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FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

Oito escolas que estão a mudar o ensino em Portugal

Alunos que trabalham em projetos que eles próprios definem, escolas sem turmas ou anos escolares e incentivos à autonomia são algumas das ideias que já estão a ser postas em prática — e com sucesso.

A escola tem de mudar. Maria Emília Brederode, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), assumiu-o na apresentação do “Estado da Educação”, o relatório que, anualmente, faz o retrato do país nesta área e que é apresentado esta terça-feira. Os motivos apontados são essencialmente dois: a revolução científica e as alterações climáticas.

“Passámos a viver com uma central móvel de informação no bolso e as suas potencialidades parecem inesgotáveis”, o que traz consequências enormes em todos os aspetos da nossa vida, escreve a presidente do CNE no prefácio do relatório, o mesmo onde, no ano passado, defendeu o fim dos chumbos e do 2.º ciclo de escolaridade.

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Já sobre a crise climática, lembra que esta vai obrigar a “mudanças comportamentais que vão afetar profundamente o nosso modo de vida”, algo que o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, tem dito com insistência. Por estes dois motivos, a escola que temos, saída do século XIX não chega, diz. E também por isso, o relatório deste ano traz uma novidade em relação aos anteriores: cita exemplos de inovação em oito casos de estudo, analisando algumas escolas que estão a trabalhar de forma diferente. “São estas, mas podiam ser outras”, sublinhou Maria Emília Brederode durante a conferência de imprensa.

“Tem sido defendido que a organização atual da escola é reflexo e foi moldada pela sociedade industrial e pelas necessidades de produção em massa”, escreve ainda no prefácio. “A esta sociedade corresponderia uma escola rigidamente compartimentada em anos, turmas, disciplinas, com o saber cuidadosamente organizado do mais simples ao mais complexo.”

Hoje, quando se querem alunos com “os quatros C — pensamento crítico, criatividade, capacidade de colaboração e de comunicação”, é preciso ir mais além. “As escolas estão a fervilhar de projetos e iniciativas que visam, dum modo geral, proporcionar aprendizagens novas e significativas a todos os alunos, combatendo desigualdades e ultrapassando determinismos sociais ou individuais e desejando para o país a continuação de um desenvolvimento rápido, mas justo e sustentável.”

“As escolas estão a fervilhar de projetos e iniciativas que visam, dum modo geral, proporcionar aprendizagens novas e significativas a todos os alunos, combatendo desigualdades e ultrapassando determinismos sociais ou individuais."
Maria Emília Brederode, presidente do Conselho Nacional de Educação

O objetivo do estudo destas oito comunidades de ensino, concluiu Maria Emília Brederode, sabendo como “são frágeis e como podem ser efémeras estas mudanças”, foi exatamente perceber o que torna uma escola inovadora resiliente. Oito exemplos que vão dos afetos à saúde mental, das turmas pequenas à ausência de salas de aula, do pré-escolar ao ensino secundário passando pelo educação não-formal de adultos.

Novas Rotas: o projeto açoriano que vingou graças ao apoio dos pais

O projeto Novas Rotas foi implementado no ano letivo de 2018/2019 na Escola Básica Integrada de Capelas (EBI), na ilha de S. Miguel (Açores), mas as primeiras ideias surgiram em 2010, inspiradas em autores como Johann Heinrich Pestalozzi, Maria Montessori, Célestin Freinet e John Dewey, e em projetos como a Escola da Ponte (Vila de Aves), implementada pelo professor e pedagogo José Pacheco.

No primeiro ano de funcionamento, o Nova Rotas recebeu 38 alunos, do pré-escolar ao 5.º ano, que se reúnem, sem turmas nem níveis, em três núcleos heterogéneos. “Neste modelo organizativo os alunos não têm um professor titular de turma ou um diretor de turma, mas cada aluno tem um tutor e trabalha conforme as atividades com todos os outros professores”, que, por sua vez, trabalham de forma colaborativa e interdisciplinar, refere o relatório.

“O papel da escola como comunidade de aprendizagem, a importância da matriz de valores, a autonomia e a participação dos alunos, o respeito pelo ritmo individual no percurso de aprendizagem, o trabalho de projeto e a abertura à aprendizagem ativa, transversal e colaborativa”, são alguns dos aspetos destacados pelo relatório.

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O Novas Rotas valoriza a “formação de cidadãos responsáveis, autónomos, críticos, solidários e capazes” e aposta “no trabalho colaborativo entre pares”, em que cada aluno tem uma participação ativa na definição do seu percurso educativo. Os trabalhos de projeto são a forma de aquisição de competências privilegiada e a avaliação de competências é feita trimestralmente. Todos os alunos conseguiram transitar de ano ou concluir o ciclo de ensino onde se encontravam.

Rio Maior: onde os alunos decidem o que querem aprender

As mudanças no Agrupamento de Escolas Fernando Casimiro Pereira da Silva (AEFCPS), de Rio Maior, começaram em 2008, fruto da desmotivação e das dificuldades enfrentadas pelos alunos. Daí que o trabalho do agrupamento se tenha “centrado nos alunos e vise ir ao encontro dos seus interesses e necessidades, garantindo a sua efetiva participação no quotidiano escolar”, refere o relatório.

O Agrupamento de Escolas Fernando Casimiro Pereira da Silva teve de arranjar estratégias para vencer a desmotivação e as dificuldades enfrentadas pelos alunos

Agrupamento de Escolas Fernando Casimiro Pereira da Silva

“A reorganização dos espaços para a aprendizagem, o desdobramento das turmas de maior dimensão, quer na área das línguas (para permitir a oralidade), quer na área das ciências (para permitir a realização de atividade experimental), a semestralização, a determinação do essencial do currículo nas várias disciplinas (aprendizagens chave), a agregação de disciplinas e a identificação do que pode ser trabalhado em conjunto pelas mesmas”, com vários por cada nível de ensino, foram algumas das alterações identificadas pelo relatório.

O diretor foi o motor das mudanças, mas contou com o apoio dos vários intervenientes — docentes e não docentes, pais e encarregados de educação e alunos —, que sentem que fazem parte do projeto e da comunidade. Os trabalhadores não docentes sentem-se valorizados, os alunos estão motivados e os pais e encarregados de educação estão mais envolvidos com a escola.

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A indisciplina tem vindo a diminuir e, no ano letivo de 2017/2018, a meta para reduzir o número de participações disciplinares foi atingida (exceto no 2.º ciclo do ensino básico). Por outro lado, as taxas de transição/aprovação cumpriram ou ultrapassaram as metas e as médias das provas finais do 9.º anos foram melhores que a média nacional.

Alunos das escolas da Carreira (Leiria) vencem as adversidades

Os alunos do Agrupamento de Escolas Rainha Santa Isabel (AERSI), em Carreira (Leiria) — dos jardins de infância ao ensino secundário —, enfrentam uma série de dificuldades, como falta de aquecimento adequado dos espaços, problemas no fornecimento de água quente nos balneários, sistemas informáticos inexistentes ou obsoletos e um corpo docente envelhecido. Apesar disso, a escola destaca-se por apresentar “resultados académicos acima do esperado, tendo em conta o contexto de origem dos alunos e os seus resultados ou percursos do ciclo precedente”.

As taxas de retenção naquele agrupamento, apesar de ainda serem altas, são mais baixas que a média nacional. Os professores não veem grandes vantagens em chumbar os alunos, porque consideram que isso só os vai desmotivar ainda mais. Já a diretora defende que o aluno deve sempre transitar de ano e ser acompanhado por um plano de trabalho adequado às suas necessidades.

Nem chumbar, nem passar. Nesta escola, a única alternativa é aprender

O agrupamento quer “dar a oportunidade a todos os alunos de completarem a escolaridade de forma empenhada, ajudando a cumprir os projetos de vida dos jovens que, devido a alguns contextos familiares, nem sempre têm condições para os prosseguir”, refere o relatório. As estratégias vão sendo criadas para dar resposta às necessidades e promover o sucesso escolar, como a integração de crianças e jovens com deficiência nas turmas regulares pelo menos um hora por semana e por disciplina.

Há muito tempo que o agrupamento pensa numa abordagem curricular transversal, mas, antes de a flexibilização curricular estar prevista na lei, não conseguiu implementar a divisão do ano letivo em dois semestres. Agora, além dos semestres, gostaria de implementar “grupos de alunos e não turmas, flexibilidade de horários, flexibilidade de espaços e equipas pedagógicas”.

Fornos de Algodres: a vantagem de ter poucos alunos na escola

O Agrupamento de Escolas de Forno de Algodres (AEFA), na Guarda, acolhe alunos de todos os níveis de ensino, do pré-escolar ao secundário, e também do ensino profissional. O facto de ter turmas pequenas, com uma média de 18 alunos, permite que os professores consigam fazer um acompanhamento dos alunos quase individualizado. Além disso, há uma preocupação em facilitar a transição entre ciclos, especialmente do 1.º para o 2.º ciclo, para minimizar o impacto nos alunos.

Há uma aposta clara no acompanhamento dos alunos que têm acesso a uma sala de apoio por cada ano de escolaridade e a um apoio especial na preparação das provas e exames nacionais, do 9.º ano e do ensino secundário.

As estratégias das escolas para estarem no topo dos rankings

Ao apoio individualizado juntam-se a estabilidade do corpo docente, as boas instalações dos estabelecimentos escolares, a existência de gimnodesportivos, o acesso à internet e a disponibilidade de equipamento informático. Tudo fatores que contribuem para que a percentagem de alunos que conseguem nota positiva nas provas nacionais do 9.º ano seja superior à média nacional de jovens provenientes de um contexto cultural e socioeconómico semelhante, tendo em conta um percurso sem retenções no 7.º e 8.º ano (os chamados percursos de sucesso).

As taxas de retenção no agrupamento são elevadas, mas os resultados académicos no final do 3.º ciclo são acima do esperado, tendo em conta o que é alcançado por outras escolas com contextos semelhantes no interior do país.

O agrupamento assume como missão apoiar a inserção no mercado de trabalho, criando para isso percursos curriculares alternativos, que combatem, simultaneamente, o absentismo e o abandono escolar. Além disso, existe um serviço de acompanhamento dos alunos que contacta os pais sempre que faltam às aulas, para perceber o que se passa.

“Muitos profissionais do agrupamento defendem que a ligação dos alunos à escola deve fazer-se, primeiro, pelos afetos, pela capacidade de criar laços afetivos.”
Relatório "Estado da Educação 2018", Conselho Nacional de Educação

Amora: a ligação à escola deve fazer-se pelos afetos

O Agrupamento de Escolas Paulo da Gama (AEPG), na Amora (Seixal), está inserido num contexto social desfavorável, onde a fome, a falta de saneamento básico ou o contexto familiar precário dos alunos fazem com que a escola seja muito mais do que um local onde cumpre um percurso académico. “No agrupamento faz-se questão de conhecer cada um dos alunos pelo seu nome”, refere o relatório, que acrescenta que “muitos profissionais do agrupamento defendem que a ligação dos alunos à escola deve fazer-se, primeiro, pelos afetos, pela capacidade de criar laços afetivos”.

Muitos dos alunos no agrupamento vieram de outros países, com sistemas educativos diferentes, entraram a meio dos anos letivos, frequentavam anos desfasados da sua idade e, como agravante, podem não ter o português como língua materna. O acompanhamento dos professores de Português Língua Não Materna ajuda os alunos não só em relação às aulas de Português, mas também noutras com o vocabulário mais difícil, como nas disciplinas de Físico-Química, Ciências ou História.

Nesta escola, as salas de aulas não têm paredes. E os alunos não se queixam

Apesar das medidas implementadas, o agrupamento continua com resultados abaixo das médias nacionais dos alunos de contextos idênticos, nomeadamente em relação à proporção de alunos de 1.º e 2.º ciclo que completam os ciclos dentro no número de anos previsto (quatro e dois, respetivamente).

“No entanto, considerou-se que a evolução positiva destas percentagens ao longo dos três anos letivos foi, certamente, consequência do desenvolvimento de uma estratégia de trabalho, merecedora de estudo e divulgação, sobretudo tendo em consideração as complexidades do contexto onde as escolas do agrupamento se inserem”, refere o relatório.

Uma universidade para adultos onde o mais popular é a tuna

Em muitas das escolas, a educação de adultos é orientada sobretudo para as aprendizagens formais. Considerando que a educação não é só a que se faz em contexto escolar, o CNE destacou no relatório o trabalho realizado pelos nove polos da Universidade Popular Túlio Espanca (UPTE), criada em 2009 como uma unidade científica e pedagógica da Universidade de Évora.

A Universidade Popular Túlio Espanca promove a educação não-formal de adultos e a cooperação intergeracional

Universidade Popular Túlio Espanca

“As abordagens didáticas, a que recorre, privilegiam a educação popular e permanente, de matriz não formal, a cooperação intergeracional e o diálogo ativo entre os conhecimentos científicos e académicos e os saberes populares, através do envolvimento de alunos e de professores da academia”, refere o relatório. Entre os principais objetivos estão: “Contribuir para um envelhecimento ativo da população, combater o isolamento e promover um estilo de vida saudável”.

A UPTE pressupõe que todos os polos tenham como ambição a educação não-formal intergeracional, mas nem todos conseguiram lá chegar ainda. Entre as várias atividades disponibilizadas aos formados, a tuna é a preferida, embora não exista em todos os polos porque está dependente da disponibilidade e competências dos formadores, que colaboram em regime de voluntariado.

Em Lousada, os alunos também governam a escola e os professores agradecem

Casa da Praia: a educação que cura e um tratamento que educa

A Casa da Praia (Centro de Pedagogia Experimental), criada em 1975 por João dos Santos, trabalha a saúde mental pela educação e destina-se a crianças que apresentam problemas emocionais que afetam as aprendizagens e o comportamento e/ou que estão em risco de desenvolverem uma doença mental. A confluência das ideias sobre pedagogia e sobre Medicina Psíquica deu origem ao conceito de pedagogia terapêutica: a educação que cura e um tratamento que educa.

"Estes casos são perturbações da saúde mental que decorrem do contexto familiar em que vivem, mas quando essas situações familiares se desbloqueiam as crianças ficam predispostas a aprender.”
Relatório "Estado da Educação 2018", Conselho Nacional de Educação

“São crianças que têm potencialidades, mas que por motivos emocionais graves não conseguem aprender a ler, a escrever ou têm comportamentos agressivos. Estes casos são perturbações da saúde mental que decorrem do contexto familiar em que vivem, mas quando essas situações familiares se desbloqueiam as crianças ficam predispostas a aprender”, refere o relatório.

A Casa não é uma escola, nem pretende ser, mas, ao retirar a criança de uma turma com 20 ou 25 alunos para uma sala que tem no máximo seis, ajuda não só a criança, como os colegas da escola, o professor e a família.

Não é retirar completamente, é levar as crianças duas manhãs ou duas tardes por semana à Casa, durante um ano ou dois. Depois, é preciso contar com a família, “sem a qual não se conseguem ultrapassar muitas das barreiras que afetam a criança”, por isso fazem também formação parental e acompanhamento das famílias.

Entrevista. “As crianças precisam de ficar de cabeça para baixo e andar à roda para terem equilíbrio”

Os princípios usados na Casa da Praia poderiam ser aplicados nas escolas, levando as crianças a “exprimir-se, comunicar, organizar-se e emancipar-se”, mas isso implicaria mudanças nas escolas que o CNE entende que são difíceis de aplicar de uma forma generalizada nos estabelecimentos de ensino. Noutra perspetiva, os técnicos da Casa entendem que “o modelo está de tal modo rotinado que poderia ser replicado noutros pontos do país como resposta a determinadas situações de insucesso escolar”.

Escola da Ponte não tem turmas nem anos escolares desde os anos 1970

A Escola da Ponte foi criada por José Pacheco em 1976. O projeto Fazer a Ponte “foi inspirado no Movimento da Escola Moderna e sustenta-se, teoricamente, em Carl Rogers e a abordagem centrada na pessoa, Paulo Freire e a pedagogia crítica e Maria Montessori e o seu método que enfatiza a autonomia, a liberdade com limites e o respeito pelo desenvolvimento natural das capacidades físicas, sociais e psicológicas da criança”, lembra o relatório.

Os alunos da Escola da Ponte aprendem segundo a metodologia de trabalho de projeto, seja individualmente ou em grupo, mas sendo sempre eles que escolhem por onde querem começar e em que direção querem seguir. “A promoção da autonomia e da consciência cívica dos alunos é uma preocupação constante.”

Entrevista a José Pacheco. “Turmas? Isso é a pré-história da educação”

A escola não tem manuais pré-estabelecidos, o ensino não está organizado por anos ou ciclos e os alunos não são colocados em turmas. As metas curriculares não são aplicadas como noutras escolas, mas o currículo nacional é usado como referencial. “[O currículo] foi traduzido numa lista completa de competências/conteúdos descodificados para que todos os alunos os compreendam e que se encontra afixada em cada um dos diferentes espaços de trabalho.”

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