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© Máxima/Branislav Šimončík

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Os altos, os baixos e a vontade de abrandar. Os 65 anos de Manuel Luís Goucha

Estreou-se na apresentação há mais de três décadas, sem teleponto e na expectativa de se tornar conhecido. Aos 65 anos, Manuel Luís Goucha é o Senhor Televisão — mas com vontade de abrandar o ritmo.

Não há um único português que nunca tenha visto Manuel Luís Goucha na televisão — mas a sua carreira, que começou há cerca de quatro décadas, nem sempre se desenrolou à frente das câmaras. Começou pelo teatro numa busca por fama e visibilidade, como o próprio já reconheceu publicamente. Durante anos, a figura franzina e o bigode foram as imagens de marca de um comunicador versátil. O começo foi na RTP, já depois do teatro, usando os conhecimentos em gastronomia para conduzir programas como “Gostosuras e Travessuras” e “Sebastião Come Tudo”, formatos dos anos 80 que levavam a culinária ao público infantil.

No talk show “Olha Que Dois”, partilhou o cenário com Teresa Guilherme, já nessa altura uma amiga de longa data. Durante anos, o público especulou sobre uma possível relação amorosa entre os dois, embora os laços nunca tenham passado de uma estreita amizade. Na década seguinte, o percurso na estação pública de televisão é interrompido por uma breve passagem pela TVI. Em “Momentos de Glória”, o estúdio megalómano e os convidados internacionais exigiram um autêntico mestre de cerimónias. Manuel Luís Goucha ficou aquém da grande produção e regressou à RTP após o fracasso no recém criado canal de Queluz de Baixo.

“Viva a Manhã” foi a primeira abordagem de Goucha ao formato que mais lhe marcou a carreira de apresentador. A dominar as manhãs da RTP, de segunda a sexta-feira, o programa rapidamente se redefiniu. Em 1995, estreia a “Praça da Alegria”, co-apresentado por Anabela Mota Ribeiro. Em 2002, regressa à TVI e assume as manhãs do canal. Com Cristina Ferreira, forma a dupla que permitiu à estação liderar as audiências nesse horário. Goucha mantém-se no programa até hoje. Continua a dispensar o teleponto, agora ao lado de Maria Cerqueira Gomes.

Outrora tido como o “cozinheiro”, as duas últimas décadas consagraram-no como o grande comunicador das manhãs em Portugal. Sem bigode, os blazers e fatos exuberantes vieram substituir o cartão de visita de outros tempos. Manuel Luís Goucha chega a 25 de dezembro aos 65 anos sem sinais exaustão, embora com uma vontade manifesta de abrandar o ritmo diário que lhe domina a agenda há praticamente 25 anos. Quem o conhece de perto diz que fará televisão enquanto quiser fazê-la. Ao mesmo tempo, é o próprio quem antecipa uma retirada das manhãs. A acontecer, o lugar que ocupará na grelha da TVI permanece incerto.

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Manuel Luís, o rapaz que queria ser conhecido

Manuel Luís Goucha nasceu no Dia de Natal de 1954, em Lisboa. A família não ficaria muito mais tempo na capital. Com apenas três anos, após a separação dos pais, mudou-se com a mãe e com o irmão para Coimbra, onde cresceu. Daí em diante, a mãe, Maria de Lourdes Sousa, uma mulher que descreve como arrojada para os padrões da época, foi o sustento da família. Trabalhava como manicure no Salão Azul. “A minha mãe não teve muito tempo para nos educar […] tinha de trabalhar muito. Lembro-me que, muitas vezes, saía de casa e eu ainda estava a dormir e entrava e eu já estava a dormir”, confidenciou o apresentador numa entrevista dada a Fátima Lopes, transmitida em dezembro do ano passado na TVI.

Do agregado familiar (que, na mesma entrevista, descreveu como “quatro gatos pingados”) fazia ainda parte a avó materna. Quanto ao resto da família, Manuel Luís Goucha não hesita em classificá-la como desestruturada — além dos pais, também os avós e tios se haviam separado. Dessa época, muitas memórias vieram do paladar, incluindo o arroz de bacalhau, prato que evita até hoje. O bichinho da cozinha começou aí. Nas primeiras experiências culinárias, Manuel Luís aprendeu a fazer bolos.

Manuel Luís Goucha em 1993, quando apresentava o programa "Momentos de Glória" na TVI

João Paulo Trindade / Lusa

Ainda em criança, costumava imaginar os seus próprios programas. Em frente à televisão, como se esta fosse a câmara que o filmava, saudava os espectadores e entrevistava convidados imaginários, “pessoas que não existiam” como já contou. “Sempre soube que seria apresentador de televisão. O meu sonho passava por ser conhecido. Havia aqui uma necessidade qualquer de afirmação”, revelou na mesma entrevista a Fátima Lopes.

Aos 17 anos, veio viver para Lisboa. Começou por trabalhar com um tio, irmão da mãe, no Gabinete Português de Medalhística. Saiu daí para ser vendedor na já extinta Livraria Portugal, no Chiado. Ao fim de oito meses foi despedido — diz que lia os livros em vez de os vender. Tinha 19 anos quando se dá a revolução, oportunidade que aproveitou para começar a pisar os palcos, com o surgimento de pequenas companhias de teatro independentes. “Lembro-me de ter ligado para o Pedro Pinheiro [ator e encenador], que estava a montar um teatro desmontável no topo do Parque Eduardo VII, e ofereci-me. Ele achou graça a este meu desplante e é por aí que começo, na peça ‘Avenida da Liberdade’, em 1975”, contou em entrevista.

Foi uma época de provações para Manuel Luís. Sem nunca ter pedido ajuda à família, viveu em quartos e houve dias em que um cacho de uvas foi a refeição possível. O reencontro com o pai aconteceu quando tinha 21 anos. Mesmo depois disso, nunca foram próximos. Os trabalhos como ator foram surgindo. Anos depois, foi escolhido para uma produção de Raul Solnado e Vasco Morgado Júnior, para o Teatro Villaret. “Fui despedido, o que foi ótimo”, revelou o apresentador em entrevista. Pouco tempo depois, recebeu um convite da RTP.

A culinária, o fracasso e o falso casamento com Teresa Guilherme

A aptidão para a cozinha começou a ganhar contornos profissionais. Enquanto especialista gastronómico, assinava críticas para “O Jornal”. Em 1983, lançou o livro “Em Banho-Manel”, com cerca de 250 receitas. Terá sido nessa fase que conheceu Teresa Guilherme. A empatia foi praticamente imediata. “Conheci-o numa festa que estava a promover, no [restaurante] Mónaco. Eu tinha uma empresa de eventos nessa altura, nenhum de nós era conhecido. Ele tinha ido por motivos gastronómicos. Encontrámo-nos uns dias depois para ele me dar o livro que tinha lançado. Começámos a ver-nos em jantares, tornámo-nos amigos de casa”, recorda Teresa Guilherme ao Observador.

A chegada de Goucha à televisão aconteceu entre receitas e crianças. “Circoflé” (onde entrava também o palhaço Batatinha), “Gostosuras e Travessuras”, “Sebastião come tudo”, “Portugal de Faca e Garfo” e “Sim ou Sopas” preencheram o currículo do apresentador no final da década de 80 e na entrada nos anos 90. Manuel Luís chegou mesmo a partilhar dicas e receitas numa rubrica semanal do programa “Eterno Feminino”, a estreia de Teresa Guilherme como apresentadora de televisão.

Da esquerda para a direita, Manuel Luís Goucha com Teresa Guilherme no programa "Olha que Dois", no programa "Portugal de Faca e Garfo" e na "Praça da Alegria", com Anabela Mota Ribeiro

Arquivo RTP

Em 1992, juntam-se para apresentar o talk show “Olha que Dois”, ainda na RTP 1. Se os rumores de que Teresa e Manuel Luís mantinham mais do que uma amizade já circulavam, com os dois juntos no ecrã, a especulação ganhou outras proporções. “As pessoas gostavam de nos ver juntos. Com o programa, isso bateu ainda mais, achavam que éramos namorados e que íamos casar. Nós achávamos graça porque era tudo muito carinhoso. Mandavam-nos cartinhas, coisas para o nosso enxoval, toalhas, guardanapos, peças bordadas”, conta a apresentadora.

A dupla separou-se, mas só no ecrã. Teresa seguiu para Carnaxide e Manuel Luís Goucha para Queluz de Baixo. Em “Momentos de Glória”, a grande produção da TVI, logo no primeiro ano do canal, contava com Carla Caldeira como co-apresentadora, uma orquestra em estúdio, plateia e convidados internacionais. Uma experiência que, mais tarde, o apresentador descreveu como um “fracasso” e um “desastre”. “Veio no tempo errado na minha vida”, referiu durante a entrevista de há um ano, a Fátima Lopes, acrescentando que o fraco desempenho do projeto coincidiu, na época, com o fim de uma relação amorosa de 11 anos.

A fase foi de depressão, com o apresentador a recorrer a terapia. Para tal, terão ainda contribuído as críticas de que foi alvo, em especial uma escrita pela socióloga Maria Filomena Mónica. “Tudo o que é Teresa Guilherme é genuíno e autêntico, em Manuel Luís Goucha é parvo, postiço e piroso”, recordou em mais do que uma entrevista, classificando a frase como “demolidora”. “Vinte anos depois, confrontei-a no programa de entrevistas ‘Controversos’. Ela disse-me: ‘Está a ver como eu era insuportável? Dizia estas coisas para me armar em importante'”, contou numa entrevista à revista Sábado, em 2014.

Goucha, o rei das manhãs

“Tive de começar do zero e isso foi voltar à RTP Porto e às manhãs. Foi aqui que percebi que a fama não pode ser o objetivo”, referiu na entrevista de dezembro de 2018. Em 1995, estreia a “Praça da Alegria” e Manuel Luís Goucha, ainda de bigode, surge ao lado de Anabela Mota Ribeiro na condução do programa. O à vontade e a popularidade do apresentador junto do público das manhãs evoluiu em crescendo. Durante sete anos, foi ele o rosto e a voz que ressaltou no ecrã.

“A minha impressão do Manel não mudou até hoje — é uma pessoa muito rigorosa, muito bem preparada. Faz as conversas como se fossem bolos, tem de estar tudo muito bem envolvido, tudo tem de fazer sentido”, assinala Hélder Reis, apresentador da RTP. De uma entrevista — na Praça da Alegria, precisamente — nasceu a amizade. Menos de dois anos depois, o apresentador convidava Hélder a juntar-se à equipa do programa, que ocupava as manhãs do primeiro canal. “O Manel vivia na Foz, fazíamos belas caminhadas à beira-mar, sempre a conversar. Até que me convidou para ser assistente na ‘Praça da Alegria’. Devo-lhe o princípio da minha carreira. Na televisão, deparei-me com um homem extremamente exigente. Trabalhar com ele foi uma lição de disciplina, de ordem e de sentido de responsabilidade. Mas sempre conseguimos separar muito bem a amizade do trabalho. Nunca nos chateámos”, explica o amigo e ex-colega ao Observador.

Em 2002, dividido entre o Porto e Lisboa, Manuel Luís Goucha aceita o convite de José Eduardo Moniz para ir para a TVI. Foi a segunda de duas tentativas, a primeira declinada pelo apresentador da estação pública de televisão. “Lembro-me de pedir muito a José Eduardo Moniz para tirar o Manel do Porto e trazê-lo para as manhãs da TVI”, recorda Teresa Guilherme. O pedido sortiu efeito e Goucha trocou os recibos verdes da RTP por um contrato de três anos em Queluz de Baixo, segundo o próprio, pelo mesmo valor. Estreou-se com “Olá, Portugal”, programa produzido por Teresa Guilherme e que começou por ser itinerante.

Manuel Luís Goucha apresenta o "Você na TV" há 15 anos

www.facebook.com/manuelluisgouchatvi

Para Hélder Reis, a saída do amigo foi uma oportunidade para assumir um maior relevo no programa. “A Sónia [Araújo] passou de assistente a apresentadora, eu comecei a ter oportunidade de fazer reportagens. Entrou o Jorge Gabriel”, relembra Hélder. “Acho que a nossa amizade até ficou mais forte com a ida dele para Lisboa. Ele é crítico do meu trabalho e eu do dele. Falamos muito de livros, de viagens e agora dos nossos projetos de agricultura”, continua.

Na TVI, foi preciso esperar cerca de dois anos até ver os números das audiências descolarem. Em 2004, estreia “Você na TV” e Goucha surge acompanhado por uma nova cara, Cristina Ferreira. “Um par brilhante”, como descreve Teresa Guilherme. “A Cristina teve o mérito de me desconstruir. Aprendi a aligeirar, a relativizar, a tirar partido da vida e divertir-me muito com aquilo que faço”, revelou o apresentador no ano passado. Quanto à saída da sua co-apresentadora para a SIC, Goucha admitiu a mossa, mas também o lado positivo dessa retirada. “Há ruturas que são importantes para que o lado que fica não fique inerte. Hoje, tenho de agradecer a saída da Cristina. Ganhei aqui uma força que talvez não tivesse ou que estava adormecida”, completou.

Cristina Ferreira foi, Maria Cerqueira Gomes veio. De segunda a sexta-feira, os dois trabalham para alcançar a mesma sintonia. “A nossa relação foi-se construindo no ar. As coisas não são imediatas — ele teve de se adaptar a mim e eu a ele, mas neste momento já nos percebemos muito bem”, afirma Maria Cerqueira Gomes ao Observador. Em janeiro deste ano, nasceu a nova parelha. Feitas as contas, 30 anos separam Maria de Manuel Luís e, mais do que um fosso, a experiência do veterano tem servido de escola para a antiga apresentadora do Porto Canal. “É muito interessante a forma como ele olha para o alinhamento do programa, como o entende, como conhece os timings como ninguém, como o pensa e reformula. Depois, a forma como se dá aos outros, essa capacidade é impressionante”, conclui Maria.

“Foquei-me na minha vida profissional. Descurei o lado social, o lado dos amigos. Foi uma opção de vida. Quis ser um grande apresentador de televisão. Foi este o objetivo desde os meus oito, nove anos. Foquei-me nisto e não me desviei”, revelou o apresentador em dezembro do ano passado. Em abril de 2018, Manuel Luís Goucha casou com Rui Oliveira, seu companheiro desde 1999.

Nos últimos anos, visitou outros formatos, dentro da TVI, fora das manhãs. Em 2018, assumiu a condução de duas edições do reality show “Secret Story”, programa que Teresa Guilherme garante ao Observador nunca ter visto — “nunca vi para não ter de dar opinião”. Numa entrevista dada ao Canal 11, em outubro deste ano, Manuel Luís Goucha mostrou vontade de abrandar, quando o atual contrato com a TVI chegar ao fim, em dezembro de 2022. “É muito claro na minha vida que eu já não quero fazer programas diários. Esta coisa de fazer três horas por dia é bom, muito agradável, mas depois são mais três horas a trabalhar em casa, não quero mais isso”, afirmou.

Aos 65 anos, Goucha está com um pé no Alentejo. À frente das câmaras, faz jus ao título de Senhor Televisão, sem teleponto, alheado de críticas e elogios. Aprendeu a ser assim, da mesma forma que percebeu que a fama nunca pode ser o objetivo de uma carreira. A questão é: como seria (ou como será) a televisão sem ele?

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