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Imagem do primeiro concerto da Orquestra, a 22 de outubro de 1962
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Imagem do primeiro concerto da Orquestra, a 22 de outubro de 1962

Artur Costa de Macedo

Imagem do primeiro concerto da Orquestra, a 22 de outubro de 1962

Artur Costa de Macedo

Orquestra Gulbenkian: dos primeiros ensaios às digressões pelo mundo, um palco com 60 anos

Foi a 22 de outubro de 62 que aconteceu o primeiro concerto. Este domingo, estão abertas portas para as visitas e é apresentado um concerto especial. Contamos a história da Orquestra Gulbenkian.

Aos 28 anos, a trompista norte-americana Antonia Chandler é a instrumentista mais recente a entrar na formação da Orquestra Gulbenkian. Não tem sequer metade da idade da efeméride que se celebra por estes dias: os 60 anos da orquestra da Fundação Calouste Gulbenkian, criada em 1962. Há um ano, estava detrás de uma cortina – sem cara, nem nacionalidade que a distinguisse dos restantes – na audição que a traria até Lisboa. Tocou várias peças, em três momentos diferentes. Na última delas recebeu a resposta que desejava: juntava-se, a partir dali, ao grupo de cerca de 60 músicos que compõem este importante agrupamento musical, cuja história é reflexo também da evolução do país nas últimas décadas.

Para uma jovem instrumentista como Antonia, que estudara trompa desde a infância, a oportunidade de ingressar numa orquestra de topo está sempre na lista de prioridades. Depois de um período em Londres, na Grã-Bretanha, o anúncio de audições foi decisivo. Afinal, esta foi – e aqui está parte do segredo por detrás da sua ligação a Portugal – a orquestra onde a sua mãe foi também música, violoncelista, na década de 1980. “Não conhecia Portugal, tinha estado apenas uma vez. Mas os meus pais, ambos americanos, conhecerem-se em Lisboa”, conta. Dada a oportunidade, a jovem de Seattle não hesitou na hora de tentar a sua sorte. “Esta orquestra e este país já estavam, afinal, na minha história de família, até porque descobri que já sou a quarta geração da família que passou por Lisboa. No passado, os meus bisavós que eram missionários do Canadá também estiveram aqui”. Está no seu primeiro ano e depois de uns meses à experiência, passou em definitivo a integrar o elenco que, atualmente, chega a dar mais de 80 concertos por temporada.

Os primeiros passos são sempre complicados, reflete em voz alta, acompanhada na mesma mesa por Alexandra Mendes, violinista da Orquestra Gulbenkian, desde 1981. Por oposição a Antonia, que entrou recentemente, Alexandra é neste momento a instrumentista mais antiga da formação. Entre as duas estão décadas de diferença e de história, reflexo não só das diferentes idades e origens que compõem a orquestra desde a sua criação, mas também um sinal de que, como diz Alexandra, “integramos um organismo que se mantém muito vivo”. Recorda que no tempo em que entrou na orquestra, se iniciava um período de grande vivacidade artística na fundação, sobretudo pela direção levada à cabo por Madalena Perdigão, cujo o centenário será, certamente, um dos momentos altos da Gulbenkian no próximo ano.

“A lógica do que é uma orquestra não se alterou ao longo dos anos. O que se alterou bastante foram as metodologias de trabalho, sobretudo para quem organiza"

Jorge Carmona

“Isto era um oásis em termos artísticos pelos três agrupamentos que conjugava: a orquestra, o coro e a companhia de ballet, com uma boa estrutura do ponto de vista financeiro”, sublinha Alexandra. Influenciada pelo seu pai que foi contrabaixista na Orquestra da Emissora Nacional e da Banda da Guarda Nacional Republicana, a incursão na música começou igualmente cedo. “Andei na Academia de Música de Santa Cecília, que ainda hoje conjuga a componente musical com a académica e depois passei a integrar a Orquestra Juvenil Portuguesa, o que também motivou a vontade de continuar”. Mas foi através de uma bolsa da Gulbenkian – que já nessa época atribuía em diversas áreas de criação artística e investigação científica – que teve oportunidade de prosseguir os estudos na Suíça. “Regressei em 1981 e a fundação gostava sempre que esses músicos que apoia com bolsas tivessem a oportunidade de vir a integrar a formação da orquestra. E foi isso mesmo que aconteceu”, explica.

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Dos bastidores ao palco

O dia-a-dia da Orquestra Gulbenkian é preenchido de ensaios. Por estes dias fazem-se as últimas anotações nas pautas e ensaiam-se peças de Johannes Brahms. O programa iniciado esta passada sexta-feira, sucede-se também no sábado e no domingo. Tocam a Sinfonia n.º 3 do compositor alemão, mas também Sonata para Clarinete n.º 1, com a participação especial do clarinetista principal da Orquestra Filarmónica de Berlim, Andreas Ottensamer. O programa, completo, com “Agnus Dei”, de Peteris Vasks, levará a orquestra em digressão pela Europa, onde atuarão, entre outras salas, na Musikverein, em Viena, Isarphilharmonie, em Munique, e na Kölner Philharmonie, em Colónia, sob a direção do maestro convidado Lorenzo Viotti.

Nos bastidores decorrem os preparativos para os espetáculos, onde chegam a trabalhar mais de 150 pessoas numa produção pensada ao detalhe. É nesse aspeto que entra o trabalho árduo e minucioso do coordenador da Orquestra Gulbenkian, António Gonçalves, que ali trabalha há praticamente quatro décadas. “É responsabilidade do coordenador implementar a programação. Tudo o que é necessário do ponto de vista logístico, ensaios e colaboração com artistas convidados. Tudo aquilo que permite, no fundo, pôr os concertos no palco”, realça. Já passou pelos 50 anos, mas a data que se celebra em 2022 acaba por ser igualmente importante. A orquestra tem atualmente um papel essencial na temporada de música da Fundação Calouste Gulbenkian que, praticamente, desde o seu início tem trazido a Portugal alguns dos maiores criadores contemporâneas no campo da música clássica e erudita.

“A lógica do que é uma orquestra não se alterou ao longo dos anos: é um conjunto de músicos que tocam instrumentos acústicos, com partitura e que acompanham o repertório que lhes é pedido. O que se alterou bastante foram as metodologias de trabalho, sobretudo para quem organiza”, diz o coordenador da orquestra, António Gonçalves.

“60 anos de orquestra simboliza o grande investimento que tem sido feito pela fundação. Nós assistimos, por esse mundo fora, a cidades que suportam as suas próprias orquestras, onde os habitantes têm orgulho em poder dizer que têm uma orquestra. Em Portugal, a Gulbenkian tem suportado um organismo desta qualidade, permitindo que o país possa fruir com grandes obras de reportório, mesmo sendo um organismo privado”, sintetiza. Com mais de dez nacionalidade diferentes presentes no seu elenco e idades muito variadas, o coordenador não deixa de refletir sobre esta efeméride como prova de que o país também evoluiu no campo do ensino musical e artístico. “Há trinta anos cheguei a imaginar o meu futuro numa orquestra de estrangeiros, porque os músicos portugueses raramente ganhavam uma audição. Mas, entretanto, com a evolução no país no ensino musical e a vinda de músicos de leste para os nossos conservatórios, bem como a criação de escolas profissionais, os portugueses começaram a ganhar as audições. E isso tem acontecido cada vez com mais regularidade.”

É uma evolução que se traduz atualmente num conjunto de músicos com grande sentido interpretativo, que se adapta tanto a um repertório clássico, barroco ou romântico, como às peças mais contemporâneas de compositores como Olivier Messiaen, Karlheinz Stockhausen ou Iánnis Xenákis, este último bem presente no programa da atual temporada, a propósito do seu centenário. Sobre o programa aberto que se este celebra domingo, 16 de outubro, António Gonçalves acredita que é uma forma de dar a conhecer melhor o que implica a produção de uma orquestra na atualidade e como forma de evidenciar o espírito coletivo que fazem com que esta possa durar tantas décadas, mantendo um nível de qualidade e de excelência.

O dia-a-dia da Orquestra Gulbenkian é preenchido de ensaios. Por estes dias fazem-se as últimas anotações nas pautas e ensaiam-se peças de Johannes Brahms

PEDRO PINA

“A lógica do que é uma orquestra não se alterou ao longo dos anos: é um conjunto de músicos que tocam instrumentos acústicos, com partitura e que acompanham o repertório que lhes é pedido. O que se alterou bastante foram as metodologias de trabalho, sobretudo para quem organiza”, sublinha. Entre as muitas memórias, recorda a digressão de um mês na Índia em 1985, num tempo em que a preparação logística era bem mais complicada, desde logo pela falta de ferramentas de trabalho que facilitassem todo o processo que isso envolve. “Olhando para trás nem sei como foi possível. Tinha de fazer as listas à mão ou à máquina de escrever para que tudo pudesse correr bem. Isto para dizer que a digitalização também chegou às orquestras. Quando se trabalha com um organismo grande de pessoas a comunicação é essencial.” Também é esse lado moderno que se pretende dar a conhecer no domingo. Um olhar para o passado, mas com todos os traços de um futuro que já chegou à instituição, sediada em Lisboa.

1.200 contos para uma orquestra com missão

Criada em 1962, a orquestra era inicialmente constituída apenas por 12 instrumentistas de arco e um cravista, assumindo o nome de Orquestra de Câmara Gulbenkian. Num relatório do Presidente da Fundação à época José de Azeredo Perdigão, salienta-se a sua missão com o “intuito de dotar a vida musical portuguesa de um conjunto instrumental autónomo, que pudesse contribuir, de maneira efetiva e regular, para a difusão da cultura musical, principalmente entre os jovens e em certos meios da província menos preparados para este género de realizações artísticas”. (in II Relatório do Presidente: 1 de janeiro de 1960 / 31 de dezembro de 1962).

A estreia aconteceu a 22 de outubro de 1962, num concerto realizado no Teatro Nacional D. Maria II, no âmbito das comemorações do centenário de Claude Debussy. Coube ao primeiro maestro titular, o italiano Lamberto Baldi preparar, apenas com seis meses de antecedência, a primeira apresentação pública, que o próprio dirigiu perante uma sala esgotada. Seguir-se-ia uma série de concertos dedicada a estudantes pré-universitários, desta vez contando também com a colaboração do maestro Pierre Salzmann.

Em 1965, para a editora Philips, surge o primeiro registo fonográfico, que reúne música compositores portugueses dos séculos XVIII – Carlos Seixas, João de Sousa Carvalho e Cordeiro da Silva --, sob a direcção do maestro Renato Ruotolo.

Os primeiros meses de atividade foram, desde logo, intensos com diferentes intervenções e colaborações. Entre outras, a orquestra colaborou com o Grupo Experimental de Ópera de Câmara, intervindo nas produções de “Livietta” e “Tracollo”, de Pergolesi, e “O Telefone”, de Menotti, participou em diversas séries de espetáculos musicais, como os organizados pelo Círculo de Cultura Musical ou integrados no VII Festival Gulbenkian de Música, e também nas comemorações das bodas de prata da Igreja de Nossa Senhora de Fátima. O seu primeiro orçamento, dotado com 1.200 contos (cerca de 6.000 euros), não chegou a atingir metade da verba disponibilizada.

Nesses primeiros anos, salienta-se ainda as primeiras gravações. Em 1965, para a editora Philips, surge o primeiro registo fonográfico, que reúne música compositores portugueses dos séculos XVIII – Carlos Seixas, João de Sousa Carvalho e Cordeiro da Silva –, sob a direcção do maestro Renato Ruotolo. Além da contribuição para o alargamento da discografia da música portuguesa, este registo constituiu igualmente um triunfo além-fronteiras, ao conquistar, em 1967, o prestigiado galardão da Académie du Disque Français, o Grand Prix du Disque.

Já com a inauguração dos novos edifícios da sede e do Museu Gulbenkian em 1969, a Fundação passou a dispor de uma sala de espetáculos com capacidade para cerca de 1200 pessoas, assim como toda uma com série de espaços e condições que proporcionavam uma maior comodidade e eficácia na preparação dos espetáculos. Nesse período, a fundação alarga consideravelmente a sua atividade no domínio da organização de concertos e a orquestra, já depois de aumentar o seu número de instrumentistas para 37, passa a denominar-se simplesmente Orquestra Gulbenkian.

A estreia aconteceu a 22 de outubro de 1962, num concerto realizado no Teatro Nacional D. Maria II, no âmbito das comemorações do centenário de Claude Debussy

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Sem perder a sua função descentralizadora, com muitos concertos dados aos longos dos anos de Norte a Sul do país, a orquestra ganha, paralelamente, prestígio a nível internacional. Foram as décadas que lhe permitiram encontrar uma identidade e chegar ao modelo de funcionamento que ainda hoje se conhece, com os seus 60 músicos.

60 anos a olhar para o futuro

Ao longo de seis décadas criaram-se raízes significativas que ajudam a explicar a importância do trabalho da fundação no plano artístico. Essas mesmas raízes são preponderantes na hora de pensar no programa musical de cada temporada, desenhada pelo atual diretor da Gulbenkian Música, Risto Nieminen. “É uma das componentes mais importantes da fundação. A orquestra é uma marca desta casa e tenta apresentar o melhor da música erudita e clássica”, realça ao Observador.

Não deixa, no entanto, de sublinhar o facto de se tratar de uma orquestra privada, num país com poucas orquestras profissionais por comparação com outros países europeus, dada também a sua escala mais reduzida. “Tem essa característica de ser uma orquestra privada, o que não é assim tão comum”, vinca, destacando a ligação a diversas redes internacionais, que permitem a sua contínua internacionalização. “Temos muita sorte em ter uma orquestra desta qualidade, que também dá a conhecer o país lá fora”, acrescenta.

“60 anos é uma vida, uma aprendizagem enorme. Faz de nós pessoas mais tolerantes. No mundo em que vivemos, o facto de termos na música uma forma de encontrar uma paz de espírito, só pode ser visto com uma grande riqueza. O melhor disso tudo é que o fazemos e esperamos continuar a fazer numa linguagem universal”

É muito desse espírito que se imprime na hora de fazer as escolhas para cada temporada, algo que também se pretende dar a conhecer a propósito da efeméride. “É um trabalho de equipa. Falo com o responsável da orquestra e os restantes colegas e tentamos fazer com que cada temporada seja de alto nível e variável. Muito facilmente, há a ideia de se fazer uma sinfonia de Beethoven ou Mozart que atrai muita gente, mas depois há também que se construir um programa com concertos que possam trazer algo de novo e um sentido de descoberta.”

Nos últimos anos, a inserção de ensaios abertos e concertos de domingo, comentados em ambiente descontraído e pensados para serem fruídos em família, acentuaram o carácter mais aberto e inclusivo da própria Fundação Calouste Gulbenkian. “Queremos que seja uma casa aberta ao futuro e abrir a orquestra para poder explicar às pessoas o que é, como funciona, dar a conhecer o que está por dentro. Mostrar que todos estes músicos são, afinal de contas, pessoas normais. Olhamos para a orquestra como algo bonito e significativo e queremos que mais pessoas possam também usufruir e partilhar desse apreço”, completa.

"60 anos é uma vida, uma aprendizagem enorme. Faz de nós pessoas mais tolerantes"

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De regresso à sala de ensaios, onde Alexandra e Antonia se preparam para o próximo espetáculo, impõem-se a questão sobre qual é afinal o perfil desta orquestra. “Temos um conjunto de músicos muito flexível. Adaptamo-nos com alguma facilidade aquilo que nos é pedido em termos interpretativos. Em pouco tempo e desde que haja uma boa comunicação, a orquestra entrega-se”, afirma. Por seu lado, Antonia Chandler recorda que antes das audições escutou algumas das gravações da orquestra e que lhe interessou o facto de não reconhecer um padrão musical, algo que a surpreendeu pela positiva, bem como “o facto desta orquestra fazer parte de uma instituição maior por si só e abargante em várias áreas”. “Não é uma ilha, não fazem apenas uma coisa e isso é importante”, destaca.

Para as duas instrumentistas é hora de se ultimar detalhes e afinar instrumentos, mas não sem antes deixaram uma nota no ar, que espelha bem o legado de uma orquestra que já gravou mais de 70 discos e atuou ao lado de alguns dos maiores intérpretes no mundo da música, em mais de 35 países. “60 anos é uma vida, uma aprendizagem enorme. Faz de nós pessoas mais tolerantes. No mundo em que vivemos, o facto de termos na música uma forma de encontrar uma paz de espírito, só pode ser visto com uma grande riqueza. O melhor disso tudo é que o fazemos e esperamos continuar a fazer numa linguagem universal”.

Entre as atividades previstas para este domingo, dia 16 de outubro, a partir das 14h00, incluem-se visitas aos bastidores do Grande Auditório da fundação, aos arquivos da orquestra, camarins dos músicos e às áreas técnicas. O programa celebrativo inclui também um ateliê para crianças de “exploração sensorial, sonora e criativa” e uma “curta aula de formação musical dirigida a todas as pessoas, com ou sem conhecimentos musicais”, intitulada “Código Secreto dos Músicos”. O dia encerra com o concerto comemorativo, às 19h,  sob a direção do maestro Lorenzo Viotti, no Grande Auditório.

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