Custou, houve esperança dos dois lados e desespero de ambas as partes, ficou fechado. Enzo Fernández fez apenas meia temporada pelo Benfica, é reforço do Chelsea por 121 milhões de euros e tornou-se a contratação mais cara da história da Premier League. Ou seja, tornou-se o protagonista de um mercado de inverno único e singular — o primeiro mercado depois de um Campeonato do Mundo disputado no inverno.
Mas Enzo, a par de Gakpo e Ounahi, acaba por ser uma exceção. A larga maioria dos jogadores que se destacaram no Mundial do Qatar não mudou de ares — a começar em Jude Bellingham, a passar por Gvardiol e a acabar em Amrabat — e a verdade é que este Campeonato do Mundo acabou por ter um impacto limitado na janela de transferências. O mercado de inverno, apesar de tudo, continua a ser um mercado de acertos. Ainda que o acerto custe 121 milhões de euros.
Enzo, Gakpo e Ounahi, as três (enormes) exceções à regra
A existência de um Campeonato do Mundo ou da Europa durante uma paragem das competições de clubes — seja no fim da temporada, como é mais habitual, ou a meio, como aconteceu em 2022 — provoca sempre uma alteração de prioridades. Naquele mês em que decorre um Mundial ou um Europeu, jogadores valorizam e desvalorizam, surpreendem ou desiludem, colocam-se na montra do mercado ou escondem-se entre as prateleiras. E o Qatar não foi exceção.
Tal como tantas vezes, ao longo das décadas, aconteceu no verão, muitos jogadores saltaram para a ribalta no primeiro Campeonato do Mundo a decorrer no inverno. Alguns já conhecidos dos tubarões, que se limitaram a prolongar a temporada positiva que já vinham a realizar — como Enzo Fernández ou Jude Bellingham –, e outros mais periféricos que escolheram o Qatar para dar nas vistas, como Ounahi ou Gvardiol.
Ainda assim, e mesmo com o mercado de transferências a abrir apenas duas semanas depois de a Argentina se sagrar campeã mundial, as exibições realizadas no Qatar não chegaram para impressionar potenciais compradores — ou, pelo menos, não impressionaram o suficiente para os levar a abrir os cordões à bolsa e quebrar cláusulas de rescisão.
Com três exceções, a larga maioria dos jogadores que saíram muito valorizados do Campeonato do Mundo e que surgiam nesse lote que poderia perfeitamente dar o salto para outros voos não mudou de clube, de cidade ou de país. Com Jude Bellingham à cabeça, já que o influente médio realizou um Mundial acima da média com Inglaterra, parece ser pretendido por meia Europa e ter até o Real Madrid a “reservá-lo” para o verão mas a verdade é que, por agora, vai mesmo ficar no Borussia Dortmund. Assim como o restante grupo principal que estava lançado para protagonizar o mercado de transferências ficou com os pés bem assentes no chão.
A começar com Sofyan Amrabat. O médio marroquino forçou a saída da Fiorentina ao faltar ao treino desta terça-feira e esteve muito perto de reforçar o Barcelona por empréstimo até ao fim da temporada mas a verdade é que não saiu dos italianos. Depois, Gvardiol. O central croata, uma das referências da solidez defensiva da seleção que chegou às meias-finais do Mundial, não só não partiu para outras paragens como renovou contrato com o RB Leipzig. De malas por fazer ficaram também Bounou, Mac Allister, Kudus e até Gonçalo Ramos, quatro dos nomes que mais valorizaram no Qatar.
Contudo, e como já referido, existem três exceções. Logo à partida, Cody Gakpo. A contratação do neerlandês aconteceu há tanto tempo que já parece um cenário distante — mas a verdade é que foi já neste mercado de inverno, ainda nos últimos dias de dezembro, com o avançado a registar já cinco jogos (e nenhum golo) pelo Liverpool. Depois de dar nas vistas no Campeonato do Mundo, onde foi um dos destaques dos Países Baixos com três em cinco partidas, Gakpo deixou o PSV onde era a grande referência da equipa para se juntar aos reds a troco de 60 milhões de euros e ajudar a amenizar as lesões de Diogo Jota e Luis Díaz.
Depois, Azzedine Ounahi. O médio de apenas 22 anos foi uma das grandes surpresas do Mundial, apresentando-se como o mestre de cerimónias de uma seleção de Marrocos que só caiu nas meias-finais e que pelo caminho venceu um grupo com Bélgica e Croácia e eliminou Espanha e Portugal. Em França desde 2018 e no modesto Angers desde 2021, Ounahi manteve-se na Ligue 1 mas reforçou o Marselha, com o clube onde joga o português Nuno Tavares a desembolsar cerca de 10 milhões de euros pelo marroquino.
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Por fim, naturalmente, Enzo. Depois de avanços e recuos ao longo de todo o mercado de transferências, de um último dia de mercado muito marcado pela indecisão e de o médio argentino ter falhado a deslocação a Arouca para ficar em Lisboa e realizar ainda em Portugal os habituais testes médicos, o Chelsea conseguiu mesmo ficar com o Melhor Jogador Jovem do Mundial. Enzo vinha a realizar uma temporada acima da média no Benfica, é certo — mas é impossível não vincular o absoluto interesse dos ingleses, que decidiram dar 121 milhões e fazer do argentino o jogador mais caro da história da Premier League, àquilo que o médio fez no Qatar até se sagrar campeão do mundo.
A Premier League voltou a bater recordes. Mas a responsabilidade é (quase) toda do Chelsea
Pelo poder de compra, pelos valores praticados e pela qualidade dos jogadores vendidos e contratados, a Premier League é sempre o maior e melhor indicador de um mercado de transferências. E na semana passada, com ainda vários dias disponíveis na janela de inverno, a consultora Deloitte já indicava que a liga inglesa já tinha quebrado o valor recorde de dinheiro movimentado nesta altura da temporada.
“Às 15h de 24 de janeiro de 2023, a Premier League já gastou 440 milhões de libras na janela de transferências de inverno. Com ainda uma semana até ao fim do mercado, os clubes da Premier League já ultrapassaram a janela de inverno de 2018 (430 milhões de libras) como a maior da história”, podia ler-se no comunicado divulgado há uma semana. Para agravar a comparação: há um ano, em janeiro de 2022, os clubes da Premier League gastaram 295 milhões de libras. Este ano, uma semana antes do fecho do mercado, já tinham investido mais 145 milhões do que o registo transato.
Ainda assim, e como é do conhecimento geral, o valor recorde pode ser justificado com um único clube: o Chelsea. Prolongando uma lógica de investimento massivo que já tem sido palavra de ordem em Stamford Bridge nos últimos dias, os blues contrataram Enzo Fernández (o maior negócio do mercado de inverno, por 121 milhões), Badiashile, Madueke, Malo Gusto (que fica no Lyon até ao fim da época), Andrey Santos e David Datro Fofana, para além de terem assegurado o milionário empréstimo de João Félix pelos próximos seis meses. Ou seja, numa única janela de transferências, gastaram 318,5 milhões de euros. Se a isso acrescentarmos os 11 milhões da cedência de Félix, o valor ascende aos 329,5 milhões.
Ou seja, e apesar dos milhões investidos pelo Liverpool em Gakpo, pelo Tottenham em Porro, pelo Arsenal em Trossard ou até pelo Newcastle em Anthony Gordon, é inegável e indiscutível a ideia de que a disponibilidade financeira do Chelsea agravou (e muito) a dimensão dos valores praticados na Premier League. O 10.º lugar na liga inglesa, a aproximação dos oitavos de final da Liga dos Campeões e a vontade de regressar aos tempos áureos deixou Todd Boehly de calculadora na mão — mas, ao que parece, o norte-americano só conhece o botão de somar.
Das 10 maiores transferências deste mercado de inverno, cinco pertencem ao Chelsea: Enzo, Mudryk, Badiashile, Madueke e Malo Gusto. E, curiosamente, só mesmo o argentino esteve no Campeonato do Mundo — tornando-se a contratação mais valiosa da história da Premier League, superando os 117,5 milhões que o Manchester City pagou por Jack Grealish em 2021. Voltando ao comunicado da Deloitte e olhando para o caso do Chelsea, não deixa de ser relevante atentar ao aviso da consultora — que parece pensado, desenhado e escrito propositadamente para ser lido pelos londrinos.
“A temporada 2022/23 tem visto fortes investimentos dos clubes nas equipas e, até esta data na presente época, os clubes da Premier League já gastaram mais de 2,4 mil milhões de libras em transferências de jogadores. Novos proprietários e a disponibilidade de recursos financeiros para pagar quantias significativas com o objetivo de maximizar a performance continuam a ser os contributos-chave para estes valores recorde. Ainda que este nível de investimento ilustre a recuperação dos clubes da Premier League no pós-pandemia, a importância de um planeamento financeiro a longo prazo e o foco na sustentabilidade financeira devem continuar a ser uma prioridade”, indicou Calum Ross, o diretor do Sports Business Group da Deloitte.
O inverno continua a ser um mercado de acertos
Em resumo, e mesmo com o Campeonato do Mundo a acontecer entre o fim de novembro e o fim de dezembro, a verdade é que o mercado de inverno não deixa de ser um período para acertos, soluções e reforços cirúrgicos. À exceção do Chelsea, que não demonstra ter grande critério ou noção de um projeto na hora de atacar os milionários alvos que foram quase todos contratados acima do preço de mercado, os clubes mantiveram a lógica habitual de não realizar grandes movimentações em janeiro.
Ainda assim, fica claro que a repetição de um Mundial no inverno pode agitar a forma como os clubes abordam a janela de transferências seguinte. Ao contrário do que acontece no verão, quando o mercado se estende ao longo de três meses, os clubes podem ficar sem as principais referências da equipa a meio da temporada e não ter tempo nem espaço para encontrar uma solução à altura. Aconteceu com Gakpo no PSV, com Ounahi no Angers e com… Enzo no Benfica.