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O técnico que quis varrer a porcaria e denunciar o polvo. As (muitas) polémicas de Carlos Queiroz

Insultou a mãe de um dirigente, quis varrer a "porcaria" da Federação e trocou socos com um comentador. Conheça os casos que marcaram a carreira de Carlos Queiroz, antes do jogo com Portugal.

Imaginemos que gosta de montar a cavalo nos tempos livres, mas que um dia, mete os pés pelas mãos e dá um trambolhão monumental. Provavelmente vai levantar-se com dores no corpo, nódoas negras nos braços e nas pernas, é capaz de lhe escorrer um fio de sangue dos joelhos. Mas, de certa forma, sente-se mais forte. Mais preparado. Afinal, ninguém aprende a ser um bom cavaleiro (ou qualquer coisa na vida) sem cair algumas vezes.

A metáfora foi usada um dia por Carlos Queiroz para ilustrar aquilo que considerava ter aprendido com as várias polémicas que lhe foram marcando a carreira: as guerras com o então presidente Santana Lopes, no Sporting; os problemas nas duas passagens pela Seleção Nacional, que terminaram (ambas) com trocas azedas de palavras e uma delas com processos, testemunhas e castigos; os despiques com os jogadores — quem não se lembra do “Falem com o Carlos” atirado por Cristiano Ronaldo na zona mista do jogo que atiraria Portugal para fora do Mundial 2010 n a África do Sul; os socos a um comentador; as tricas com Florentino Pérez; o arrependimento de Roy Keane, que gostava de ter arrancado a cabeça do técnico português. Numa altura em que Queiroz reencontra Portugal, enquanto selecionador do Irão, recordamos os casos que o foram atirando para fora do nosso país, ainda que agora faça vários elogios.

Depois de Scorsese, e num cenário de Hitchcock, Queiroz diz que “amigos, amigos, futeboladas à parte”

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O travesseiro de Santana Lopes tardou mas não evitou a rutura

Carlos Queiroz tinha entrado no Sporting pela mão de Sousa Cintra, mas foi de Santana Lopes que acabou por levar com os pés. O político do PSD foi o senhor que se seguiu na liderança leonina, depois de seis anos a seco, em termos de títulos, do Sporting de Cintra. Queiroz não era o treinador de Santana e sabia-o. E a clivagem entre os dois começou logo nos primeiros tempos de presidência — que apenas durou dez meses.

Começou quando Carlos Queiroz questionou (com algumas insunuações pelo meio)as contratações do então presidente. Primeiro a dupla Ouattara/Assis, que chegou do Sion no verão de 1995: o técnico apenas queria o avançado costa-marfinense, mas acabou, também, por ‘levar’ com o irmão de Ronaldinho Gaúcho, que nunca foi o prometido patrão do meio campo verde e branco. Mas tudo se agudizou quando Santana Lopes anunciou Skuhravý, o portentoso avançado checo (impunha-se na área com o seu 1,93m), também conhecido por ‘Sansão’ devido ao tamanho da cabeleira, bem ao estilo dos 90’s. O presidente disse na época que o jogador rebentou com a máquina de esforço, elogiando as suas qualidades físicas, mas o técnico acreditava que o avançado estava gravemente limitado. Como recordou mais tarde numa entrevista ao Expresso, publicada há cerca de um ano: “Sabia que o Skuhravý tinha uma lesão grave, porque o meu querido amigo Sven-Göran Eriksson me avisou numa conversa confidencial. Pois bem, o Santana Lopes enviou o Luís Norton de Matos a Itália para o contratar sem eu saber. Cheguei ao treino e estava lá o Skuhravý. E eu, depois, tive de mostrar aos adeptos que tipo de decisão tinha tomado o presidente, pondo o Skuhravý duas ou três vezes em campo — o rapaz usava as meias quase até aos calções para as pessoas não verem o problema que ele tinha no joelho, coitado”. A mesma entrevista onde Queiroz deixou ainda duras críticas a Santana Lopes — “um péssimo gestor e um péssimo presidente. Uma pessoa instável que, de futebol, só sabia o que fazia nos comentários na televisão à segunda-feira. Ele pensava que era a mesma coisa, que bastava fazer o que fazia na TV. Também era irresponsável, resultados desastrosos”.

Com as quezílias em torno das contratações, o caldo entornou — e o divórcio entre os dois começou a tornar-se previsível. Carlos Severino, ex-candidato à presidência do Sporting, mas que, à época, era jornalista da TSF, revela ao Observador uma conversa com Meszaros, o mítico guarda-redes húngaro do clube (apesar de apenas ter vestido de verde e branco por duas épocas), que tinha acabado de ser dispensado de treinador de guarda-redes por Queiroz: “Era um homem muito inteligente. A certa altura disse-me que aqueles dois homens tinham um perfil idêntico, de liderança, que por isso não podiam estar ao mesmo tempo no clube e que os dois iam sair em breve. Assim foi“. Severino recorda também o papel de Carlos Janela, na altura secretário técnico do clube, hoje a trabalhar para o Benfica, na mediação entre as duas partes — que é como quem diz, entre a porta 10A, por onde passava a equipa, e a porta 1, por onde entrava a administração. “Ele era uma espécie de ‘pombo-correio’. Ia lá acima à administração, depois corria para baixo para levar os recados de Santana Lopes a Carlos Queiroz. Os dois já não se falavam”.

A primeira ameaça de rutura aconteceu depois de uma derrota por 1-0 com o Sp. Braga. “Tudo indicava que ele ia ser despedido. Andámos, eu e os outros jornalistas, até às quatro da manhã em telefonemas para confirmar se ia mesmo ser assim. E todos demos a notícia — jornais, rádios, televisões, todos. No dia seguinte, Santana Lopes surge na sala de imprensa do antigo estádio, com um sorriso maroto, a dizer que se tinha aconselhado com a almofada e que tinha mudado de ideias“, recorda Carlos Severino (o Observador contactou Santana Lopes, que não quis contar os episódios com Carlos Queiroz).

A almofada retardou mas não impediu que se escrevesse a crónica de um despedimento (há muito) anunciado. A gota de água foi uma entrevista do técnico à RTP2, em plena semana de dérbi, em que questionava a gestão do futebol por Santana Lopes. E o presidente colocou-lhe uma cruz por cima. “Santana disse a um amigo meu, Fernando Seara, que ia despedir Queiroz depois do Benfica-Sporting [jogo que terminaria com um empate a zero]. Sabia daquilo há um mês, telefonei a José Veiga [na altura braço direito de Santana Lopes na gestão do futebol e que depois também foi para o Benfica], mas ele só se ria, dizia que não podia falar. Fiquei com receio de o presidente dar o dito por não dito, porque afinal o resultado do jogo não tinha sido mau, e não dei a notícia. Engano meu. No dia seguinte, estava a pôr gasolina perto de Alvalade quando a minha mulher me disse que a SIC estava a avançar com a notícia”, conta Carlos Severino.

Era o ponto final, naquele dia 18 de fevereiro de 1996, numa convivência difícil na carreira de Queiroz.

Da “porcaria” ao “polvo”, a Seleção Nacional em dois atos

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Ainda antes de haver Sporting, já havia Seleção Nacional no currículo de Queiroz. Primeiro a de sub-20 — onde o ‘professor’ foi campeão do mundo por duas vezes, em 1989 e 1991 — depois a equipa principal, para onde foi ‘atirado’ por João Rodrigues, na época presidente da FPF (fazendo fé na versão do técnico, que diz que recusou o convite, mas que o então presidente o anunciou, ainda assim, aos jornalistas, colocando-lhe, naquela altura, a verdadeira batata quente na mão).

Meandros à parte, Queiroz chegava a selecionador principal com apenas 38 anos (o mais jovem de sempre) e com a missão de fazer regressar Portugal às fases finais das principais competições. Depois do pesadelo de Saltillo, o Euro 88 e o Mundial de 90 não passaram de bonitos sonhos, que dois apuramentos falhados não conseguiram tornar realidade. Ora, o primeiro desafio de Queiroz era devolver a equipa à alta roda do futebol no Europeu da Suécia, em 1992. Ainda se intrometeu entre os gigantes na qualificação, mas acabou por sucumbir perante a Laranja Mecânica holandesa: Witschge estragou a festa e hipotecou a presença portuguesa.

Mas afinal havia outra oportunidade: a qualificação para o Mundial de 94. E eis-nos chegados a Itália e a San Siro. Portugal precisava de vencer os transalpinos para marcar presença nos Estados Unidos, mas o balde de água fria chegou aos 83 minutos em forma de golo (em fora-de-jogo) de Dino Baggio. A frustração era grande e Carlos Queiroz fez questão de a deitar cá para fora. “É preciso varrer a porcaria que há na Federação portuguesa. Há muita coisa para mudar”, atirou.

A frase marcou o futebol português e traçou o destino do técnico — que teve de ir pregar para outra freguesia, neste caso, então o Sporting. Mais tarde, haveria de explicar que esse jogo com a Itália foi uma espécie de Saltillo: havia jogadores que viraram os equipamentos do avesso nos treinos para esconder o patrocinador (Sagres), com o qual a FPF, supostamente terá fechado contrato sem passar cartão aos jogadores. “Passei por três presidentes na Federação. E isto numa fase de qualificação. As pessoas conseguem imaginar a instabilidade de gerir uma equipa numa situação com estes contornos? Era um filme medonho. Contratos de publicidade, jogadores dispostos a repetirem a situação de Saltillo, falta de equipamentos… E, mesmo assim, estivemos na luta pela qualificação até ao último minuto (…). Fim de jogo – chega o Esteves Martins. E eu expludo: enquanto não conseguirmos correr com toda a porcaria da Federação!… Mas isto não era nada de pessoal. Não me referia a ninguém. Eram os problemas, as chatices, os entraves”, diria mais tarde ao Sol.

E com tudo isto, fecha-se para sempre o capítulo Seleção, certo? Erraaaaaaaado. Em 2008, 16 anos depois, Gilberto Madaíl promove o regresso do “filho pródigo” (as palavras são do antigo presidente da FPF), com um contrato de quatro anos e 1,6 milhões de euros brutos por ano. Desta vez, Queiroz não ficou pelo quase — conseguiu mesmo o apuramento para o Mundial de 2010, embora a sucessão de maus resultados tenha obrigado Portugal a disputar um playoff com a Bósnia.

Mas os problemas com Carlos Queiroz chegaram ainda antes de a Seleção viajar para a África do Sul. Começaram na Covilhã, onde os ‘viriatos’ estagiaram três semanas, para se prepararem para a epopeia sul-africana. O dia era 16 de maio de 2010, a hora cerca das sete da manhã. Quatro médicos da Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) chegaram ao centro de estágios para fazer o controlo aos jogadores. E Queiroz indignou-se. O técnico não concordou com a presença dos médicos (anos mais tarde viria a explicar que queria que os jogadores dormissem mais horas porque tinham jogo particular com Cabo Verde nesse mesmo dia), acabou por lhes dirigir alguns insultos, mas o principal visado foi mesmo Luís Horta, presidente da ADoP, que não estava presente. “O Luís Horta que vá fazer análises à c… da mãe dele”, foi a frase da discórdia.

A polémica não rebentou logo; foi só em agosto, depois do Mundial. Primeiro, chegou a sanção do Conselho de Disciplina da FPF: um mês de suspensão e 1000 euros de multa pelo vernáculo utilizado pelo técnico. Mais tarde, mão pesada da própria ADoP: seis meses de castigo, por “perturbação do controlo antidoping”, em que o técnico seria proibido de fazer o seu trabalho, quer em Portugal, quer fora. Queiroz acabou por recorrer (e vencer os recursos), quer para o Conselho de Justiça da FPF (não fez a coisa por menos e apresentou nove testemunhas a favor, entre as quais Alex Ferguson, Pinto da Costa, Luís Filipe Vieira e Luís Figo), quer para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAS). Mais tarde, em entrevista à Sábado, o técnico explicaria o incidente da Covilhã como estando no sítio errado à hora errada. “Se não tivesse comido as magníficas alheiras e moelas que me tinham oferecido na véspera, não tinha tido uma noite azeda e não estaria no campo às 7h00 da manhã. Foi quando os médicos da ADoP chegaram…”.

A polémica foi grande, mas esteve longe de ser a única. Se na primeira passagem pela FPF, Queiroz dizia que era preciso “varrer a porcaria”, na segunda vida aos comandos da Seleção, ensaiou uma versão 2.0 dessa frase. No rescaldo da participação no Mundial de 2010 (em que Portugal ficou pelos oitavos de final, eliminado pela Espanha), o técnico foi citado pelo jornal Sol a dizer que “tendo em conta a estrutura amadora da Federação, as coisas correram bem à Selecção”. Mais uma vez, estava o caldo entornado. Gilberto Madaíl quis explicações de Queiroz, mas o treinador sacudiu a água do capote, disse que não foram aquelas as suas palavras e acusou de “execrável”, “vigarista” e “aldrabão” o “tipo de jornalismo” praticado por aquele semanário.

Mas seria a entrevista concedida a outro, desta vez o Expresso, que viria a ser a gota de água. Mais uma vez, Queiroz morreu pela boca. Desta feita, o visado foi Amândio de Carvalho, vice-presidente de Madaíl, acusado de engendrar o despedimento do técnico depois dos incidentes na Covilhã e de ser o “polvo” — antes mesmo de essa expressão de vulgarizar no vocabulário do futebol português. “Parecia haver uma ação concertada, que começava com o processo e conduziria ao meu despedimento. E Amândio de Carvalho decidiu pôr a sua cara na cabeça do polvo. Aliás, não me surpreende. Antes do jogo decisivo da qualificação (com a Bósnia, na Luz), chamou-me e disse que eu não era o treinador dele, que não tinha confiança em mim para dirigir a seleção”, disse Queiroz nessa polémica entrevista.

Os efeitos não se fizeram esperar. Depois de uma reunião de três horas, a direção da FPF não foi de meias medidas e instaurou (mais) um processo disciplinar a Carlos Queiroz. O ambiente tornou-se irrespirável para o técnico. Até Gilberto Madaíl — que tinha sido o principal responsável pela aposta no selecionador — perdeu as reservas que tinha quanto ao seu afastamento. Pouco depois, Queiroz era despedido, com alegação de justa causa, tendo apenas resvalado para a opinião pública que a saída estava relacionada com o “incumprimento de alguns objetivos”. A verdade é que a Federação não esperou sequer pelos resultados do recurso do técnico para o TAS, a propósito do caso antidoping (que viria a ganhar), nem das conclusões do processo da “cabeça de polvo”: era o fim de linha para Carlos Queiroz.

“Falem com o Carlos…”

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Ainda antes disso, no Mundial de 2010, Carlos Queiroz e Cristiano Ronaldo eram dois velhos conhecidos. Que tinham entrado na vida um do outro quando o craque português era ainda um miúdo de 18 anos, de dentes tortos e madeixas louras que hoje poderiam rivalizar com a ‘esparguete’ de Neymar. Um miúdo de corpo franzino (músculos nem vê-los), de espírito ousado (isso já se via, e bem), ainda com tiques de ‘brinca na areia’ — e que, com essa irreverência, partiu tudo e todos num célebre Sporting-Manchester United, jogo inaugural do novo Estádio José Alvalade, em agosto de 2003. Aquele miúdo tinha dado uma autêntica tareia nos red devils e aberto as bocas do mundo futebolístico. Não admira, pois, que tenha demorado exatos seis dias para fazer as malas rumo a Inglaterra e a Old Trafford. A transferência já estava apalavrada antes, mas foi acelerada pela exibição de Cristiano. A recebê-lo, de braços abertos, estava, nada mais nada menos, do que sir Alex Ferguson, o novo treinador do craque da Madeira.

Não percamos o fio à meada: é de Carlos Queiroz que lhe queremos falar. Nessa época de 2003/04, ainda andava por outras latitudes — era treinador do Real Madrid. Mas na temporada seguinte, faria, também ele, a travessia para Old  Trafford para ser adjunto principal de Ferguson (na verdade, era um regresso, porque Queiroz já por lá tinha andado em 2002/03). E foi aí que se cruzaram os destinos do jogador e do técnico portugueses. Que começaram a treinar juntos. O enfoque? A eficácia. É que o tal estilo ‘brinca na areia’ com que Cristiano se tinha apresentado ao mundo arrancava aplausos mas não arrancava pontos. E em Manchester a bitola era alta. Queiroz ajudou Ronaldo a desenvolver a queda para o golo, como o técnico lembrou em entrevista recente ao El País. “Uma das coisas que começámos a trabalhar foi a chegada à área. Eu dizia-lhe: ‘Cristiano, tu tens faro pelo golo, mas não podes marcar apenas de fora da área. É dentro da área que podes fazer a diferença e ter maior impacto. É dentro da área que podes mostrar por que podes ser o melhor do mundo”.

Mas olhemos para o que aqui nos trouxe. Foquemo-nos no Mundial de 2010, na África do Sul. E no dia 29 de junho. Era dia de oitavos de final, era dia de Espanha-Portugal. Um dia em que a equipa portuguesa sonhava com o apuramento frente ao então campeão europeu, mas em que tudo se converteu em pesadelo quando David Villa ganhou posição a Simão e bateu Eduardo — que ainda não tinha sofrido golos nesse Mundial (no lance muito polémico, por alegado fora de jogo).

Tchau África do Sul, tchau… verniz. Ele estalou logo na zona mista do jogo. Cristiano Ronaldo seguiu apressado — nem parou para falar com os jornalistas. Mas tinha algo para dizer. Quando lhe perguntaram o que se passou com a equipa, atirou, seco: “Falem com o Carlos Queiroz”.

Na verdade, nem foi aí que tudo começou; foi dentro de campo, no tal jogo com os espanhóis, que foram tudo menos nuestros hermanos. Aos 58 minutos, Queiroz trocou o avançado Hugo Almeida pelo médio ofensivo Danny, quando o marcador ainda assinalava zero para as duas equipas. Ronaldo — que não estava a fazer um grande Mundial — não gostou da estratégia defensiva do selecionador e também não gostou de mudar para a parte central do ataque, onde rendia menos. O desagrado do camisola 7 foi captado por uma câmara televisiva do canal espanhol Cuatro e as palavras na boca do português eram fáceis de ler: “Assim não ganhamos, Carlos”. E não ganhámos. O que também se perdeu foi a relação entre Queiroz e Ronaldo. O jogador retratou-se publicamente no site da Gestifute (empresa do agente Jorge Mendes que o representa), o selecionador disse mais tarde que CR7 foi capitão “cedo de mais”. Os dois não se voltaram a falar.

Quem também não tem uma boa história para contar com Carlos Queiroz é Deco. E tudo começou… no começo do Mundial 2010. Primeiro jogo: empate a zero com a Costa do Marfim. Deco foi substituído aos 62 minutos por Tiago e não gostou — não só da substituição, mas também da estratégia do selecionador. E no final, deu voz à indignação. “Não me surpreendeu sair cedo. O que me surpreendeu foi o treinador ter-me colocado no lado direito. Todos sabem que não sou extremo e que sempre joguei no meio. Passados cinco minutos saí. Ninguém gosta de sair, e eu também não, mas respeito a decisão do treinador. Não estávamos a fazer um grande jogo, mas confiava que iríamos melhorar”, disse Deco. Mas havia mais: “A maneira como abordámos o jogo no segundo tempo não foi a mais correcta. Quisemos jogar a bola de forma direta, e essa não é a nossa forma de atuar. Nesse período, a Costa do Marfim acabou por ter as oportunidades que não teve na etapa inicial”, acrescentou.

Foi logo no dia seguinte que o antigo médio da Seleção Nacional fez o mea culpa. “A primeira coisa que fiz, depois de ver as notícias, foi ir ter com o selecionador e pedir desculpa. Não me devia ter manifestado sobre uma opção dele, nunca fiz isso com nenhum treinador. Não achei correto o que fiz”, explicou. Na época, Queiroz também desvalorizou as declarações do jogador, mas foi só os dois terem abandonado a Seleção para o ‘bate-boca’ voltar. “O Deco devia preocupar-se, por honestidade intelectual, em pedir desculpa aos adeptos portugueses por se ter apresentado no estágio da Seleção Nacional numa forma miserável, não estando à altura das responsabilidades de um Campeonato do Mundo”, acusou Queiroz. “Estamos a falar de um ex-jogador em atividade profissional, que devia preocupar-se mais em dar uma resposta aos adeptos do Fluminense. Que os adeptos portugueses e alguma imprensa percebam agora de onde surgiram algumas intrigas relativamente ao treinador da seleção”.

O treinador não ficou sem resposta. “Não o considero um grande treinador, ele ganhou coisas como adjunto, mas como treinador nunca mereceu a minha admiração. Nunca foi um treinador com provas, sempre foi um treinador razoável”, disparou o ex-médio. “Ele disse que cheguei numa forma lastimável, mas ele é o treinador, não foi obrigado a convocar-me nem a pôr-me a jogar. Também não me disse isso na cara”.

No meio das farpas, nem mesmo Pepe escapou. O central usou os microfones da comunicação social para pedir a Carlos Queiroz que não continuasse a falar da Seleção em nome da tranquilidade da equipa — o antigo selecionador lançava suspeitas sobre a Autoridade Antidopagem, ainda na sequela dos incidentes na Covilhã. O central lançou ainda a suspeita de que o técnico tinha sido culpado da renúncia de alguns jogadores. “Simão, Deco e Tiago deveriam ter acabado de outra forma. Eles sentiram que no último Mundial a Seleção foi diferente. Acho que eles tomaram essa decisão porque pensavam que não íamos dar o passo em frente. Mas felizmente, o Paulo Bento é um treinador que entende os jogadores. Foi futebolista há pouco tempo e sabe o que os jogadores pensam”, disse elogiando o novo seleccionador.

A resposta veio durinha. Queiroz considerou Pepe “uma figurinha menor de uma telenovela brasileira baixa”, acrescentando que “ainda ele andava de chupeta amarela e verde na boca, a pensar que seleção iria representar” e já o técnico “oferecia títulos de campeão do Mundo a Portugal”. Para ir (ainda) mais fundo. “Ele que não se meta na minha vida quando sou pontapeado na minha dignidade moral a profissional, porque eu também não me meto na vida dele quando pontapeia selvaticamente a cabeça de colegas de profissão”.

Os socos a Jorge Batista

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Outros casos houve em que os conflitos não se ficaram por ‘bocas’ mandadas na zona mista. Foi o caso do desaguisado (valente) com Jorge Batista, comentador desportivo da SIC. Tudo aconteceu no Lounge VIP da TAP, no aeroporto de Lisboa, quando os dois se preparavam para embarcar rumo à Polónia, palco do sorteio da fase de qualificação do Europeu de 2012. Jorge Batista garante que foi agredido com socos porque “uma vez disse que Queiroz não era selecionador para a Seleção Nacional e ele não gostou”, como viria a explicar, na altura, à RTP. O caso foi grave e foi até caso de polícia, já que as hospedeiras que ali se encontravam optaram por chamar as autoridades, tal o aparato.

“Houve socos, houve um soco aqui [aponta para o rosto], depois eu tentei defender-me demais e tentei ripostar. Acho que ainda o agredi, acho que ainda lhe toquei, mas entretanto as pessoas separaram-nos — alguns passageiros puxaram-me a mim e dois membros da Federação puxaram-no a ele e a coisa morreu ali”, relatou ainda o comentador. Já Queiroz optou por desvalorizar o episódio. “Tenho que admitir que houve uma troca de palavras azeda, uns empurrões entre pessoas que se conhecem há mais de 20 anos. Às vezes isso acontece, mas está tudo ultrapassado entre nós, viemos juntos no avião sem problema nenhum”, resumiu o técnico.

Um Ferrari sem rodas

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Foi com estrondo — o estrondo da surpresa — que Carlos Queiroz foi anunciado, no verão de 2003, como treinador do Real Madrid. O português vinha de uma época como adjunto de Ferguson, no Manchester United, e Florentino Pérez, presidente dos merengues, achava que ele era ‘o’ homem para render Vicente del Bosque. Nas mãos, Queiroz recebeu o ‘Ferrari’ dos galácticos (e já vai perceber que a alusão ao mundo dos carros de alta velocidade não é feita em vão): sentados nesse Ferrari iam Casillas, Roberto Carlos, Figo, Zidane, Beckham, Raúl e Ronaldo. Era o sonho de qualquer treinador.

Mas o sonho passou a pesadelo e não foi só pelos resultados — Queiroz perdeu o título para o Valência, terminou em quarto no campeonato espanhol, deixou escapar uma Taça de Espanha para o Saragoça e foi eliminado nos quartos de final da Liga dos Campeões perante o Mónaco. O pesadelo começou por ter um nome. Florentino Pérez. Se no Sporting, Queiroz chocou com Santana por causa das contratações do presidente, no Real chocou com Pérez devido às vendas do líder máximo merengue. Tudo começou com Morientes, emprestado ao Mónaco. Contou o técnico, anos mais tarde, ao Expresso: “Fui ter com ele e disse-lhe ‘então até terça-feira’. Ele: ‘terça-feira? Então não sabe que fui emprestado ao Mónaco?’ Não sabia, claro. Mas ainda tinha o Makélélé e então decidi puxar o Ivan Helguera para central e pensei: ‘bom, com este gajo atrás, não está assim tão mau’. E a coisa até correu bem. Só que depois o Makélélé foi para o Chelsea, porque não vendia camisolas”. Queiroz sintetizou-o com uma metáfora (a tal que metia carros de alta velocidade): “Um Ferrari não pode correr sem pneus”.

Começaram os atritos com Florentino Pérez — “uma pessoa fantástica, mas que quando começa a pensar que sabe muito de futebol, faz erros” — mas também com David Beckham. O técnico não soube gerir o ego do jogador, muito menos a sua faceta de negócios. Um exemplo? O avançado falhou o jogo com o Mónaco, que ditaria o afastamento da Liga dos Campeões por acumulação de amarelos, mas Carlos Queiroz suspeitou que o britânico tinha feito de propósito para poder viajar em negócios para a Inglaterra natal. Os privilégios de Beckham — que não conseguia controlar esta faceta e acabava por viajar sem autorização do clube ou sair a meio dos treinos para atender chamadas referentes aos seus compromissos publicitários — acabaram por minar o plantel e levar a que Queiroz abandonasse o clube 11 meses e 333 dias depois de ser anunciado.

Arrependimento? Não ter arrancado a cabeça a Queiroz

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Esta foi uma narrativa contada a posteriori. Mais concretamente a 21 de junho deste ano, já em pleno Mundial de 2018. Mas os factos nela relatados já vão lá atrás na linha do tempo: remontam ao período entre 2004 e 2008, quando Carlos Queiroz foi, pela segunda vez, adjunto de Alex Ferguson no Manchester United. Roy Keane, antiga lenda dos red devils estava a comentar as incidências do jogo entre Espanha e Irão para a rede de televisão britânica ITV, quando o nome de Queiroz veio à baila (o que não era difícil, já que era um dos técnicos em campo).

Keane falou sem dó nem piedade, sem sequer tentar amenizar a brutalidade das suas palavras — ou melhor, quando o fez já não havia volta a dar. Quando questionado sobre qual seria o seu maior arrependimento enquanto jogador, disse: “Devia ter arrancado a cabeça a Carlos Queiroz”. Outch. Pelos vistos, o técnico português também não espalhou magia no balneário de Old Trafford, mesmo que depois o antigo jogador tenha, lá está, tentado suavizar a coisa. “Mas tenho de dizer que ele é um excelente treinador e está a fazer um excelente trabalho [no Irão]”.

O antigo médio irlandês relatou que Queiroz questionou o seu compromisso com o clube. “Na sua segunda passagem, quando regressou, por alguma razão, já no final da minha carreira, ele foi realmente muito desrespeitoso comigo, então houve uma pequena bronca entre nós. (…) Ele questionou a minha lealdade e eu disse-lhe para onde deveria ir“, relata o antigo jogador.

Uma opinião partilhada pelo lateral francês Patrice Evra, que estava ali ao lado de Keane e que aproveitou para dizer de sua justiça. “Carlos é daquele tipo de pessoas que parece que nunca sorri, mas as suas sessões de treino são perfeitas. (…) Diria que, como pessoa, é realmente difícil…“.

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