A notícia da demissão de Tiago Mayan Gonçalves por falsificação de assinaturas caiu com estrondo no movimento “Unidos pelo Liberalismo”. De um segundo para o outro, a oposição interna da Iniciativa Liberal ficou sem o seu rosto mais conhecido, sem candidato à liderança do partido e com um enigma nas mãos: é melhor substituir Mayan ou evitar uma corrida eleitoral após uma polémica desta dimensão? As opiniões dentro do movimento dividem-se, mas o Observador sabe que vai ser apresentado um novo nome para disputar a liderança frente a uma provável recandidatura de Rui Rocha.
Num comunicado enviado aos membros e simpatizantes da IL, a que o Observador teve acesso, o movimento “Unidos pelo Liberalismo” assume que, apesar da saída de Mayan Gonçalves, a decisão aponta para o desejo de manter uma oposição na próxima convenção: “Mantemos a posição de que uma candidatura à liderança da Iniciativa Liberal forte e carismática, verdadeiramente liberal e capaz de reformar Portugal é necessária e seguiremos o nosso caminho adiante com o movimento, procurando recuperar a confiança dos quase 500 subscritores deste nosso manifesto.”
Neste momento a questão prende-se com o nome da pessoa que a oposição interna vai apresentar. Fonte do movimento assegurou ao Observador que ainda não há um nome fechado e alertou para a dificuldade do processo. Durante as últimas horas foram sondadas algumas pessoas, mas sem sucesso. E, perante as várias negas, é possível que a escolha tenha de ser feita entre o núcleo que era mais próximo de Mayan,
No entanto, e segundo o que fontes do movimento que se quer alternativo à liderança de Rui Rocha confirmaram ao Observador, até agora, nenhuma das pessoas do núcleo duro se mostrou disponível para avançar. Na visão de vários membros, a imagem de Tiago Mayan “prejudica” o próprio o movimento, pelo que há quem tenha receio de ficar associado à polémica ao decidir substituir o ex-líder.
A equipa encabeçada por Tiago Mayan Gonçalves estava fechada, ia ser apresentada na próxima semana, em Lisboa. O projeto, que foi apresentado em abril (e que prometia “refundar a IL”), ia finalmente ter a possibilidade de enfrentar novamente a corrente da liderança. Ainda que dentro da oposição se recusem comparações com Carla Castro, a verdade é que Mayan Gonçalves foi a tábua de salvação encontrada dentro do partido, o homem escolhido para voltar a dar voz aos desalinhados.
Mesmo sem garantias de vitória, a candidatura de Mayan Gonçalves, que tem no currículo uma interessante corrida presidencial, tinha alguma margem para fazer estragos, até porque, há quase dois anos, a convenção do partido mostrou uma Iniciativa Liberal partida praticamente a meio. Essa divisão era a esperança para o próximo frente a frente, depois de umas legislativas mal conseguidas e de umas eleições europeias que trouxeram um bom resultado sobretudo às custas de João Cotrim Figueiredo — o que acentuou a ideia de que Rui Rocha talvez não seja o líder e o candidato mais popular que a IL tem para oferecer ao mercado.
Agora, as mais recentes notícias trocaram as voltas à oposição interna. Desde logo, porque aquele que sempre foi considerado o maior trunfo de Mayan — o mediatismo — é hoje a maior fragilidade do movimento, já que não há ninguém que tenha a visibilidade pública que o antigo candidato presidencial ganhou nos últimos anos. Assim, os desalinhados não só ficaram órfãos de líder, como devem avançar com um candidato que é um perfeito desconhecido do espaço mediático e que terá necessariamente de se dar a conhecer em poucos meses.
As opiniões dividem-se, mas ninguém acredita na vitória
Apesar de já haver uma decisão final transmitida em comunicado interno, dentro do movimento “Unidos pelo Liberalismo”, as opiniões divergem e nem todos acreditam que forçar uma candidatura seja a melhor opção. “Não temos ninguém que se aproxime da exposição pública do Tiago Mayan. Temos muita gente competente em diversas áreas, mas que o país não conhece. Por outro lado, a marca do movimento fica afetada e não é capaz de dar a mesma confiança aos membros da IL. Não existem candidaturas sem um candidato forte e essa será agora a tarefa mais difícil”, explica um dos membros do movimento ao Observador.
“O movimento está dividido e duvido que tenha capacidade de avançar com uma candidatura à Comissão Executiva”, desabafava a mesma fonte, ciente de que “o caminho fica livre para Rui Rocha”. Mais do que isso, alerta-se para o facto de toda esta polémica complicar as contas na convenção: “Não acredito que com o que se passou com o Tiago Mayan seja possível ir buscar votos fora do movimento, pelo menos os necessários para a liderança estar em jogo na próxima convenção.”
Outro membro da oposição à corrente da liderança considera que “devia existir um movimento alternativo ao Rui Rocha”. Contudo, a mesma fonte reconhece que “o resultado desse movimento ia ser evidentemente fraco”. Ainda assim, defende que é “fundamental que haja uma voz alternativa” porque existe “muita gente insatisfeita com a gestão interna da IL”.
“Tinha que ser alguém a partir do zero praticamente. A ganhar notoriedade nas convenções e no contacto com os membros. Mas é um trabalho hercúleo”, acrescenta, deixando claro que a margem para o fazer é demasiado curta, e sublinhando que não há “nenhuma hipótese” de vitória — mesmo que ainda não conheça o nome.
Um outro liberal do movimento refere que um dos problemas do movimento “sempre foi não ter gente com visibilidade pública para além do Tiago Mayan” e, tendo em conta a “frustração” e “desilução” criada com a demissão, há quem considere difícil que o movimento se consiga “refundar para deslocar da imagem dele” e começar do zero.
Movimento demarca-se de Mayan e vai prestar esclarecimentos
O movimento “Unidos pelo Liberalismo” marcou uma conferência de imprensa para este sábado, no Café Ceuta, no Porto, prestar esclarecimentos sobre a situação que envolve Tiago Mayan Gonçalves, sendo que já tinha um evento marcado para o local antes da polémica.
No comunicado interno, os responsáveis pelo movimento garantiram que tinham um “total desconhecimento de qualquer informação relacionada com qualquer uma das situações que agora vieram a público” e repudiaram as ações de Tiago Mayan Gonçalves, que assumiu ter falsificado o documento. Frisando que a candidatura em causa “deixou de ser uma realidade”, o movimento recorda que há “centenas de voluntários” envolvidos, pelo que mantêm a posição de uma candidatura à liderança da IL é “necessária”.
O evento no Porto — no qual Mayan disse que iria estar presente apesar do sucedido — é visto como fundamental para medir o pulso aos liberais que apoiam o movimento, já que o sentimento de desilusão e frustração tomou conta de vários membros da IL, o que assusta alguns dos responsáveis do movimento. Agora, sem Tiago Mayan Gonçalves, a própria oposição reconhece que perdeu força, que está fragilizada, mas não está disponível para atirar a toalha ao chão e perder o que foi construído nos últimos meses, provavelmente a pensar no futuro a longo prazo.
Mayan falsificou documento e pode ser expulso da IL
No início de toda a polémica estão falsas assinaturas num documento oficial da Junta da União das Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, nomeadamente a ata da reunião do júri do Fundo de Apoio ao Associativismo Portuense, de 16 de setembro, que terá sido elaborada e falsificada pelo por Mayan Gonçalves — que assumiu.
As suspeitas tiveram início numa reunião online, em que Mayan foi questionado sobre os prazos para as pronúncias de audiência prévia e revelou que teria enviado a “minuta do referido relatório há 15 dias por e-mail” e, “perante a tentativa de passagem do ónus da responsabilidade ao júri”, foi decidido marcar uma reunião presencial.
Na ata da reunião da junta de freguesia que o Observador teve acesso, datada de 4 de novembro, e que foi pedida pelo júri é assegurado que este não elaborou a data, não tampouco a assinou, concluindo tratar-se de um “documento falso com assinaturas apostas por outra pessoa”.
Perante a verificação de “todos os documentos em pasta partilhada no servidor da junta”, o júri constatou a existência de uma ata “cujo teor responsabiliza o júri pelo pedido de dispensa de audiência previa, imputando exigências de cumprimento de prazos impostas pelo município”.
“Nesta reunião [de dia 16 de setembro], sendo confrontado com o referido documento, foi solicitado o esclarecimento, tendo o presidente da UF [União de Freguesias] confirmado que foi ele que elaborou o documento e colocou as assinaturas, atribuindo a si próprio tal responsabilidade, isentando de qualquer culpa todos os restantes membros do seu executivo e colaboradores”, pode ler-se no documento.
Na manhã seguinte à polémica, o partido multiplicou-se em críticas. Começou por Rui Rocha, que considerou as condutas “inaceitáveis” e “graves” e anunciou já abertura de um processo disciplinar no sentido de “apurar as responsabilidades e as consequências” que uma conduta desta natureza. E reconheceu que, no limite, pode estar em causa a “expulsão” do partido.
Também o deputado e vice-presidente Bernardo Blanco sublinhou que “um membro da Iniciativa Liberal que comete tal crime só pode ser expulso”. “Fez bem em admitir e demitir-se. A pessoa em causa era a cara da oposição interna contra a liderança atual. Estou certo que os poucos que o apoiavam nada têm que ver com esta situação. Não há culpa por associação num partido liberal”, escreveu nas redes sociais.
Carlos Guimarães Pinto, ex-presidente da IL e deputado, veio pedir a Mayan Gonçalves que saia pelo “próprio pé”. “Repúdio e, acima de tudo, desilusão por alguém que teve a honra de ter sido o primeiro candidato presidencial apoiado pelo partido. Que o Tiago Mayan proteja a imagem do partido que ajudou a fundar saindo pelo próprio pé, e que, após cumprir a punição adequada aos atos que confessou, recomponha a sua vida fora da política. Um abraço à sua família que deve também estar a passar por um mau momento”, escreveu o antigo líder da IL nas redes sociais.
Tiago Mayan repensa candidatura à IL após demissão da presidência de junta por falsificar documento