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Rodado em 2020, “O Trio em Mi Bemol” tem a energia e a felicidade de um filme feito por pessoas que quiseram fazer algo bom durante a pandemia. Venceu o Prémio de Melhor Realização no último IndieLisboa e a forma como foi financiado dava outro filme
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Rodado em 2020, “O Trio em Mi Bemol” tem a energia e a felicidade de um filme feito por pessoas que quiseram fazer algo bom durante a pandemia. Venceu o Prémio de Melhor Realização no último IndieLisboa e a forma como foi financiado dava outro filme

Rodado em 2020, “O Trio em Mi Bemol” tem a energia e a felicidade de um filme feito por pessoas que quiseram fazer algo bom durante a pandemia. Venceu o Prémio de Melhor Realização no último IndieLisboa e a forma como foi financiado dava outro filme

"O Trio em Mi Bemol": Rita Azevedo Gomes filmou as diferentes estações de dois ex-amantes

É a adaptação da única peça de teatro de Éric Rohmer e segue o reencontro em sete momentos de um casal que ainda não arrumou o passado. Entrevistámos a realizadora, Rita Azevedo Gomes.

“O Trio em Mi Bemol” é um texto sobre conversas ora inacabadas, ora repetidas até à exaustão. Única peça de teatro escrita por Éric Rohmer, foi adaptada ao cinema por Rita Azevedo Gomes, um filme que se estreou na edição deste ano da Berlinale, ganhou o Prémio de Melhor Realização para Longa Metragem Portuguesa no IndieLisboa e passou por uma série de festivais internacionais. Agora, estreia-se em sala, esta quinta-feira, 1 de dezembro.

A realizadora tinha outros planos para o texto, como explica nesta conversa com o Observador. Esses planos estavam na gaveta, entre rejeições e impossibilidade de levar avante as suas ideias. A pandemia levou-a a redescobri-lo e a encontrar aqui um filme possível de realizar com poucos recursos humanos e pouco financiamento. E o modo como Rita o conseguiu está fundado em algo que foi bastante popular nos últimos três anos: bitcoins. Uma forma inesperada de uma realizadora que se habituou a encontrar formas pouco ortodoxas para fazer – e financiar – os seus filmes, como explica nesta entrevista.

“O Trio em Mi Bemol” tem um humor necessário. Sabe a filme de pandemia pela vontade de libertação, há algo nas conversas entre Paul e Adélia, os protagonistas, que causa inveja. Queríamos ter tempo para elas na vida real, perceber se a incerteza acaba por encontrar uma promessa de futuro radioso. Não necessariamente para os dois em conjunto, mas como tiver de ser. Eis a beleza de “O Trio em Mi Bemol”, é uma obra que só existe no presente, através de sete conversas entre duas personagens que outrora tiveram uma relação amorosa.

O passado pertence ao passado, território desconhecido. Quando o filme termina, também não há certezas sobre o seu futuro. O que existe são sete cenas, sete conversas, ou sete quadros, como Rita Azevedo Gomes lhes chama, que parecem andar à volta do mesmo, sem vontade de acabarem, como se o tempo não existisse. Há ciúme, há zanga, redescoberta e incerteza. Tudo momentâneo, com humor e um outro filme a acontecer. Ao texto original, a realizadora decidiu acrescentar um realizador, Jorge (Ado Arrieta) — e uma assistente (Olivia Cábez) –, que sente regularmente que as cenas estão bem, mas não está lá. O que falta, não sabe. O comentário tem algum humor e, também, adiciona outras camadas à falsa repetição das conversas. Não se repetem, porque não são a mesma, mas sentem-se como tal, como se cada uma estivesse à procura do desfecho perfeito. Ora, como todos sabemos, desfechos perfeitos não existem.

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[o trailer de “O Trio em Mi Bemol”:]

“O Trio em Mi Bemol” é a única peça de teatro escrita por Éric Rohmer. O que levou a adaptá-la?
Tinha planeado fazer uma coisa de teatro com esta peça, que acabou por nunca acontecer. Ia resultar numa espécie de rádio drama, para ser transmitido na rádio, mas encenado no palco, com as pessoas a assistirem à gravação. Isso não avançou, foi adiado, adiado… e em 2020, quando estávamos todos fechados, separados, incomunicáveis, deu-me aquela vontade de fazer qualquer coisa. Li o texto nessa altura, já o tinha adaptado para um guião cinematográfico, portanto, estava bastante dentro do texto, tinha-o traduzido. Não é fácil traduzi-lo. Um dia, o Pedro Mexia disse-me: “Isso traduz-se em dois dias.” Não é verdade. Com o confinamento, quando deu aquela vontade do “temos de fazer, temos de fazer, temos de fazer”, era um projeto que se ajustava, porque era económico, dois atores, não exigia grande aparato de promoção. E, por outro lado, era algo que fugia ao que estávamos a viver: uma comédia sentimental. Apeteceu-me fazer qualquer coisa que abrisse a vontade de beber um copo de champanhe.

Qual foi a dificuldade em traduzir o texto?
O Rohmer é tão rendilhado, cheio de sentidos. Uma coisa muito simples, “Il est très fort”, como é que isto se traduz? Quer dizer é o maior, grande, muito bom. O Beethoven escreveu não sei quantas sinfonias, “Il est très fort”, mas em português este género de subtilezas não é fácil. É um tipo que chega e vence. Há muitas coisas de uma subtileza enorme no texto do Rohmer que é preciso tentar trazê-las para o português sem perder aquela graça que ele tem. O texto é milimetricamente construído.

O texto só tem duas personagens. Mas o filme tem mais duas. Porquê a inclusão do Jorge e da Mariana?
Isso surgiu logo quando saí da ideia de fazer isto em palco. Fiz um guião, entreguei ao ICA, mas não me deram nada, claro. Já existia este realizador [Jorge]. Era um bocadinho um cliché, o realizador a fazer o filme e não sei quê. Era uma personagem menos interessante e divertido, era um jovem da sua idade, um bocado perdido, sem saber o que faz, inseguro. Depois surgiu a ideia de pegar no Ado [Arrieta], com oitenta anos, com a sua idade provecta, realizador um bocadinho caído, com um humor que deu outra cor à personagem. Pareceu-me bem mais interessante não ser um jovem realizador inseguro, mas um que nunca foi um grande sucesso, como se percebe: que é um pouco o que aconteceu ao Ado Arrieta, os filmes dele são aquilo. É talentoso, mas anda à deriva. Era o que estava a acontecer com este filme, para onde é que íamos com ele?

Rita Azevedo Gomes nasceu em 1952, estreou-se como realizadora em 1990 com "O Som da Terra a Tremer"

Era um risco?
Sim, a coisa estava inconsistente, não houve preparação. Preparação física. Telefonemas e emails foram bastantes. Não houve ensaios, trabalho com os atores, houve uns ensaios Zoom, com o Pierre Léon em Paris, a Rita Durão em Lisboa e eu aqui. Era muito texto, estávamos com os pés numa coisa um bocadinho… a única coisa que estava definida era o texto, mas eles não sabiam o texto todo. O filme foi-se construindo dia-a-dia.

O filme tem sete encontros, sete conversas. A história entre eles vai evoluindo, mas a conversa parece que está sempre a começar do início…
Totalmente, aquilo é uma espécie de coisa musical, e é infindável. No texto do Rohmer a gente vê pessoas mais novas a ter aquele género de conversas. Além de ser uma conversa um bocadinho datada. Achei mais interessante não terem os tais vinte e tal, trinta anos, mas terem 50, 60, trinta anos depois ainda estão no mesmo patamar. Ao falar com o Renaud Legrand  [coargumentista], concluímos que era mais interessante não terem trinta anos, mas numa fase posterior da vida, em que ainda estão no processo de mal-entendidos, desentendimentos, sem saberem o que querem. É um rondó, rondó, outra vez, e no final não se percebe muito bem, se vai correr bem ou se é mais uma fase.

Quis passar a ideia de que pode acontecer em qualquer momento da vida?
Sim, é como se fosse uma espécie de tricô.

Subentende-se que o amor deles já passou.
E o que é estranho é que ninguém sabe o que se passou antes.

Sentiu alguma urgência em contar uma história assim?
Tinha de fazer qualquer coisa durante a pandemia. Com aquele tempo todo. Sim… foi isso. Fazer qualquer coisa. Não tinha subsídio e estava tudo mais complicado naquela altura. Mas começo pelo coração da coisa: primeiro, preciso dos atores. Falei com a Rita e o Pierre. Disseram que sim, que alinhavam. Depois, vem o resto, câmara, som, casa. Quando se conseguiu formar o grupo, muito restrito mas necessário para que a coisa funcionasse, lá fomos nós.

"Concluímos que era mais interessante [as personagens] não terem trinta anos, mas [que estivessem] numa fase posterior da vida, em que ainda estão no processo de mal-entendidos, desentendimentos, sem saberem o que querem."

Como conseguiu subsidiar o filme?
Houve uma pequena ajuda de um amigo, o Gonzalo Pelayo, que é um personagem extraordinário. Ele também é realizador… fez onze filmes este ano, onze filmes de empreitada! É jogador profissional, ele diz “sou jogador e depois sou realizador”. Tem uma paixão pelo jogo e sabe imenso disso, vive disso. É um jogador profissional, gosto imenso de jogadores profissionais, acho interessantíssimo. Ele tem livros escritos sobre a teoria do jogo, é um tipo genial, inteligentíssimo. Ele, o genro, o filho, ganhavam em todos os casinos no mundo, ele estudava a roleta, ia para lá uma semana, observava, começava a jogar e ganhava. E tornaram-se num gangue temido nos casinos: entraram na lista negra. O Gonzalo passou a investir em bitcoins, meteu-se nesse mundo. Naquela altura, não sei porquê… não o conhecia muito bem, lancei a ideia se me poderia ajudar. E ele no dia seguinte respondeu.

Como ajudou?
Bitcoins. Ele disse: vou dar-te dinheiro. Havia um problema, eu tinha de abrir uma conta bitcoin, mas não queria, não me meto nisso. Então a única hipótese era ele dar-me dinheiro, em cash, tinha de ser em notas pequeninas, não sei porquê, de 20 ou 50 euros no máximo. Ele disse que vinha ao Porto, queria ficar num hotel onde o Manoel de Oliveira filmou uma cena de “Um Filme Falado” e eu ia lá ter com ele. Mas afinal não, não podia ir, porque não podia levar o dinheiro no avião, não podia ir com um saco de notas no avião. A única hipótese era eu ir a Madrid e assim fiz. Saí daqui às seis da manhã, fui a Madrid, almocei com ele, deu-me um saco cheio de notas, ainda tenho. Almoçámos, estavam os Pelayos todos, vim de lá com um saco cheio de notas para pagar a rodagem. Deu para custear as dormidas, tive de alugar uma casa próxima da de onde filmámos. Tinha de ser tudo bem calculado, porque estávamos no meio da pandemia.

Como o fez?
Estabeleci as minhas regras ferozes e rígidas que é… quem chega, entra pela porta da cozinha e nem pousa a mochila. Eu vinha de enfermeira, fazia os testes na mesa da cozinha, já tinha ali o aparato todo. Fazia os testes, depois de confirmar se a pessoa estava negativa, então podia entrar em casa. Estávamos naquela coisa de lavar bananas com lixívia [risos]. Ninguém sai, ninguém vai tomar café, ninguém vai para o café, ninguém vai para casa ver a família. Só se saía dali para ir para a outra casa onde se dormia e comia, cinco minutos a pé. Não se via vivalma e funcionou. Ao fim de uma semana, passado o período que se revelavam os contágios, ninguém apareceu com Covid, ficámos mais aliviados. Já tínhamos feito um grupo que estava fechado, ninguém positivou. A partir do quinto dia estávamos mais seguros. O Ado vinha de Madrid, arranjei maneira de o ir buscar de carro, não o ia meter num comboio ou num avião.

"Desde que começámos com a ideia de fazer o filme até estar em Moledo foi um tiro, foram 3 semanas para preparar tudo. Não houve a preparação do costume, minimamente desejável."

Isto foi em 2020?
Sim, novembro, estávamos no pico.

A rodagem demorou quanto tempo?
Três semanas. No dia em que chegámos começámos logo a filmar e no fim foi mais um dia.

Como foi filmar sem o que chamou de “preparação física”?
Senti-me maravilhosamente bem. Era um ambiente muito especial. Era um ambiente muito criativo, era uma coisa mágica que se passava. Estávamos todos felizes por estar a fazer qualquer coisa juntos. Foi muito duro, trabalhámos muito e, sobretudo, para os atores deve ter sido duríssimo. A Rita Durão… não sei como ela faz aquilo, ela não sabe falar francês, aprendeu foneticamente. Claro que ela sabe o que está a dizer, ela entende o texto, mas não fala francês, tem umas noções, diz umas coisas, mas não fala. Atirou-se àquilo sem tempo, foi tudo muito rápido: desde que começámos com a ideia de fazer o filme até estar em Moledo foi um tiro, foram 3 semanas para preparar tudo. Não houve a preparação do costume, minimamente desejável.

Tinha de fazer algo.
Eu tinha de me adaptar, tinha de me adaptar ao que tinha, às possibilidades que tinha. Tirar partido do que tenho. Nunca pensei que ia ser um fiasco, que não íamos conseguir fazer nada, agora como ia ser, não sabia. Fomos sentindo a coisa. Havia uma coisa que estava estabelecida, que o texto era integral, o resto foi à volta do texto, queria manter a ideia das sete cenas. Houve cenas que apareceram ali, como quando o Pierre Leon está a cantar e a tirar do telemóvel a letra da canção. Isso aconteceu num daqueles dias que está tudo encravado, eu afastei-me, fui para trás da casa… e deu-me aquela coisa na cabeça, fui ter com o Pierre, pus aquilo a tocar. E ele pôs-se à procura no telemóvel, no chão. E ao vê-lo, decidi filmá-lo. Há algumas coisas que surgiram durante a rodagem.

Confesso que não estava à espera da história das bitcoins…
Se calhar é o futuro do cinema.

"Até aqui criei uma certa fama: “ela faz, não sei como ela faz, mas ela faz.” Fiz vários filmes arrancados do nada e ouvi isto, “ela não precisa de subsídios, ela faz”. Agora, se começam a dizer “ela arranja bitcoins”, estou tramada!"

De algum cinema será de certeza.
Mas o filme foi muito, muito baratinho. Deu para comprar os discos, os testes, dormir, comer, gasolina, o bilhete de avião do Pierre. O que houve de extraordinário aqui é que o José Tiago, da Planar, o Rodrigo Areias, emprestaram-me tudo. Para mim, eles são os produtores do filme. Isso tudo junto possibilitou a rodagem. Agora só se vai falar do episódio das bitcoins

[risos] Nada disso, foi só inesperado.
Isso é muito perigoso. Já estou farta dessas histórias. Até aqui criei uma certa fama: “ela faz, não sei como ela faz, mas ela faz.” Fiz vários filmes arrancados do nada e ouvi isto, “ela não precisa de subsídios, ela faz”. Agora, se começam a dizer “ela arranja bitcoins”, estou tramada! [risos] De certa maneira, parece uma brincadeira, mas comprometeu muito a coisa, porque criei a fama de que não preciso de dinheiro. Há filmes que podem existir com poucos recursos e há filmes que exigem uma produção mais composta. Nunca teria feito “A Portuguesa” [2018] com vinte cêntimos, precisava de uma equipa. Nunca tinha feito “A Vingança de Uma Mulher” [2011] também. Cada filme deve ser tratado com o seu carácter, a sua coisa. E há filmes exequíveis com poucos recursos, mas outros não.

Mas é uma boa história. Esperemos que não seja assim no futuro.
Não me importo. Desde que me deixem fazer.

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