Apresentação terminada, Carlos Tavares saiu da sala onde decorria o Conselho Geral da mutualista Montepio — a reunião em que Tomás Correia viria, horas depois, a anunciar a saída. O chairman do Banco Montepio tinha acabado de explicar aos conselheiros qual é a situação e quais são as perspetivas da instituição bancária. Ao seu lado, apesar de há muito estarem frontalmente incompatibilizados, estava Dulce Mota, presidente-executiva interina do banco, cuja apresentação se focou no negócio de banca de retalho do Montepio (Tavares falou mais do negócio com as empresas). À frente de todos, Tomás Correia teceu rasgados elogios a… Dulce Mota.
Quando virou costas e saiu da sala, Carlos Tavares cruzou-se com gestores das outras participadas do Montepio. Vinham fazer o mesmo que ele acabara de fazer: apresentações sintéticas sobre as outras empresas da mutualista que tem poupanças de 600 mil portugueses — entre as quais a seguradora Lusitania. E, no final de todas as apresentações, quando os conselheiros voltaram a ficar sozinhos, Tomás Correia complementou os rasgados e públicos elogios a Dulce Mota com críticas fortíssimas a Carlos Tavares.
Além de discordâncias sobre a orientação e resultados do Banco Montepio, Tomás Correia foi ríspido ao censurar Carlos Tavares, por não ter dado espaço e autonomia a Dulce Mota, uma administradora que veio do ActivoBank (recomendada a Tavares por Nuno Amado, ex-BCP, que a conhece desde os tempos de escola). Dulce Mota tornou-se chief executive officer interina, “à experiência”. Mas a “experiência” não correu bem.
Apesar de Carlos Tavares e Tomás Correia serem os dois adeptos das cantorias, o presidente da mutualista nunca foi um incondicional da escolha do antigo homem forte da CMVM para o Banco Montepio, em 2017. Mas quando caiu a hipótese Mota Pinto para a liderança do banco, Tomás Correia aceitou Carlos Tavares também porque sabia que isso ajudaria a tranquilizar o Banco de Portugal. Mas os problemas entre ambos rapidamente surgiram, culminando com a criação do BEM, o Banco de Empresas Montepio. Foi algo que Tomás Correia considerou uma afronta, secundado por Dulce Mota. Desde então a relação entre ambos nunca mais foi harmoniosa.
Mas voltemos à reunião. Tomás Correia — que, sublinhe-se, até àquele momento não tinha dado qualquer sinal de que iria anunciar a saída — deixou os conselheiros a acharem que, tal como já tinha acontecido com Félix Morgado, que o ainda homem forte da mutualista já tomou de ponta mais um seu sucessor no Banco Montepio (Tomás Correia foi presidente do banco até 2015, quando o Banco de Portugal o obrigou a autonomizar a Caixa Económica).
Na ótica de Tomás Correia, Tavares quer mandar em tudo e não deu espaço a Dulce Mota (cuja “dedicação e vontade” elogiou sobejamente).
Com Pedro Alves a caminho da presidência-executiva (o cargo onde, neste momento, está Dulce Mota), ficou no ar a sensação de que, se depender dele, Dulce Mota poderá subir, ela própria, para chairman, substituindo Carlos Tavares. Isto embora — em absoluto contraste com Félix Morgado, que até já estava sob suspeitas do supervisor, Carlos Tavares seja um dos mais experientes banqueiros do país, com as costas aquecidas pelo Banco de Portugal.
E, além disso, agora Tomás Correia já não estará na presidência da acionista — a mutualista — pelo que a capacidade de afastar Tavares, que tem mandato até março de 2022, não deverá ser a mesma. Seja como for, no que diz respeito a Carlos Tavares, António Tomás Correia deixou claro aos conselheiros que preferia vê-lo pelas costas.
Vítor Melícias, ao Observador, diz não esperar que Montepio perca “um valor como Tomás Correia”
“Foi um encontro muito simpático, excelente, muito participado — correu tudo de forma muito serena”, diz ao Observador o Padre Vítor Melícias, que presidiu à última reunião do Conselho Geral da mutualista Montepio Geral. Mas o Observador ouviu outros relatos bem diferentes desta reunião, que acabou por ser, também, a última de Tomás Correia na presidência da mutualista: Tomás Correia disparou contra o Governo, por se imiscuir na “democracia interna” do Montepio, e contra os jornalistas (aqueles que considera “seus inimigos”).
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Mas o ataque mais violento foi, mesmo, ao homem que lhe sucedeu na presidência do Banco Montepio, Carlos Tavares, críticas que permitem questionar até que ponto Tomás Correia pretende, mesmo, abandonar o poder na mutualista. Até porque deverá continuar a passar os seus dias na Rua do Ouro, em Lisboa, na sede do pelicano, provavelmente ligado à Fundação Montepio (da qual já é presidente).
Para estar na Fundação (ou em outras empresas do Montepio que não sejam o banco, a seguradora ou a própria mutualista) Tomás Correia não precisa que ninguém lhe avalie a idoneidade. E Vítor Melícias acha bem — e garante que “o ambiente geral no conselho” também é favorável a que Tomás Correia “continue no Montepio”, mesmo que não como presidente da mutualista.
Tomás Correia é, considera Vítor Melícias, “um dos melhores técnicos de economia social e de mutualismo” em Portugal. “Não se pode perder uma pessoa com aquele conhecimento”, defende o presidente da mesa da assembleia-geral da mutualista, admitindo que Tomás Correia “nos primeiros tempos deverá querer descansar para anotar algumas memórias. Mas não se pode perder um valor daqueles, pelo aconselhamento que pode dar” na instituição.
Ao telefone, Vítor Melícias revela que “dois ou três dias antes do Conselho Geral” Tomás Correia o informou de que pretendia pedir escusa do cargo. Assim, já perto do final da reunião, como noticiou em primeira mão o Observador, foi Vítor Melícias que disse: “bem, não havendo mais pontos na agenda, o sr. presidente do conselho de administração gostaria de ler uma declaração”. E foi aí que Tomás Correia puxou de uma carta datada de 7 de outubro, dirigida ao conselho de administração, onde dizia não ter “força anímica” para continuar a enfrentar os seus “inimigos”.
O conforto de Vieira da Silva e a impaciência de António Costa
Foi uma carta onde nunca referiu o iminente chumbo da idoneidade por parte do supervisor dos seguros e fundos de pensões — a ASF — que passa com o novo código das mutualistas a ter a tutela financeira da mutualista Montepio. Tomás Correia apontou as suas explicações e críticas a montante: ao próprio código mutualista, feito por um Governo que, a certa altura, chegou a fazer o que considerou ser uma lei ad hominem, uma lei que visou esclarecer que ele, e só ele, deviam ver a idoneidade avaliada pela ASF.
Se Tomás Correia contou com o conforto do Partido Socialista nas eleições que o reelegeram em dezembro do ano passado — sobretudo do (agora de saída) ministro do Trabalho e Segurança Social, Vieira da Silva — nos últimos meses, com a imensidão de notícias que se seguiram à condenação por parte do Banco de Portugal, entre outros fatores, foi, apurou o Observador, o próprio primeiro-ministro António Costa que a dada altura procurou, ativamente, uma solução para o problema no Montepio. E se Tomás Correia não pertencia à solução, pertencia ao problema. António Costa não quis que lhe viessem dali problemas.
A saída de Tomás Correia tem, pelo menos, uma vantagem, aos olhos de Vítor Melícias: “acaba-se com este teatro da idoneidade“. Mas o pároco diz ter pena, embora a saída não tenha sido surpreendente, já que “nas últimas eleições ele disse-me a mim, e a outros, que provavelmente a meio do mandato sairia”. Mesmo sem as questões relacionadas com a ASF e com a idoneidade, Tomás Correia “sairia na mesma“, garante Vítor Melícias, ao Observador, repetindo as “divergências de fundo” que tem com a questão da idoneidade numa organização que é da sociedade civil.
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Quanto às críticas a Carlos Tavares, que alguns conselheiros consideraram fortíssimas, Melícias só recorda os elogios a Dulce Mota e Tomás Correia “comentou qualquer coisa do Carlos Tavares mas nem sei bem” — o pároco não fez caso.
Sair a 30 de novembro ou a 15 de dezembro? Eis a questão
O pedido de escusa apresentado por Tomás Correia, aprovado por unanimidade no conselho, não tinha data. O administrador da mutualista colocou o lugar à disposição, mas sem dizer exatamente quando é que faria sentido, na sua opinião, que a saída se concretizasse. Foram os outros conselheiros que, quando estavam a apreciar o pedido de escusa, constataram que não havia nada nos estatutos que indicasse quando é que o presidente deveria sair, naquelas circunstâncias.
Foi aí que Luís Patrão, um dos conselheiros, uma figura-chave de vários governos do Partido Socialista ao longo dos anos, comentou, parafraseando: “bem, como não há nada nos estatutos, podemos seguir o que acontece normalmente nas sociedades comerciais, que é concretizar a saída no último dia do mês seguinte”. Ou seja, houve uma proposta para que saísse a 30 de novembro.
Mas logo emergiu outra proposta, vinda do conselho de administração, no sentido de deixar Tomás Correia na presidência até 15 de dezembro — de forma a apanhar o tradicional almoço de Natal do Montepio, que junta centenas (ou milhares) de colaboradores e ex-colaboradores (reformados) e que este ano acontece no Altice Arena, antigo Pavilhão Atlântico, em Lisboa. Há transportes para trazer pessoas, há comes e bebes, há música de um artista de renome e, no final, há um discurso normalmente emotivo de Tomás Correia. O palco perfeito para uma saída como deseja o “ratinho da Lezíria” que triunfou em Lisboa.
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Por sinal, Tomás Correia terá mais uma oportunidade para fazer esse discurso, já que essa foi a proposta aprovada no conselho geral: o presidente sai a 15 de dezembro, depois do almoço de Natal. Mas, aí, já não houve unanimidade: vários conselheiros votaram pela saída mais rápida de Tomás Correia — entre eles estavam Luís Patrão e, também, segundo uma fonte ouvida pelo Observador, também a ex-ministra socialista Maria de Belém Roseira terá votado pela saída de Tomás Correia já a 30 de novembro.
Esta é uma informação que o Observador tentou, várias vezes ao longo desta sexta-feira, confirmar junto da ex-ministra da Saúde, mas sem sucesso.