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As energias renováveis têm sido apontadas como um alvo do imposto por causa dos ganhos na venda de eletricidade a preços recorde
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As energias renováveis têm sido apontadas como um alvo do imposto por causa dos ganhos na venda de eletricidade a preços recorde

LARRY W. SMITH/EPA

As energias renováveis têm sido apontadas como um alvo do imposto por causa dos ganhos na venda de eletricidade a preços recorde

LARRY W. SMITH/EPA

O que são impostos sobre lucros caídos do céu? Quem os está a cobrar? E funcionam?

Hipótese de criar um imposto sobre os lucros extraordinários das empresas com o preço da energia entrou no debate. Governo está a avaliar, mas há muitas dúvidas sobre a sua aplicação e eficácia.

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Desde que começou a crise nos preços do gás e da eletricidade na segunda metade do ano passado que a ideia de taxar os ganhos extraordinários das empresas anda no ar. Começou a dar os primeiros passos no setor elétrico e aqui ao lado, em Espanha, onde a subida vertiginosa das cotações no mercado ibérico grossista, o Mibel, chegou mais cedo à fatura das famílias. Mas tem ganhado força com o impacto da guerra na Ucrânia nos preços dos produtos energéticos. A Comissão Europeia colocou os impostos sobre estes lucros na caixa de ferramentas que os Estados-membros podem usar para financiar apoios públicos aos consumidores de energia.

Em Portugal, a proposta tinha sido feita ainda no ano passado pelo Bloco de Esquerda e centrada no setor elétrico, mas esta sexta-feira, a hipótese foi admitida pelo ministro da Economia no segundo dia do debate do programa do Governo. António Costa Silva, em resposta à deputada do BE, Mariana Mortágua, referiu que o Executivo iria considerar um imposto para os lucros aleatórios e inesperados (windfall profits) das empresas de energia. A ideia foi bem acolhida pelo PSD, com Rui Rio a apoiar uma taxa sobre lucros decorrentes da situação excecional que vivemos.

Rui Rio concorda em taxar lucros conjunturais devido à guerra ou pandemia

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O Observador sabe que a utilidade deste tipo de imposto está a ser analisada dentro do Governo no quadro das respostas à crise energética, até porque é um dos instrumentos apontados por Bruxelas, e olhando para os exemplos de outros países que já o anunciaram. No entanto, o conceito, que em tese é atrativo, revela-se de difícil aplicação e até pode trazer poucos resultados em termos de receitas, para além da certeza de que vai gerar litigância nos tribunais.

O que são os lucros caídos do céu (tradução portuguesa para windfall profits) e qual a lógica de os taxar?

São ganhos que beneficiam algumas empresas e setores e que resultam de circunstâncias excecionais e temporárias nos mercados onde atuam. Estes lucros resultam de situações que as empresas não controlam e acontecem mesmo sem um aumento de custos, o que se traduz numa subida anormal da margem das empresas. Daí o conceito de lucros extraordinários e inesperados ou “caídos do céu”.

O fiscalista Rogério Fernandes Ferreira explica ao observador que os  windfall taxes são “impostos temporários ou de aplicação única e que são criados em virtude da existência de lucros tidos como extraordinários, isto é, com os quais as empresas não contavam e que resultam de circunstâncias às quais serão alheias”. E deixa um aviso: Estes windfall taxes, normalmente, incidirão sobre os lucros tributáveis das empresas, o que, como noutros casos, acabam por ser repercutidos no preço final e, portanto, suportados pelos consumidores e pela economia em geral. No fundo acabam por se traduzir numa espécie de shot taxes únicos ou temporários sobre lucros tidos como extraordinários, com vista, designadamente, a desencorajar práticas especulativas em determinados períodos.

Que empresas têm estes lucros?

No contexto atual de crise energética, são sobretudo as empresas de energia que estão no radar dos lucros caídos do céu, muito por causa da subida dos preços.

A valorização extrema dos preços pode ser uma causa, mas por si só não chega. O setor elétrico é um bom exemplo disso. O preço grossista da eletricidade tem vindo a disparar desde o verão do ano passado, empurrado pelo preço do gás natural e pela valorização do CO2. Mas nem todas as produtoras de energia estão a ganhar mais do que o seria normal. Apenas aquelas que beneficiam com os preços altos — que são fixados pela última tecnologia a entrar na cadeia da oferta e da procura, ou seja, o gás natural — e que não têm de suportar os custos elevados com o combustível gás natural e com as licenças do CO2. Neste caso estamos a falar das produtoras de energias renováveis, mas também das centrais nucleares que não têm esses custos.

As petrolíferas e as produtoras de gás natural são outras beneficiárias destes preços mais elevados, sobretudo quando estão desligados de um aumento dos custos de produção e venda do petróleo e do gás. Mas para encaixar ganhos extraordinários é preciso ser produtor, porque é nesta parte do negócio que há margens a subir. A Galp, por exemplo, poderá ser apontada como ganhadora porque produz petróleo, mas no gás natural opera mais como um trader e comercializador (compra a fornecedores para vender a clientes).

Como se calculam os lucros extraordinários?

A única forma de avaliar esses lucros é comparar os resultados que as empresas estão a ter desde que os preços subiram muito com os que apresentavam em igual período do ano passado quando as condições do mercado eram consideradas “normais”. E considerar a diferença para cima como lucro extraordinário. Essa diferença, seja a nível da margem bruta da atividade da empresa (medida pelo EBITDA), seja ao nível dos resultados, seria objeto de uma tributação autónoma antes da aplicação do imposto sobre os lucros, o IRC.

Que dificuldades tem o apuramento do lucro extraordinário?

Várias. A começar pela comparação temporal porque o período em causa (entre o último trimestre do ano passado e agora) apanha um intervalo temporal afetado pela pandemia e confinamentos (o primeiro trimestre de 2021) que dificilmente pode ser considerado normal. Uma fórmula de ultrapassar isso seria usar como referência o ano de 2019. Por outro lado, e continuando nas elétricas, nem todas as empresas que vendem eletricidade a preços recorde têm margens anormalmente elevadas. E mesmo no grupo das que são apontadas como privilegiadas — as renováveis e as centrais nucleares — nem toda a produção gera essa margem extraordinária. Ela só acontece quando a energia é vendida nas horas em que o preço é fixado pelo gás natural, mais caro.

O facto de as grandes empresas energéticas estarem organizadas num modelo vertical que integra vários negócios dificulta mais o apuramento do lucro extraordinário de um grupo. Uma EDP pode ganhar muito dinheiro a vender eletricidade das barragens (quando a produção não estava condicionada pela seca) e em simultâneo perder dinheiro a produzir a gás natural ou a vender a preços finais inferiores aos custos de compra da energia em mercado. A margem/lucro teria de ser apurado em função de cada centro eletroprodutor. Há ainda contratos de tarifas feed-in que fixam um preço fora do mercado (e neste momento inferior) e que abrangem uma parte importante dos produtores eólicos em Portugal.

Que países estão a aplicar estes impostos ou taxas?

O tema está a ser discutido em vários países, mas até agora foi aplicado em poucos. Um dos casos mais recentes é o da Itália que vai aplicar uma taxa de 10% ao aumento de margem registado pelas empresas de energia no último trimestre de 2021 e o primeiro de 2022, em relação a igual período de 2020/21. A taxa de 10% aplica-se a partir de uma subida de 5 milhões de euros nos resultados e tem como objetivo ajudar a financiar um pacote de 4,4 mil milhões de euros de medidas para proteger os consumidores de energia.

A Bulgária, por seu turno, anunciou um imposto sobre os lucros da central nuclear Kozloduy para financiar ajudas à fatura energética das empresas.

A Roménia aprovou já no ano passado uma taxa sobre os lucros dos produtores de eletricidade cujas receitas excedam o equivalente a 91 euros MW hora para ajudar a suportar as compensações pagas às famílias para neutralizar aumentos da fatura energética.

Espanha foi uma das primeiros a avançar, em setembro do ano passado, com uma medida dirigida os produtores de energia sem custos de CO2, sobretudo hídricas e nucleares, e que não tivessem feito investimentos depois de 2005 para se prepararem para o mercado de carbono. Estes produtores teriam de devolver as receitas associadas aos custos do CO2 incorporadas no preço a que tinham vendido a eletricidade, num pagamento a reverter a favor da baixa dos preços da energia. Não era propriamente um imposto, mas sim uma medida dentro do sistema e teve pouco resultado porque o universo de elétricas atingido revelou-se muito residual.

Proposta ibérica para travar preço do gás é comparável a um imposto sobre estes lucros extraordinários?

O primeiro-ministro anunciou que a medida que Portugal e Espanha estão a negociar com a Comissão Europeia vai colocar as empresas do setor renovável a financiar o sistema elétrico. “É pura e simplesmente financiamento através dos ganhos extraordinários e não esperados que o sistema elétrico está a ter”, disse António Costa.

Costa diz que ganhos extraordinários das renováveis vão financiar controlo do preço da eletricidade

O plano que prevê um limite de 30 euros por MW para o custo do gás para gerar eletricidade não funciona como um imposto sobre ganhos, mas acaba por evitar que estes se verifiquem em benefício dos preços finais e dos compradores. Este efeito resulta da alteração do mecanismo de fixação de preços de forma a reequilibrar as receitas entre produtores que acabam todos por receber menos.

As centrais a gás vão receber menos pela energia que vendem, mas vão ser compensadas pelo diferencial para cima dos seus custos de produção por todo o sistema, incluindo compradores. As renováveis vão receber menos do que estavam a receber porque será introduzido um cap (chapéu) ao preço a pagar às centrais a gás que, por seu turno, são quem fixa o preço de eletricidade vendido em todo o mercado. Os compradores (e os seus clientes) vão suportar os custos de compensar as centrais a gás, mas no fim do dia acabam a pagar menos porque o preço grossista vai baixar. O esquema implica ainda que o preço da Península Ibérica fique isolado da influência que vem da interligação a França e do mecanismo de preços europeus que tem vindo a contribuir para a escalada verificada deste lado.

As taxas sobre lucros extraordinários funcionam?

As estimativas da Comissão Europeia, divulgadas a 8 de março com base em dados da Agência Internacional de Energia, indicam que impostos sobre lucros caídos do céu poderiam gerar até 200 mil milhões de euros em 2022, que seriam usados para compensar em parte as faturas energéticas. Mas a maioria dos especialistas está cética sobre a viabilidade de recolher receitas relevantes e as experiências recentes parecem dar-lhes razão.

Já vimos que em Espanha a medida desenhada para apanhar centrais sem custos de CO2 acabou por morrer na praia. E se tivesse sido adotada em Portugal, como chegou a ser proposto, ainda teria menos efeito já que a EDP pagou ao Estado em 2007 para prolongar o prazo de concessão das barragens, o que equivale a um investimento feito depois de 2005 e não temos centrais nucleares.

Em Itália, um dos principais alvos da taxa: a elétrica Enel já veio avisar — através do presidente executivo, Francesco Starace — que só vai pagar 10 milhões de euros. E há quem admita que para obter a receita prevista, a taxa teria de ser aplicada às receitas e não aos ganhos.

Rogério Fernandes Ferreira refere, nas respostas dadas ao Observador, que os críticos “apontam como consequência o desinvestimento que resultará da aplicação destas medidas, como em qualquer outro tipo de ingerência do Estado desta natureza no mercado, e dela resultarão, certamente, distorções artificiais dos preços, o que, em última análise, prejudicará os consumidores”.

No caso de Portugal, o fiscalista lembra que o setor da energia já é “onerado pela CESE, dita contribuição ‘extraordinária’, e que incide sobre as empresas do sector energético desde 2014, assim a transmudando, aliás, e por mero decurso do tempo, em contribuição ordinária e que não incide sobre os lucros de todas as outras empresas, como é o caso do IRC”.

Guerra fiscal entre Estado e Galp já ultrapassa 240 milhões

O caso da CESE, que é uma taxa sobre os ativos e não sobre os lucros, permite ainda outra lição. Uma taxa desta natureza vai gerar muita litigância nos tribunais. As empresas visadas vão contestar judicialmente a cobrança, como fizeram com a CESE, taxa que uma das empresas visadas (a Galp) nunca pagou.

Portugal já aplica taxas sobre lucros excessivos ou extraordinários?

A Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) parece o caso claro de um imposto concebido para taxar lucros extraordinários, mas a sua origem é distinta. Esta taxa nasceu de uma proposta feita pelo ex-secretário da Energia, Henrique Gomes, para taxar as “rendas ou lucros excessivos” atribuídos à EDP. A CESE só avançou em 2014 e apanhou todas as grandes empresas de energia. Aprovada como extraordinária, tinha como finalidade ajudar a combater o défice público e sobretudo a reduzir o défice tarifário da eletricidade. Mas o caráter extraordinário tem-se perpetuado no tempo e ninguém sabe se alguma vez acabará.

Mas há uma versão da CESE aplicada apenas uma vez e a uma só empresa que corresponde aos critérios de uma taxa sobre lucros extraordinários. A contribuição que o Governo de Passos Coelho aplicou em 2015 e de forma retroativa aos ganhos da Galp na venda de gás natural no mercado internacional. Estes ganhos resultaram dos contratos de longo prazo feitos para abastecer o sistema de gás natural e que ficaram na posse da petrolífera. Quando o preço do gás natural disparou, na sequência do desastre nuclear de Fukoshima que levou vários países a afastar-se desta tecnologia, a Galp aproveitou para vender o gás que não estava a ser usado em Portugal, encaixando mais-valias face ao preço a que o comprou à Nigéria e à Argélia (estes contratos de longo prazo estão indexados ao preço de petróleo). A contribuição de mais de 150 milhões de euros foi cobrada em três anos e o seu produto foi usado para baixar o preço do gás natural em Portugal. A Galp não pagou e o processo está em tribunal, tal como todas as outras CESE e contribuições extraordinárias imputadas a outros setores.

O Estado português "tem vindo a acrescentar várias contribuições sectoriais, ditas extraordinárias, que oneram, já hoje e apenas, alguns sectores económicos (...), tem também sido entendido pelos tribunais que este novo sistema fiscal paralelo (parafiscal) e que representa já hoje porventura o quarto ou o quinto maior imposto não é contestado pelos outros contribuintes, porque o não pagam (já que incide apenas sobre alguns) ou porque o não vêm (por incluído nos preços, directamente ou indiretamente)"
Rogério Fernandes Ferreira, fiscalista da Rogério Fernandes Ferreira e Associados

Rogério Fernandes Ferreira destaca que o Estado português “tem vindo a acrescentar várias contribuições setoriais, ditas extraordinárias, que oneram, já hoje e apenas, alguns setores económicos, com esse tipo de argumentaria e de justificações. Infelizmente, e mercê de interpretações jurídicas falíveis e ligeiras, que impedem mesmo o seu controlo parlamentar, tem também sido entendido pelos tribunais que este novo sistema fiscal paralelo (parafiscal), e que representa já hoje porventura o quarto ou o quinto maior imposto, não é contestado pelos outros contribuintes, porque o não pagam (já que incide apenas sobre alguns) ou porque o não veem (por incluído nos preços, diretamente ou indiretamente). É o caso, para além da contribuição extraordinária pado setor energético, das contribuições extraordinárias pagas pelo setor bancário, incluindo o adicional de solidariedade, ou para o fundo de resolução, sobre o setor florestal, sobre a indústria farmacêutica, sobre os dispositivos médicos, entre outros”.

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