Não é Cais, é um autêntico Caos do Sodré. São dez e tal da noite de uma terça-feira mas a sensação, para quem atravessa a ‘Rua Cor de Rosa’, é a de um sábado. Está, literalmente, à pinha — apesar da chuva copiosa que se abateu sobre Lisboa. Há uma razão: é aqui que decorre a Night Summit, uma espécie de prolongamento da Web Summit noite dentro. Os empreendedores despem o fato e conversam de cerveja na mão, num ambiente mais descontraído. Para fazer negócios? Sim, às vezes. Mas este evento noturno é muito mais do que isso.
À porta de um dos bares mais movimentados da rua, Andreia é o centro das atenções. Morena, de olhos muitos azuis e lábios rubros, segura um chapéu de chuva preto à entrada, ao mesmo tempo que recebe os participantes, de sorriso no rosto. Nem sempre: está visivelmente incomodada com o alemão que já arrasta as palavras para lhe distribuir uns galanteios desajeitados. Pergunta-lhe o nome e tenta reproduzi-lo: “Andrrrrrreeeiaaa”. Ela lá vai tentando manter a elegância até que remata o assunto: “Isto é um bocado desconfortável para mim”. Fim de história.
Mas não de galanteios. A não mais que um metro, Andreia é tema de conversa para dois brasileiros que vieram de São Paulo de propósito para a Web Summit. “Aquela mulher é linda”, atira João na direção de Filipe. Ficam ali, à socapa, de copo na mão, à espera de uma oportunidade. Quando ela surge, zás! — João avança para o guarda-chuva de Andreia. Nem cinco minutos depois, volta, resignado. “Ela ficou brava comigo”, desabafa.
João é responsável por uma empresa brasileira que desenvolve projetos de consultoria com inteligência artificial e automação. Filipe criou uma aplicação que ajuda a tomar decisões bancárias. Apesar de virem do mesmo ponto do globo para o mesmo evento, não se conheciam. Isso aconteceu graças à informalidade da Night Summit. Do ponto de vista do negócio, missão cumprida: Filipe já tem agendada uma visita à empresa do novo amigo. “Vou ver se posso investir na empresa dele, ele pediu-me que o ajudasse no financiamento. A gente resolve tudo aqui na Web Summit“, explica João.
O empresário atravessou o Atlântico para o evento de tecnologia e empreendedorismo para “conhecer o ecossistema português e planear a expansão para a Europa”. Mas tanto ele como o amigo reconhecem estar interessados noutras experiências. “Lógico!”, responde Filipe quando questionado sobre se conhecer mulheres fazia parte do roteiro noturno. “Gostamos de mulheres, claro que queremos fazer outro tipo de conexões. Quer fazer parte?”, pergunta-me.
Em Lisboa às escondidas da mulher
Resolvo atravessar a rua rumo a outro bar. Lá dentro, Nuno (nome fictício) transita entre grupos. É também brasileiro. Está em Lisboa às escondidas da mulher e acompanhado de uma amiga com quem trabalhou no passado. Ele mora em São Paulo, a mulher no Recife — e ela não desconfia que o marido cruzou o oceano rumo a Lisboa. “São relações destas que duram a vida toda!”, assegura, enquanto mete conversa com Olívia, também brasileira mas a morar em Londres.
Nuno é investidor e veio à Web Summit para procurar empresas para investir. Mas, ao contrário do que acontece com a generalidade dos participantes, que gostam de exibir a sua credencial do evento, Nuno tem a sua guardada no bolso direito do casaco. É algo comum entre os investidores, que o fazem para afastar os pedidos constantes de financiamento. “Se andasse com ela, as pessoas pensavam que eu tinha muito dinheiro e não largavam do meu pé”, assume.
Ainda assim, a viagem está a ser proveitosa. Na retina, ficaram-lhe duas startups, onde pensa investir mais tarde. Uma é a Peer2Beer, um marketplace que conecta empresas de cerveja artesanal aos seus consumidores — “é uma área difícil, mas tem um modelo muito interessante”, diz. A outra é a Building Too, uma app de construção civil que faz a gestão de projetos para reduzir os custos de produção. “Sou investidor de um negócio parecido no Brasil e já pus as duas empresas em contacto”, explica.
Os homens de negócios
Luís caminha de cabeça levantada entre a multidão. Aos 32 anos, é fundador da Pet Universal, uma startup que faz software de gestão para clínicas veterinárias. Foi programador na PT mas, há três anos, despediu-se para criar um projeto pessoal. Diz ganhar “três vezes menos” agora, mas está mais realizado. Os objetivos são precisos: “Quero vender isto daqui a uns sete ou oito anos e ficar milionário”.
Até lá, vai deambulando pela ‘Rua Cor de Rosa’ em busca de contactos. Caminha desinibido — foi assim que, na primeira edição do evento, conseguiu o primeiro investidor da sua empresa. Passados dois anos, e depois da expansão para Espanha e Brasil, procura novos parceiros de negócio. Avança sobre um grupo de dois homens e duas mulheres e dirige-se ao francês Justin:
— Olá, sou o Luís. Quero conhecer o máximo de empreendedores que puder, eu próprio sou um empreendedor e queria conhecer pessoas novas.
— Ah, boa! Não somos uma startup, somos uma agência sediada na Bretanha, em França. Fazemos ‘inbound marketing’, uma nova metodologia para fazer marketing. Somos especializados num software que se chama Hubspot.
— Eu tenho a minha companhia que faz software para veterinários. É uma plataforma que gere tudo o que eles têm de fazer nas clínicas no seu trabalho diário. Se bem percebi, se eu quero estar online e vender o meu produto aos veterinários, vocês podem ajudar-me.
— Exatamente! O software é só uma ferramenta, mas é uma ferramenta complexa. Por isso, para usá-la perfeitamente, vais precisar de uma agência para te ajudar.
— E podes dar-me algumas dicas básicas?
— Posso aconselhar-te a mergulhar no SEO, por exemplo. Todas as partes técnicas do site são muito importantes, é fundamental que o site corra muito bem. A Google olha muito para isso, por exemplo. O site tem de ser responsivo, muito rápido e seguro. Há muitos sites que não são seguros e isso é uma das primeiras coisas que sugerimos aos nossos clientes que melhorem.
No final, cartões de visita trocados e um contacto para o futuro. “O networking é a melhor coisa a fazer”, explica o francês, pela primeira vez na Web Summit. Considera que o balanço é positivo e conta que já estabeleceu contacto com algumas startups francesas, com as quais pensa poder trabalhar no futuro. A Night Summit, garante, é apenas para conhecer pessoas com quem fazer negócios — mas lá segue, rua fora, com o irmão e mais duas francesas de poucas palavras que conheceram na noite anterior.
“A Night Summit hoje tem o problema da chuva, acho que não vai acontecer tanta coisa”, sentencia Luís, que esteve em todas as edições lisboetas. “Na Night Summit conhecemos muitas startups, porque andamos pela rua, metemos conversa, e às vezes conseguem-se umas coisas giras. Podemos ter sorte de aparecer um investidor que esteja mais bem disposto”, atira. “O problema é que as pessoas vêm com um espírito muito profissional e muito focadas no negócio, mas só até às 11 da noite. Depois do segundo ou terceiro copo a coisa descamba”.
“A app da Web Summit é como o Tinder”
Foi o que aconteceu noutra ponta da rua, com Rachel Chang. A noite já vai longa, só a chuva é que continua a cair, inclemente. Os grupos amontoam-se debaixo dos toldos dos bares e de repente as pessoas já são uma amálgama: turistas apanhados no meio da confusão, estudantes lisboetas que vêm picar o ponto ao Cais, vendedores de ocasião (e a ocasião são os chapéus de chuva) e adeptos do Ajax, que vieram a Lisboa ver o jogo com o Benfica — e que cantam a plenos pulmões, embalados pelo álcool, um cântico do qual só se percebe o final: “Amsterdam, Amsterdam, Amsterdam!”. O avançar da noite vai desenhando uma trajetória ziguezagueante em muitas das pessoas.
Mas voltemos a Rachel. A norte-americana, investidora de Dallas, conta, indignada, a abordagem que recebeu de outro participante da Web Summit. “Entrei num bar, estava à pinha e um homem passou por mim, agarrou-me no braço, pára e diz-me: ‘Onde vais dormir esta noite?'”. A resposta saiu-lhe pronta: “Não aqui ou contigo”. E veio embora. Mas a insistência continuou. “Ele chegou cá fora e assobiou-me para que voltasse para trás. Mas não ia acontecer”, diz.
É a primeira vez em Portugal e na Web Summit. Acredita que o evento noturno é “um mix entre trabalho e engate” e diz-se desconfortável com as abordagens que tem recebido. “Tenho notado que no mundo das startups não há tanta regulação no comportamento como no mercado tradicional e eu venho de um mundo muito corporate. É como o ambiente da faculdade, não há regras e isso às vezes complica um pouco os contactos”, assume. “Se eu trabalhar numa empresa, sair à noite e atirar-me aos meus colegas de trabalho, vou ter medo de perder o meu emprego. Mas no mundo das startups tu és o teu próprio patrão, por isso não controlas tanto os comportamentos”.
Por isso fica encostada a uma das paredes da ‘Rua Cor de Rosa’. Por ali passou, minutos antes, um grupo de espanhóis, donos de uma app que guia o utilizador a uma lista de restaurantes, lojas e outras atrações com acesso a descontos nesses espaços. Enquanto Pablo se esgueira entrelaçado a outra espanhola que acabou de conhecer, Sergio explica que está ali para “fazer negócios e conhecer raparigas”. Logo depois, recua ligeiramente. “Não vejo raparigas e rapazes, vejo pessoas”.
“Estou aqui para os negócios, mas quero divertir-me. É compatível fazer negócios e divertir-me”, sublinha. Pelo meio, admite que já conheceu três mulheres naquela noite — uma de Malta, outra italiana e outra ainda portuguesa. As três registadas na app da Web Summit — “que é como o Tinder para negócios”, explica. “Fazemos o scan do QR Code que temos nas credenciais, ficamos com o contacto das pessoas e podemos falar no chat“, explica. “Falamos, conhecemo-nos. Vamos ver o que acontece depois”.