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O projeto Escolas Solidárias já envolveu quase 300 professores de escolas de vários níveis de ensino da região centro do país
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O projeto Escolas Solidárias já envolveu quase 300 professores de escolas de vários níveis de ensino da região centro do país

MARIA JOÃO GALA/OBSERVADOR

O projeto Escolas Solidárias já envolveu quase 300 professores de escolas de vários níveis de ensino da região centro do país

MARIA JOÃO GALA/OBSERVADOR

O projeto que ajuda a cuidar da saúde mental fragilizada dos professores

Iniciativa da Universidade de Coimbra ensina estratégias para lidar com stress, ansiedade e depressão nas escolas. O modelo, que pode ser disseminado em todo o país, vai estender-se a alunos e pais.

Os professores vivem tempos conturbados e o cenário é difícil. A burocracia, a indisciplina na sala de aula, a violência nas escolas, as “intromissões dos pais”, as carreiras congeladas, as manifestações nas ruas. Demasiado cansaço, bastante desânimo. E o absentismo aumenta, as baixas médicas disparam, o burnout evidencia-se. Em 2018, um estudo nacional da Universidade Nova de Lisboa, realizado a pedido da Federação Nacional dos Professores, concluiu que mais de 60% dos docentes apresentavam níveis preocupantes de exaustão emocional. Se quem ensina não está bem, a comunidade educativa ressente-se.

Há, porém, trabalho a ser feito para desenvolver competências emocionais, sociais, cognitivas e comportamentais para lidar com as dificuldades e os desafios do dia a dia escolar. É o caso do projeto Escolas Compassivas, coordenado pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) e pelo Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção C (CINEICC), da mesma instituição, implementado em Portugal e no Reino Unido. Por cá, a iniciativa arrancou no ano letivo de 2017/18, tendo sido suspenso em 2020 por causa da pandemia e retomado depois, no ano letivo de 2022/2023.

Maria Emília Pires, professora de Educação Especial, aprendeu a lidar com o forte sentido autocrítico, "que leva por caminhos que abalam a saúde mental”

MARIA JOÃO GALA/OBSERVADOR

Trata-se de uma intervenção focada na compaixão e na melhoria da saúde mental e bem-estar dos vários agentes educativos. Até ao momento o projeto envolveu cerca de 270 professores e 30 funcionários de seis agrupamentos escolares, de vários níveis de ensino, do pré-escolar ao secundário, da região Centro, abrangendo os concelhos de Coimbra, Nelas, Sátão e Viseu. Ao todo foram, até à data, 11 grupos de professores, cada um com um número variável de 15 a 30 docentes. Começa agora a ser aplicado em dois agrupamentos escolares de Guimarães e, no próximo ano letivo, a intervenção abrangerá também alunos e pais.

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“Temos de trabalhar com os professores, com os funcionários, com os alunos, com os pais”, diz Marcela Matos, coordenadora do projeto. “Perante a crise de saúde mental que existe nas nossas escolas, e que afeta professores e alunos, acreditamos que só assim é possível mudar de forma sustentável o clima emocional e social que se vive.” Para a psicóloga clínica, investigadora auxiliar no CINEICC e professora auxiliar convidada da FPCEUC, os docentes estão sedentos de intervenções de promoção de bem-estar e procuram ferramentas para encarar múltiplos desafios relacionais e emocionais.

“O projeto dá ferramentas aos professores: o que podem fazer no dia a dia, na relação com eles, com os colegas, com os alunos, o que pode ter um efeito positivo no seu próprio bem-estar.” 
Marcela Matos, coordenadora do projeto Escolas Compassivas

O projeto Escolas Compassivas é uma dessas respostas, defende a coordenadora. Desenrola-se ao longo de oito sessões de duas horas e meia, uma vez por semana, focadas na compaixão e no treino da mente compassiva. É apresentado nas escolas e abrem-se vagas que são ocupadas por ordem de inscrição.

No início de tudo, está o conceito de compaixão e há que explicá-lo bem. “Compaixão é uma motivação que pressupõe necessariamente uma ação. Nada tem a ver com pena. É definida como uma sensibilidade ao sofrimento em nós mesmos e nos outros”, esclarece Marcela Matos. “Não é ignorar ou evitar, é aproximar e fazer alguma coisa para aliviar ou prevenir o sofrimento no eu e nos outros. É ajudar e deixar-se ajudar na prevenção e alívio do sofrimento. Envolve sabedoria e coragem.”

Exaustão emocional

Anabela Estevão é professora de Português há 33 anos, dá aulas na Escola Secundária Fernando Namora, em Condeixa-a-Nova, e participou no projeto no início do ano. Reconhece que foi muito importante perceber o verdadeiro significado de compaixão. “A desconstrução do conceito ajudou-me imenso e o conjunto de procedimentos e de práticas permitiu-me a relativizar as partes negativas da profissão.” Tanto assim foi que decidiu implementar algumas das práticas na sala de aula, como a respiração com ritmo calmante, o treino das expressões faciais, os tons de voz calorosos e amigáveis. Ficou espantada com a recetividade dos alunos. Interiorizaram frases para treinar o “eu compassivo”, escreveram postais, esmiuçaram os conceitos de sabedoria, coragem, compromisso.

Ana Sá é professora de Educação Especial, membro da direção do Agrupamento de Escolas de Condeixa-a-Nova, docente há 31 anos, também participou nas sessões do projeto e sentiu o espírito de união, o elo de proximidade da classe, assistiu a momentos intensos e pensou: “A partilha de algumas frustrações e inquietações naquele pequeno grupo de professores era uma pequena amostra do que se passava no agrupamento”. Aprendeu a respirar para lidar com situações stressantes, a abrandar o ritmo, por vezes, frenético. “A pensar num sítio que é agradável e respirar até a tensão desaparecer”. Aprendeu esse distanciamento. “Os problemas, o stress e a sobrecarga da nossa profissão já existiam. Mas a questão da saúde mental não se falava tanto e a pandemia abriu essa porta.” E não só. A pressão aumentou, as condições de trabalho alteraram-se, emails sempre a cair, aquele estado de disponibilidade permanente. “Não se consegue desligar e isso não é bom.”

Marcela Matos, coordenadora do projeto, e Margarida Pedroso de Lima, psicóloga da equipa

MARIA JOÃO GALA/OBSERVADOR

Ana Margarida Taborda, professora de Físico-Química na Fernando Namora, 25 anos de profissão, traça o panorama atual, o desencanto e desalento dos docentes, cansaço e stress permanentes, a interferência constante dos pais, opções pedagógicas e metodológicas colocadas em causa. “Temos de fazer tudo e mais alguma coisa e para os pais nunca chega.” O professor tem de ser tudo. À sensação de desânimo segue-se a exigência do sistema sempre a aumentar. Ana Taborda sente-se no meio de uma classe profissional espremida por todos os lados. “Como se não tivéssemos vida. O que tem sido colocado em cima de nós tem sido brutal e tem afastado muita gente da profissão.” E, volta e meia, sabe de mais uma colega de baixa, de mais um professor em exaustão emocional.

Como a mente funciona e como surge o sofrimento

“Quando se lê e olha para a saúde mental da comunidade escolar, os dados que existem são aflitivos, preocupantes. Temos elevados níveis de stress, depressão, ansiedade, burnout nos professores”, diz Marcela Matos. Consequências graves para a saúde e uma sobrecarga socioeconómica para o país. O projeto Escolas Compassivas, financiado e apoiado pela Compassionate Mind Foundation, dá ferramentas. “O que podem fazer no seu dia a dia, na relação com eles, com os colegas, com os alunos, o que pode ter um efeito positivo no seu próprio bem-estar.” É uma intervenção baseada em fundamentação científica, que vai buscar conhecimento às neurociências e à psicologia social, uma abordagem integrativa para compreender melhor o que acontece dentro de cada um.

“As sessões têm um componente psicoeducativo em que são explorados alguns aspetos: o que é a compaixão e seus benefícios, regulação emocional, aprender com a mente funciona, como emerge o sofrimento, dificuldades emocionais, problemas de saúde mental, porque nos irritamos, ficamos tristes e ansiosos”, explica Marcela Matos. São feitos exercícios em grupo e em pares, intervenção experiencial, práticas de respiração e de meditação. Oito sessões e seis módulos com exercícios, intervenções, e estratégias baseadas num modelo biopsicossocial, que trabalha a saúde física e mental. Uma das sessões, por exemplo, é sobre a autocrítica, esta voz que todos temos na cabeça, para identificar o que é tóxico e saber lidar com isso.

Em 2018, um estudo nacional da Universidade Nova de Lisboa, realizado a pedido da Federação Nacional dos Professores, concluiu que mais de sessenta por cento dos docentes apresentavam níveis preocupantes de exaustão emocional. Se quem ensina não está bem, a comunidade educativa ressente-se.

Maria Emília Pires é professora há mais de trinta anos anos, metade deles na Educação Especial, e decidiu cedo que o que queria ser, logo no sétimo ano. Não se arrepende. Há dias fáceis, há dias difíceis. “Enquanto docentes, enquanto pessoas, fruto da nossa educação, fomos desenvolvendo um espírito muito autocrítico que, por vezes, nos leva por caminhos que nos abalam e abalam a nossa saúde mental”, admite. Num momento ou noutro, todos passam por isso. Portanto, no entender da professora, é fundamental aprender a lidar com as emoções e com essa autocrítica. Quando o “eu crítico” vem à tona, Maria Emília Pires lembra-se do que aprendeu nas sessões do treino da mente compassiva, das conversas, das técnicas, dos exercícios de respiração. Leva para a escola o que é possível aplicar e percebe o impacto que isso provoca. “São os alunos que acabam por reconhecer o mérito desses exercícios.”

Marcela Matos lembra que há competências fundamentais para a vida que não entram nos currículos escolares. Competências relacionais, de pro-sociabilidade, de cooperação, de igualdade, de aceitação, de empatia. “O objetivo último deste projeto é mudar a mentalidade das escolas”, diz. E olhar para a saúde mental de quem ensina é fundamental. “A autocompaixão e a capacidade de receber ajuda e suporte estão associados, de forma mais forte, a indicadores de psicopatologia, ou seja, a menos sintomas depressivos, menos stress, menos ansiedade, menos burnout, mais bem-estar, menos autocrítica.” Regular emoções desconfortáveis melhora o bem-estar emocional.

No próximo ano letivo o projeto será estendido também a alunos e pais

MARIA JOÃO GALA/OBSERVADOR

Margarida Pedroso Lima, psicóloga, professora na FPCEUC, onde ensina disciplinas de psicologia do desenvolvimento, psicologia da personalidade, psicoterapia de grupo e psicodrama, faz parte da equipa do projeto, e toca num ponto importante. Ser professor não é o que era. “É uma profissão cada vez menos considerada”, lembra. “Antigamente era uma profissão com um certo estatuto social e agora deixou de o ser e, por isso, temos imensos problemas de saúde mental dos professores que têm obviamente consequências nos alunos. Se um professor chega à escola zangado ou meio deprimido, é evidente que o clima na sala de aula e o humor dos alunos serão afetados.” Intervir nas escolas, junto dos professores, olhados como um modelo, faz toda a diferença. “É, por excelência, o lugar privilegiado de intervenção na promoção do bem-estar geral da sociedade porque todas as pessoas passam pela escola.”

Anabela Estevão sabe que a forma como se sente e a maneira como se comporta na sala de aula fazem diferença. “O modo como estou em sala de aula é uma parcela muito importante no sucesso escolar”, admite. A atenção aos alunos, a empatia sobre determinadas situações, as reflexões que ali são desencadeadas. Tudo importa. E, no entanto, as notícias repetem-se em muitos lados: professores que entram nas escolas cansados às oito e meia da manhã, a burocracia que esmaga. “A produção de documentos pedagógicos é muito importante para a saúde mental”. A professora de Português explica. “Na minha escola temos uma lei que nos protege, há transparência na elaboração dos documentos pedagógicos, os alunos conhecem as regras do jogo, os processos são transparentes, e isso dá-nos conforto e descanso.”

“É uma profissão cada vez menos considerada. Temos imensos problemas de saúde mental dos professores, que têm obviamente consequências nos alunos. Se um professor chega à escola zangado ou deprimido, é evidente que o clima na sala de aula e o humor dos alunos serão afetados.” 
Margarida Pedroso Lima, psicóloga

A escola funciona como um sistema e o projeto, realça Margarida Pedroso de Lima, ensina os professores “a não serem tão reativos à insubordinação e ao desinteresse dos alunos”. “Está tudo interligado. O professor é um modelo. Se estiver triste, desanimado ou desmotivado, obviamente não será o modelo que esperamos”. Marcela Matos também aborda esse aspeto. “Há estudos que mostram que os níveis de cortisol dos professores, uma hormona de ativação de stress e ansiedade, tem efeitos nos níveis de ansiedade e cortisol dos alunos. Há uma relação mensurável e tem um impacto fisiológico.”

A professora Ana Taborda conta que sentiu a diferença depois das sessões do projeto. “Ajudou-me muito, aprendi a respirar, a pensar antes de falar, a controlar a impulsividade, a não levantar tanto a voz com os alunos”. Tenta equilibrar as emoções e procurar o tal “lugar seguro” onde tudo fica mais calmo.

Mudanças psicológicas, alterações fisiológicas

Para a professora de Educação Especial, Maria Emília Pires, a saúde mental dos professores ainda não é suficientemente valorizada. “Reconhece-se o impacto, mas depois há alguma dificuldade em reconhecer que há momentos em que é necessário parar e pedir ajuda, seja de que forma for”. Até porque, lembra, estamos a falar de uma das classes com muitos casos de burnout e esgotamento emocional. “As necessidades são tantas, há uma grande heterogeneidade de alunos que chegam às escolas, há muitos problemas de saúde física, mental, psicológica, e os recursos humanos e materiais são escassos”. “Esta questão da saúde mental tornou-se mais visível nos últimos anos, fruto de toda esta pressão e tensão, até das próprias famílias”, acrescenta. E não tem dúvidas. “Se mais programas como este fossem implementados, mais poderíamos reconhecer os sinais que, muitas vezes, se negam”.

Houve um momento, numa das sessões, que Maria Emília Pires não esquece. Dois professores frente a frente, um de olhos abertos e outro de olhos fechados, o de olhos abertos tinha de imaginar a história de vida do que estava com os olhos fechados — as alegrias, angústias, desejos, inquietações. “Íamos percebendo no rosto do outro, os pensamentos e emoções que estariam a fluir naquele momento.” E as histórias não param de circular, tudo escrutinado e questionado, emoções à flor da pele, a carreira, o tempo congelado, o descontentamento geral.

Ana Sá, Anabela Estevão e Ana Margarida Taborda, professoras da Escola Secundária Fernando Namora, já aplicaram o que aprenderam nas sessões com os alunos e colegas

MARIA JOÃO GALA/OBSERVADOR

Os professores são avaliados antes e depois da intervenção e após três meses. Marcela Matos dá nota de uma redução significativa de sintomas de stress, depressão, ansiedade e de burnout físico, cognitivo e emocional dos professores. Diminuições expressivas, não tratadas em percentagens, que não são aleatórias, que ultrapassam a variabilidade expetável tendo em conta os desvios padrão. “Não tem só a ver com a redução de sofrimento psicológico e dificuldades de saúde mental, mas o que os nossos dados mostram é que esta intervenção também promove o bem-estar, a satisfação profissional dos professores, o afeto positivo, ou seja, sentimentos de relaxamento, tranquilidade, segurança e vitalidade no local do trabalho, não apenas na vida em geral.”

Segundo a coordenadora do projeto, após a realização de vários exames a um grupo de 36 professores (como eletrocardiogramas, análises ao sangue e à saliva), num estudo financiado pela farmacêutica Bial, estão agora em avaliação os dados recolhidos, para tentar perceber como o corpo reage fisiologicamente ao stress, à inflamação, a vírus e bactérias, e como o sistema imunitário se comporta, para perceber os impactos na saúde física. “Para demonstrar que as mudanças também têm substratos biológicos.”

Neste momento, já há projetos internacionais para disseminar esta intervenção noutros países, nomeadamente na Polónia, Itália, Espanha. Em Portugal, além de Marcela Matos e Margarida Pedroso de Lima, a equipa é constituída pelas professoras Marina Cunha, Ana Galhardo, Isabel Albuquerque e Lara Palmeira.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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