Os sinais de que a empresa — uma tecnológica portuguesa com presença em seis cidades em Portugal — poderia estar a preparar um regresso aos escritórios começaram a surgir no início do ano passado, quando implementou um sistema que previa o trabalho presencial duas vezes por mês. Nos dias em que fossem ao escritório, os trabalhadores recebiam um cabaz de produtos alimentares. “Esta medida foi-nos vendida como apoio à inflação, mas no fundo sempre senti que era para nos ‘obrigar’ a ir ao escritório e tentar fazer uma conversão de regime menos violenta”, conta um trabalhador, ao Observador.
Em setembro, nova alteração: foi informado de que o regime passaria a híbrido com pelo menos dois dias de trabalho presencial por semana, uma alteração que nem ele nem outros colegas viram com bons olhos — quando a empresa fez o anúncio, já tinha comprado casa a mais de 50 quilómetros de distância. A justificação apresentada foi a “falta de produtividade”, mas aos trabalhadores não foram dadas métricas que o comprovassem.
Segundo diz, não há um controlo apertado — não picam o ponto, mas têm de passar o cartão o que “não é fiável porque podemos passar vários ao mesmo tempo na entrada” — e não só foi dada alguma autonomia aos gestores de projeto para decidir que regras se aplicam à equipa como não têm existido consequências óbvias para quem não cumpre. Por isso, tem uma convicção: enquanto não implementarem um sistema eficiente para picar o ponto, haverá quem evite ir os dois dias por semana. Mas a intenção da empresa ficou clara: a ideia era ter os trabalhadores mais vezes no escritório.
O caso da empresa em questão está longe de ser o único. Nos últimos meses, em plataformas como o Reddit ou o TeamLyzer, vários trabalhadores têm relatado que lhes foi pedido, ou mesmo exigido, mais dias de trabalho presencial. Com a Covid-19, o teletrabalho ganhou terreno e mesmo quando as medidas de contenção da pandemia foram levantas muitas empresas não voltaram atrás, não raros casos mantendo o regime a 100% — só iria aos escritórios quem e quando quisesse.
Mas a perceção de muitos especialistas consultados pelo Observador é que a partir do segundo semestre do ano passado tem havido uma nova inversão, no sentido de estimular, ou mesmo exigir, mais idas ao escritório, com as empresas que o fazem a alegar fragilidades no modelo do teletrabalho a nível de cooperação de equipas, comunicação e resolução de problemas. Não que o teletrabalho esteja para terminar: na visão dos responsáveis por recrutamento, está é a ser “calibrado” e adaptado. “As empresas estão a avaliar novamente os pontos fortes e fracos do teletrabalho e a calibrar a sua política de trabalho remoto“, diz Vasco Salgueiro, da consultora de recrutamento Michael Page. Se antes, no pós-pandemia, o modelo mais frequente era o dos dois dias no escritório e três em casa, o cenário tem-se invertido.
Meados de 2023 trouxe vários regressos ao escritório. Empresas dizem que há coisas que se perdem no teletrabalho
Apple, Microsoft, Meta, Google. Com o levantamento das restrições da pandemia, multiplicaram-se as notícias de “big tech” que decidiram pôr um ponto final ao trabalho 100% remoto. Não foi um regresso total (exceto no caso da Tesla), mas parcial, com a exigência de mais dias de trabalho presencial.
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Nesta senda, “houve uma tendência a meio de 2023 de regresso aos escritórios que chegou a Portugal“, analisa Dinis Monteiro, fundador do TeamLyzer, uma plataforma que agrega notícias de foro laboral de órgãos de comunicação social ou relatos de trabalhadores sobre a vida interna das empresas e que se propõe a “tornar o mercado laboral tech português mais transparente”.
“Atualmente, a maioria das empresas que queria mesmo o regresso presencial já o manifestou. Contudo, continua a haver algumas empresas com diretrizes de regresso mas não estão a ser levadas à letra, porque se o forem, vão perder pessoas“, indica, ao Observador. Os motivos “oficiais” mais comuns usados pelas empresas como justificação para aumentar a presença no escritório andam “sempre à base do mesmo: não perder a cultura, envolver as pessoas”.
Numa pesquisa pelo Reddit e o TeamLyzer, o Observador encontrou vários relatos de recuos de empresas quanto ao teletrabalho, na maioria dos casos pedindo aos funcionários mais dias de trabalho presencial (e não um regresso a 100%). O Observador detetou relatos, dos últimos meses, de trabalhadores sobre empresas que terão aumentado os dias no escritório, com ou sem obrigatoriedade, ou terão anunciado alterações futuras nesse sentido (Cofco; Merkle; WIT Software; Critical Software; Critical Techworks; RHmais); e uma entidade pôs fim completo ao teletrabalho (AICEP). Outras empresas, segundo relatos distintos, estão atualmente em regime híbrido, sem referência a alterações recentes (Bi4All; MC, do grupo Sonae; Leroy Merlin; Mecalbi; PHC Software; Accenture; Cofidis).
Em ambos os sites, a veracidade dos relatos não é verificada caso a caso e, por isso, o Observador questionou as empresas visadas para, no primeiro caso, confirmar se houve um aumento do número de dias em trabalho presencial; no segundo caso, para questionar se o regime híbrido não foi equacionado; e, no terceiro caso, se planeiam vir a recomendar ou exigir mais dias no escritório. Apenas seis empresas responderam.
No primeiro grupo, a Critical Software — que implementou recentemente dois dias presenciais obrigatórios — diz que a experiência do trabalho remoto revelou fragilidades e que a inovação se fomenta no contacto presencial. Em resposta ao Observador, explica que “a ausência de contacto presencial e de verdadeira interação humana é um fator que contribui significativamente para o declínio das organizações” e que para a empresa, de “base tecnológica”, “a colaboração e um ambiente que fomente a inovação são fundamentais”.
“O sucesso e a viabilidade da Critical Software dependem, em grande medida, da criatividade, da capacidade de resolução de problemas e da conceção de estratégias inovadoras por parte das equipas”, responde. A Critical Software, que prevê a contratação de 300 trabalhadores em 2024, salienta que “o bem-estar dos colaboradores é uma prioridade” e que mantém um modelo de trabalho híbrido “que permite um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional”. “Assim, acreditamos conseguir fortalecer os laços entre as equipas e promover um ambiente dinâmico e de colaboração, enquanto damos flexibilidade às nossas pessoas para que atendam às exigências e especificidades da sua realidade pessoal”, acrescenta.
Em entrevista à Euronews, em outubro do ano passado, João Carreira, CEO da Critical Software, já tinha defendido que, com o trabalho remoto, a cultura organizacional “estava a sofrer” e que “podia haver consequências muito negativas na empresa”, que “precisa desse contacto humano”. “Tivemos dúvidas se de facto conseguiríamos sobreviver a esse choque e tomámos recentemente a decisão de estabelecer dois dias presenciais, por semana, no mínimo, obrigatórios na empresa”, disse na altura.
A Critical TechWorks, uma joint-venture entre a Critical Software (tem gestão autónoma) e a BMW, também salienta desvantagens num regime 100% remoto. “A Critical TechWorks acredita que os colaboradores podem crescer melhor profissionalmente, colaborar mais proximamente com os colegas, resolver desafios relacionados com os seus projetos e socializar de forma mais humana através do formato flexível em voga“, começa por dizer.
A empresa, que tem a intenção de contratar mais de 500 pessoas em 2024, refere que trabalha para “encontrar um equilíbrio neste modelo para que os colaboradores possam tirar proveito do que de melhor cada regime oferece” e que os escritórios estão adaptados para fomentar a interação entre trabalhadores. “Reconhecendo a importância do equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, damos a hipótese a todos os colaboradores de trabalhar até 3 dias fora dos escritórios [por semana]. Com isto, procuramos ainda assim, de acordo com a nossa cultura, diferenciar a experiência do trabalho presencial face ao remoto; os nossos espaços de escritório, de convívio e para trabalho em equipa presencial têm sido pensados e transformados para acolher estes momentos essenciais entre os colaboradores“, acrescenta.
Segundo informação recolhida pelo Observador junto de trabalhadores, há cerca de três meses foi-lhes disponibilizada uma “média” das próprias idas ao escritório por semana que já viria a ser contabilizada há mais meses sem o seu conhecimento, com base nas vezes em que validaram o cartão à entrada. Ao Observador, a empresa não confirmou a informação nem se essa média pode estar a ser usada para excluir trabalhadores que não a cumpram de atualizações salariais ou se poderá levar mesmo a despedimento.
Outro caso em que terá havido um recuo da política de teletrabalho é o que envolve a RHmais, empresa especializada em serviços de recursos humanos, e a Nos. Em novembro, o Sindicato dos Trabalhadores de Call Center (STCC) divulgou um comunicado em que acusava a RHmais de ter proposto aos trabalhadores afetos ao projeto Nos uma “alteração substancial” dos seus contratos, com uma adenda que previa a passagem do regime remoto para híbrido, “reservando-se o direito de colocar o trabalhador em qualquer instalação” da RHmais ou do cliente Nos no país “ou mudar trabalhadores em teletrabalho para trabalho presencial em qualquer altura”. Em causa estavam trabalhadores antes afetos à Randstad que passaram para a RHmais num contexto de transmissão de estabelecimento. O STCC aconselhou os trabalhadores a não assinar.
Ao Observador, a RHmais explica que a adenda em questão foi proposta a todos os trabalhadores da empresa que tinham contratos em regime presencial mas estavam a desempenhar funções em remoto para que esses contratos estivessem em linha com as alterações recentes ao código do trabalho sobre teletrabalho e que espelha o modelo operacional que já estava a ser praticado “desde que passou a ser possível” voltar às instalações dos clientes.
A empresa explica que “após o período especial da pandemia e com as alterações ao código de trabalho em 2023, nomeadamente nas componentes do trabalho remoto”, decidiu “atualizar as condições dos seus colaboradores que de alguma forma desempenhem funções em remoto, para passarem a incluir a definição da morada de trabalho para efeitos de seguros de acidentes de trabalho e para definir os critérios previstos na lei no que diz respeito ao regime de equipamento próprio ou da empresa, o cumprimento do dever de informação sobre os regimes de retorno previsíveis, etc”. E garante que o “modelo operacional” se mantém “inalterado desde que passou a ser possível realizar retornos às instalações”.
“Existe uma programação de retornos às instalações com uma previsibilidade elevada (anual) de forma que os nossos colaboradores possam ter a maior capacidade possível para planear a sua vida. Não havendo alterações ao modelo de retorno, também não houve alteração aos objetivos“, adianta. A “esmagadora maioria” dos trabalhadores assinou a adenda. Sem ela, “a RHmais considera que o colaborador não reúne as condições para realizar trabalho remoto por não poder aceitar a responsabilidade de um acidente de trabalho não coberto pelo seguro de acidentes de trabalho”. “De acordo com a tipologia do contrato de trabalho presencial, o colaborador tem o dever de se apresentar ao local de trabalho definidas no contrato de trabalho no seu horário normal de trabalho”, acrescenta.
E conclui: “A RHmais respeita e cumpre integralmente a lei quanto à concessão do teletrabalho nas situações onde o mesmo é obrigatório por força da condição do(a) trabalhador(a), mas que, em relação às restantes situações, cabe-lhe definir a melhor forma de prosseguir a sua atividade e os serviços que presta aos clientes“.
Empresas adaptam-se e testam o melhor modelo
A Apple anunciou em junho de 2021 que daí a um par de meses iria obrigar os trabalhadores a regressar, pelo menos, três dias por semana ao escritório. Tim Cook, CEO da gigante tecnológica, alegava que as videochamadas de trabalho “simplesmente não conseguem replicar” alguns aspetos da vida no escritório. A notícia não agradou aos trabalhadores mas o “projeto piloto” viria a ser implementado em setembro de 2022 (adiado por causa de nova vaga da pandemia) e está ainda em vigor. Ou seja, escreve a Business Insider, a Apple ainda está a tentar perceber o modelo que melhor se aplica. “O que fizemos foi admitir que não sabemos qual a melhor abordagem“, disse Cook em entrevista à CBS Sunday Morning, em setembro do ano passado.
Advogados alertam para difícil aplicação da portaria sobre despesas com teletrabalho
Os responsáveis por recrutamento com quem o Observador falou apontam para isso mesmo: as empresas estão a testar novas abordagens. Para Vasco Salgueiro, da Michael Page, “a partir de setembro houve uma nova avaliação das políticas de trabalho remoto para as ajustar“. Duarte Fernandes, da Kwan, consultora focada em recrutamento na área da tecnologia, concorda: “A minha perceção é que nos tempos mais recentes tem havido um retrocesso“, tal como nas big tech lá fora, mas de forma “menos mandatória” — “a pressão é mais informal e menos declarada”. Bernardo Samuel, da Adecco, também diz que “ao longo dos meses temos registado um aumento da percentagem de dias no escritório“. Os especialistas convergem na ideia de que, se no imediatamente pós-pandemia a tendência era de três dias em casa e dois no escritório, a tendência hoje é inversa.
Além de quebras no “sentimento de pertença” ou de dificuldades na cooperação entre equipas do regime remoto que indicaram todos os responsáveis de recrutamento com quem o Observador falou, Duarte Fernandes admite que ainda há casos de “falta de confiança da gestão“. As empresas com quem têm trabalhado não têm registado perdas de produtividade por causa do teletrabalho. Mas Vasco Salgueiro admite que, a longo prazo, quebras na ligação entre equipas e a cultura da empresa, a acontecerem, “podem vir a refletir-se na retenção e na produtividade“. Além disso, houve empresas que investiram nos escritórios que “muitas vezes estavam vazios”, num investimento “que não estava a ser aproveitado”. Depois, há a concorrência — nalguns setores, as empresas tendem a aproximar-se do modelo dos concorrentes: “No caso das ‘big four‘ [como são designadas as quatro maiores empresas de auditoria, Deloitte, EY, KPMG e PwC], havia nos primeiros meses após a pandemia grande flexibilidade, mas a pouco e pouco começaram a pedir para estarem mais presentes no escritório. Para não correrem o risco de perderem clientes para as concorrentes alteram as regras.”
“É muito difícil estarmos numa sala de reuniões virtual com 15 ou 20 pessoas e conseguirmos escutar todas, enquanto se estivermos presencialmente vão intervindo, é mais fácil. Em termos de comunicação, gestual e oral, é diferente do que estarmos a olhar para um ecrã”, entende Bernardo Samuel, da Adecco. Elsa Vila Lobos, da Multitempo, dá outro exemplo: “Quando tenho uma dúvida levanto-me e vou perguntar àquele colega, em vez de estar a ligar. Isto quebrou-se em teletrabalho. Se calhar às vezes não ligam e mandam email, o que pode levar a dificuldades de comunicação. É diferente se a pessoa conversar frente a frente”.
Cada vez mais, dizem, os candidatos perguntam nos processos de recrutamento se as empresas oferecem, pelo menos, o regime híbrido. “É cada vais mais uma condição“, revela Vila Lobos, que ao contrário do restantes não viu, nas empresas com quem trabalha, um recente recuo no teletrabalho — “até porque há empresas que não têm espaço para ter todos os colaboradores”. Também para Nuno Troni, da Randstad, oferecer um regime com possibilidade de teletrabalho “continua a ser claramente o principal”. “Hoje é tão importante quanto o salário.”
Contacto com clientes e “falta de organização”
Entre as empresas que responderam ao Observador, a MC, do grupo Sonae, que mantém um regime híbrido, diz que vai continuar a “ajustar” os modelos de trabalho “às necessidades dos trabalhadores” e salienta que tem, desde 2020, um programa de flexibilidade que permite aos funcionários “gerir, da forma mais adequada, os seus períodos de tempo de ausência e/ou permanência nos respetivos locais de trabalho”. Em mais de 38 mil trabalhadores há “realidades muito distintas”, sublinha fonte oficial, que admite “desafios” na gestão do trabalho remoto, incluindo na “preservação da cultura organizacional”. “Acreditamos que o trabalho remoto é uma parte essencial do futuro, mas reconhecemos a importância de regras claras e transversais para garantir a coesão da nossa cultura organizacional e que tiramos partido da riqueza que existe nas interações presenciais”, frisa.
A preservação da cultura da empresa é o motivo mais apresentado pelas empresas para justificar a implementação de modelos de trabalho híbrido. Além desse, a Bi4All indica outro: a “proximidade” com os clientes. Os managers têm alguma autonomia para definir quando se encontram no escritório e essas idas também são decididas em função “das necessidades dos clientes”. A empresa, que mantém um regime híbrido, reconhece que o teletrabalho assume no setor tecnológico uma “importância crescente” na atração e retenção de profissionais, mas também trouxe “desafios”: “possíveis dificuldades na comunicação e colaboração entre e dentro das equipas”.
Já a Cofidis permite, segundo avança ao Observador, até oito dias de teletrabalho mensais e recomenda, pelo menos, uma vez por semana de trabalho presencial por entender que a relação cara-a-cara “é essencial para fortalecer as relações pessoais e o espírito de equipa”. A empresa diz que no primeiro semestre de 2023 fez um inquérito a todos os colaboradores dos nove países onde tem atividade e o resultado foi trabalhadores a pedirem mais dias de teletrabalho. Para ir ao encontro dos resultados, os dias de trabalho remoto mensais duplicaram de quatro para oito. Ainda assim, não tem dúvidas que vai manter o trabalho presencial.
“A velocidade e a cooperação são maiores quando estamos lado a lado”, considera. O teletrabalho, refere fonte da empresa, tem vantagens como a conciliação entre vida pessoal e profissional e a redução da pegada de carbono, mas traz “risco de isolamento e a falta de contacto com outros colegas e equipas” e “perda de identidade e cultura da empresa”. A Cofidis indica que a maioria das pessoas está em regime híbrido — são “raros” os casos de 100% remoto (quem está, é ao abrigo do Código de Trabalho, que permite a trabalhadores com filhos até aos oito anos imporem o teletrabalho); mas também é “residual” o número de quem vai sempre.
A PHC Software também tem, desde a pandemia, um regime híbrido “desenhado para dar grande responsabilidade, grande flexibilidade e obter grande produtividade“, com dois dias de presença obrigatória no escritório. Os restantes dias são “flexíveis e personalizáveis e definidos à medida de cada função“. Além disso, os trabalhadores têm direito a dois períodos 100% remoto de 30 dias, em que podem trabalhar a partir de qualquer sítio — e que têm usado para ir para o interior do país, visitar a família no estrangeiro ou trabalhar enquanto viajam.
Antes de decidir o modelo híbrido, a PHC questionou os trabalhadores e nove em cada dez escolheu um modelo com presença no escritório, enquanto os restantes queriam estar sempre à distância. Rute Ablum, chief management officer, explica que os dias de escritório são planeados para que seja “benéfico estar em equipa” e aponta ganhos de produtividade com o modelo híbrido. Por isso, não planeiam alterações para já. “Para nós é muito claro que o futuro do trabalho é em formato híbrido”, diz Rute Ablum, que defende: “O importante é que esse modelo não seja rígido ao ponto de estragar a experiência“.
Dos relatos nas duas plataformas consultadas pelo Observador (Reddit e TeamLyzer), apenas um aponta para uma inversão completa, e recente, da política de teletrabalho, a AICEP. Esta inversão foi noticiada em setembro pelo Expresso, que dava conta de uma decisão da nova administração que tomou posse em junho. Em julho, notificou os trabalhadores para o regresso ao regime presencial, justificando com a “falta de organização, coordenação e trabalho coletivo“. A decisão não terá sido bem recebida pelos trabalhadores, que alegam que a anterior administração fez sucessivos balanços que não identificavam impactos negativos “para a maioria dos trabalhadores”. A Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal indicou ao Expresso que os clientes, que são empresas, sinalizaram que o teletrabalho não estaria “a funcionar”, reportando “dificuldades e falhas no contacto, ausências de atendimentos”, atrasos nas respostas e execução atrasada “a todos os níveis”.
Segundo o semanário, dos cerca de 450 trabalhadores da AICEP, 45 estavam em regime remoto e outros tinham até três dias por semana no escritório. O regresso seria feito de forma faseada, a partir de outubro, começando pelos que estavam em regime híbrido e, ao longo de 2024, alargando aos restantes, mantendo-se nos casos enquadrados pela lei. Em todas as situações, nenhum trabalhador teria contrato de teletrabalho.
Híbrido é para manter
Nicholas Bloom, professor e economista de Stanford que se tornou um dos principais especialistas em teletrabalho (já estudava o regime antes da pandemia), não tem dúvidas de que, no pós-Covid, o híbrido é o modelo com mais adeptos. Segundo a investigação de Bloom, em maio de 2020, com os confinamentos, mais de 60% dos dias de trabalho nos EUA foram remotos. No início de 2023, a percentagem já ia nos 25%, mas a ocupação dos escritórios era metade do pré-pandemia e nos transportes públicos estava a 60%. A investigação de Bloom, de acordo com a Business Insider, tem mostrado um impacto nulo ou ligeiramente positivo na produtividade do regime híbrido e mais retenção de trabalhadores. Por isso é perentório: “Se for bem organizado, acho que no híbrido todos ganham“.
Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) referentes a Portugal mostram que no segundo trimestre de 2020, no início da pandemia, o número de trabalhadores em teletrabalho chegou a ultrapassar o milhão. Mais de três anos depois, no terceiro trimestre de 2023, eram já cerca de 877 mil (17,5% do total) a trabalhar nalgum momento da semana em casa (o INE tem salientado, porém, que estes dados não são comparáveis com os anteriores por mudanças metodológicas — passou a fazer perguntas diferentes).
Pelos dados, o regime mais adotado entre quem tem teletrabalho parece ser o híbrido com o trabalho remoto a ser opção “regularmente”. Dos 877 mil, 37,4% (327,8 mil) trabalharam em casa “regularmente mediante um sistema que concilia trabalho presencial e em casa” e 26,9% (235,8 mil) fizeram-no sempre em casa. Já 16,1% (140,9 mil) trabalharam “pontualmente” a partir de casa e para 19,1% (167,4 mil) “o trabalho em casa foi realizado fora do horário de trabalho”. As áreas onde o peso do teletrabalho é maior são as “atividades de informação e de comunicação” (71,9%) e as “atividades financeiras e de seguros” (57,5%).
Os especialistas em recrutamento ouvidos pelo Observador concordam que o híbrido é para manter nas empresas que já nos meses após o confinamento mantiveram o teletrabalho (haverá outras que já na altura regressaram ao presencial a 100%, sobretudo pequenas e médias empresas, e que não deverão passar a híbrido). E convergem na ideia de que mais do que definir os dias de trabalho, as empresas devem caminhar para a flexibilidade — no remoto versus presencial ou a cada dia, consoante as necessidades diárias específicas dos trabalhadores.
Como as empresas incentivam as idas ao escritório
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A Bi4All, que trabalha na área de data analytics e inteligência artificial, investiu no escritório do Porto antes da pandemia e tinha planos para construir a “Cidade Bi4All”, um complexo que ofereceria desde locais de trabalho a alojamento para trabalhadores. Os planos não caíram mesmo apesar da Covid-19 e da tendência do teletrabalho. Em 2021, inaugurou o espaço, num investimento de oito milhões de euros, com “condições de trabalho distintivas, agregando espaços profissionais e sociais”, explica a empresa.
Como tem trabalhadores fora da Grande Lisboa e do Porto e mesmo fora de Portugal, a ideia é que esses funcionários, e os clientes, possam ficar alojados nas instalações da empresa. Apesar destes estímulos às idas ao escritório, a empresa garante que mantém “um modelo de trabalho flexível” e também frisa as vantagens do presencial na “colaboração e a aprendizagem coletivas, bem como a proximidade com os seus clientes”. As equipas têm autonomia para definir quando se encontram e a decisão também depende das “necessidades” dos clientes. No escritório na Avenida Marechal Gomes da Costa, em Lisboa, oferece estadia aos trabalhadores que vêm de fora da capital e aos clientes, assim como um campo de padel, ginásio, balneários e salas para meditação e yoga.
A Claranet também investiu recentemente nos escritórios, e mudou-se em maio de 2023 para o hub criativo do Beato com o objetivo de ter um espaço “inovador” que “promovesse a produtividade”, sublinha Catarina Graça, diretora de recursos humanos. Com cerca de mil trabalhadores, o edifício da empresa tem capacidade para cerca de 500 pessoas ao mesmo tempo, daí que mantenha um regime de trabalho híbrido — dois a três dias por semana no escritório, com “algumas exceções” para funções que têm de estar sempre em presencial; e admite ter dado, nalguns casos, trabalho remoto total para reter pessoas. O espaço tem zonas de lazer, “para conversas informais ou para trabalhos de maior concentração”, que complementa com a realização de eventos presenciais, disponibiliza massagens, consultas de “medicina curativa”, rastreios de saúde, palestras e pequenos-almoços — neste caso disponíveis duas vezes por semana.
Em relação ao 100% remoto, diz que se trata de “uma questão de bom senso e equilíbrio”. Mas admite que haja quem seja mais produtivo “no ambiente tranquilo de casa”.
Já a Blip, com sede no Porto, oferecia, durante a pandemia, várias modalidades de teletrabalho (100%, parcial ou totalmente presencial) e, segundo avança a empresa ao Observador, esse regime de escolha foi mantido. Patrícia Carneiro, responsável dos recursos humanos, afirma que, atualmente, 70% dos trabalhadores escolheu o regime híbrido, 20% estão praticamente sempre remotos e 10% escolheu estar sempre no escritório. No regime de 100% remoto há uma obrigatoriedade de ida ao escritório a cada trimestre — viagem que a Blip comparticipa — que justifica com a lei que prevê que o empregador deve “diligenciar no sentido da redução do isolamento do trabalhador, promovendo, com a periodicidade estabelecida no acordo de teletrabalho, ou, em caso de omissão, com intervalos não superiores a dois meses, contactos presenciais dele com as chefias e demais trabalhadores”.
A empresa não planeia recuar no regime escolhido e adianta que nunca registou “níveis de retenção tão elevados”. Também não detetou diferenças de produtividade entre equipas em diferentes regimes, segundo um estudo junto de uma das áreas com mais trabalhadores. Para fomentar as idas ao escritório disponibiliza alimentação, tem massagista, nutricionista, especialistas de saúde ocupacional, campanhas de doação de sangue. Em qualquer dos regimes, os trabalhadores recebem 70 euros brutos em salário para despesas de deslocação e/ou internet e eletricidade. E quem vai com regularidade tem acesso a parque de estacionamento.
A MC, do grupo Sonae, por sua vez, diz que criou “ambientes propícios para a colaboração, foco e até exercício físico” e que organiza eventos com atividades para as crianças dos trabalhadores e team building, enquanto a Cofidis salienta que os escritórios suportam “vários ritmos de trabalho”, tem “salas de silêncio para trabalho focado”, salas “brainstorming com sistemas de videochamada para facilitar o trabalho de quem está à distância”, e espaços para desporto, como ginásio e aulas de grupo à hora de almoço e ao final do dia.
Já no pós-pandemia, e atualmente, as empresas tentam encontrar nos escritórios formas de incentivar ao regresso: há matraquilhos e playstation, mesas de ping pong, lugares de estacionamento, créditos de plataformas digitais como a Uber ou a Bolt, pequenos-almoços grátis ou aulas de meditação e yoga. E se a maioria das empresas que responderam às perguntas do Observador não planeia alterações no regime de trabalho num futuro próximo, também diz estar em constante monitorização e, se necessário, adaptação em busca do equilíbrio que consideram mais adequado.
Duarte Fernandes, da Kwan, admite que nos próximos tempo possa haver novo recuo em relação ao teletrabalho. Não só porque algumas das grandes tecnológicas estão a retroceder, com exigência de mais dias no escritório — e elas “influenciam a cultura tecnológica das restantes empresas” —, como os despedimentos recentes no setor tecnológico trazem mais trabalhadores ao mercado. E “quando isso acontece, a força fica mais do lado do empregador e menos dos candidatos”, o que o leva a concluir: “Acho que haverá um maior equilíbrio neste âmbito”, entre o que os trabalhadores pedem e o que as empresas querem.