dos últimos anos – de descida e de estagnação, respectivamente.