Por lhe faltar mais “força anímica”, Tomás Correia pediu escusa da presidência do conselho de administração Montepio, nos termos em que isso está previsto nos estatutos da mutualista, na reunião do Conselho Geral desta quinta-feira. O pedido foi aprovado pelos conselheiros, apurou o Observador, pelo que a saída do gestor acontecerá até em dezembro. Mas sucede-lhe um homem da sua confiança — e o próprio Tomás Correia deve continuar a passar os seus dias na Rua do Ouro, em Lisboa, onde fica a sede da mutualista.

Segundo relatos obtidos pelo Observador, foi já perto do final da sessão do Conselho Geral, quando todos estavam prestes a sair de uma reunião até àquele momento muito calma, que Tomás Correia tomou a palavra para dizer que fazia o pedido de escusa por estar “cansado“, queixando-se de ter “muitos inimigos” e de ter “falta de apoio do Governo”, de ser perseguido pelos jornais e pelas instituições que consideram que aquilo que está a acontecer no Montepio é um disparate.

Tomás Correia não referiu uma única vez a ASF, o supervisor que estaria prestes a chumbar-lhe o pedido de idoneidade para a presidência, apurou o Observador.

O Jornal Económico acrescenta, esta sexta-feira, que a saída se explica por uma “tomada de posição por parte do legislador”. “Terminei a minha missão. Quero sair“, terá dito Tomás Correia, na reunião do Conselho Geral.

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O pedido de renúncia foi aceite, com efeitos a partir de 15 de dezembro, o dia seguinte ao habitual jantar de Natal do Montepio no Pavilhão Atlântico.

Saída? Tomás Correia deve continuar na Rua do Ouro

É previsível que, saindo do conselho de administração do Montepio, Tomás Correia continue na Fundação Montepio, cuja sede é, também, na Rua do Ouro, em Lisboa,

Quanto à sucessão, confirma-se o cenário noticiado pelo Observador no domingo: a saída de Tomás Correia e a subida do vogal da administração Virgílio Lima para a liderança, pelo menos provisoriamente. Com a saída de Tomás Correia, o conselho de administração fica com menos uma pessoa mas, em teoria, se os novos estatutos forem aprovados, no próximo dia 4 de novembro, Virgílio Lima poderá ficar na liderança até 2021, o final do atual mandato.

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Nos últimos dias, António Tomás Correia tinha dito à imprensa que não era “condicionável por coisa nenhuma”, garantindo que dia 24 não sairia “de certeza absoluta”. Mas a iminência de uma decisão do supervisor ASF, que seria no sentido desfavorável ao seu registo como presidente da mutualista, terá levado a que Tomás Correia tenha mudado de opinião.

Virgílio Lima pode ficar com a liderança (para já)

Esta era uma decisão previsível, até certo ponto, já que desta forma Tomás Correia poderá evitar que essa pronúncia de chumbo da idoneidade venha, sequer, a ser concretizada. Como o Observador noticiou no domingo, Virgílio Lima, experiente gestor da mutualista, mais dedicado aos seguros, irá tomar as rédeas da instituição.

Virgílio Lima foi administrador da Lusitania, uma companhia de seguros multada (em 20,5 milhões de euros) pela Autoridade da Concorrência, num processo de cartelização. Virgílio Lima é, segundo informações recolhidas pelo Observador, o trunfo de Tomás Correia para manter um ascendente sobre a mutualista, mesmo saindo da liderança formal.

Nos próximos dias, até ao final do mês de outubro, o supervisor que passou a ter a tutela financeira da mutualista Montepio — a ASF — deveria tornar público o seu chumbo ao registo do presidente Tomás Correia (já comunicado informalmente ao próprio), marcando o fim de uma era na organização centenária em que mais de 600 mil portugueses têm aplicadas poupanças — poupanças que o primeiro-ministro, António Costa, garantiu proteger.

Fora de questão estará, como apurou o Observador junto de fonte próxima, o nome de Luís Almeida, visto como o sucessor predileto de Tomás Correia — que também “irá ter problemas a prazo” em manter a idoneidade. Para já, contudo, o supervisor receia não estar na posse de dados concretos suficientes para recusar completamente a idoneidade de Luís Almeida sem que exista o risco de tal decisão poder ser contestada em tribunal posteriormente.

Assim, embora Luís Almeida vá ter autorização para continuar (apenas) como gestor, a ASF terá barrado a proposta do seu nome para o topo da hierarquia na mutualista. O Banco de Portugal já colocou em causa o percurso de Luís Almeida — é visado numa auditoria da Deloitte ao Finibanco Angola (já partilhada pelo Banco de Portugal com a ASF) e está, também, a ser investigado pela sua participação na administração do Banco Montepio, no tempo de Félix Morgado, no polémico negócio das “Vogais Dinâmicas”, por entre outras suspeitas de irregularidades e falhas de controlo interno.

Candidato derrotado da Lista C António Godinho quer eleições já

António Godinho, que ficou em segundo lugar nas eleições de dezembro que deram a vitória a Tomás Correia, apelou já à rápida realização de eleições na mutualista. Numa declaração enviada ao Observador, o ex-candidato considerou que “a anunciada demissão de Tomás Correia, pela qual sempre lutámos em defesa dos interesses dos associados e do sistema financeiro e do país, apenas peca por tardia”.

“Impõe-se agora a rápida realização de eleições para os órgãos sociais da Associação Mutualista Montepio Geral, única forma de legitimar os dirigentes do Montepio e de permitir que a Instituição possa ser reformada, como urge”, adiantou.

Em dezembro, Tomás Correia ganhou com 43,2% dos votos, mais 6,8 pontos percentuais do que os 36,3% obtidos por Godinho e os 20% do candidato da lista B, Fernando Ribeiro Mendes. Na altura Godinho apelou a Tomás Correia que saísse, por ter tido menos votos do que as listas da oposição, algo que não aconteceu.

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A revisão dos estatutos será discutida numa sessão aberta aos associados, no dia 29 de outubro, no Hotel Plaza, em Lisboa, em antecipação à assembleia-geral (AG) de 4 de novembro. O evento foi confirmado numa nota enviada aos associados, assinada por António Godinho, Carlos Areal, Fernando Ribeiro Mendes, Manuel Ferreira, Nuno Cunha Rolo, Pedro Corte Real e Viriato Silva.

Estes opositores de Tomás Correia defendem que o novo Código das Associações Mutualistas (CAM) “deveria constituir uma oportunidade para realizar um debate alargado e profundo sobre o modelo de governo da nossa Associação”. Mas isso não aconteceu, defendem, porque a Comissão de Revisão dos Estatutos “preferiu só agora tornar públicas as alterações a propor, com a convocatória da AG que as irá apreciar já no dia 4 de novembro, o que limita drasticamente a possibilidade de debate das mesmas”.