Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.
Chumbo, retenção, reprovação, repetição. No contexto das escolas, são verbos regulares e utilizados com frequência. Mas, no contexto das políticas públicas de educação, servem de motivo de discórdia. Sobretudo em Portugal, onde anualmente a discussão à volta dos chumbos regressa ciclicamente no período das avaliações. Seja porque algumas escolas se dizem pressionadas para passar alunos a todo o custo, mesmo quando acumulam demasiadas negativas. Seja porque o Conselho Nacional de Educação critica a cultura de retenção existente em Portugal. Seja porque há quem, no debate político, defenda que “chumbar é facilitar” e que, como tal, deveria haver menos reprovações. Seja porque, pelo contrário, outros na política consideram a reprovação um sinal de qualidade e exigência do sistema educativo.
Pretextos para debates não faltam. Mas parece faltar alguma serenidade a este debate, que ganharia em livrar-se da contaminação ideológica e assentar nos dados empíricos. Afinal, do ponto de vista das políticas de educação, a reprovação é ou não um mecanismo eficaz para a promoção das aprendizagens? Isto é, chumbar ajuda um aluno a aprender? É a essa questão de fundo que este ensaio responde.
1. Que alunos chumbam em Portugal?
Antes de ir aos porquês, há que ir aos factos. Isto é, conhecer por dentro os números da retenção escolar em Portugal e fazer um retrato tão completo quanto possível da realidade nas escolas portuguesas. Aviso prévio: apesar de nos últimos 20 anos a situação ter melhorado imenso, continua a não ser um retrato bonito de se ver.
Em 1996, 20% dos alunos no 3.º ciclo do Ensino Básico chumbaram. Só neste nível de ensino, um a cada cinco alunos ficou para trás. Uma enormidade que, desde então, se tem vindo a atenuar. Em 2016, chegou a 10% – ou seja, metade. Mas é um resultado agridoce: não há como não apreciar a evolução, não há como evitar a preocupação por ainda estarmos com números tão elevados. Esta tendência é válida para todos os níveis do ensino básico e também para o ensino secundário (gráfico 1): 20 anos depois, as taxas de retenção estão, grosso modo, reduzidas a metade, embora isso ainda represente valores bastante elevados. No 2.º ciclo, a taxa rondou 7% em 2016 (era 15% em 1996). No secundário (cursos gerais), está nos 18%, quando no início do século estava acima dos 37%. Só no 1.º ciclo a evolução foi ainda mais acelerada, reduzindo para um terço: os actuais 4% estão a milhas dos 11% de 1996. Ou seja, a primeira ideia a fixar é que Portugal tem feito um caminho gradual e positivo na redução das taxas de retenção escolar, algo que importa valorizar, mesmo que os valores permaneçam elevados.
Esse é o diagnóstico geral. Há agora que mergulhar no detalhe para compreender realmente onde, como e quem chumba nas escolas portuguesas. É com essa informação que os problemas concretos começam a aparecer e se torna possível pensar o tema da perspectiva das políticas públicas. Vamos por partes: (1) quando, (2) onde e (3) como.
Parte 1: o quando. Comece-se então pelo ano escolar e pela pergunta: em que anos escolares há mais retenções? Resposta: nos que correspondem ao início de cada ciclo de ensino (gráfico 2). No 1.º ciclo, como não é possível reter alunos logo no 1.º ano, esse efeito observa-se no 2.º ano de forma redobrada: em 2016, 9% dos alunos chumbaram nesse ano escolar, um valor que é idêntico ao de há dez anos, em 2006. No 2.º ciclo, é no 5.º ano (mas também no 6.º ano), com taxas a rondar 7% em 2016 – as mais baixas de sempre, mas mesmo assim pouco abaixo do que foi a norma nos últimos 10 anos. No 3.º ciclo, é no 7.º ano: quase 13% dos alunos chumbaram nesse ano escolar, um valor ainda extremamente elevado (apesar de melhorias, porque desde 2000 a taxa aguentou-se muito tempo acima de 20%). Por fim, no secundário, o 10.º ano apresenta uma taxa acima de 16%, que só mesmo o 12.º ano (devido à preparação dos exames) ultrapassa, chegando ao abissal nível dos 30% de reprovações.
Ora, o que é que as taxas de retenção por anos escolares dizem? Três coisas. Primeiro, mostram que a retenção não é um fenómeno homogéneo na escolaridade, estando mais concentrada em momentos específicos do percurso escolar dos alunos, nomeadamente no início de cada ciclo de ensino. Segundo, revelam que os professores usam a retenção como forma de filtro logo no arranque de um ciclo de ensino, em vez de tentar puxar para cima um aluno que demonstre dificuldades no início e ajudá-lo a recuperar o atraso mais à frente. Terceiro, os dados permitem supor que a organização do percurso escolar tem um impacto nos níveis de retenção: por exemplo, se houvesse apenas dois ciclos no Ensino Básico, em vez de três, as taxas de retenção diminuiriam automaticamente nos anos que deixassem de ser de transição entre ciclos? É provável que sim, até porque há formalmente do ministério a indicação para que a retenção seja de carácter excecional, particularmente no decorrer de um ciclo de ensino.
Parte 2: onde? Mude-se agora o ângulo de leitura e passe-se à pergunta seguinte: em que escolas e em que regiões do país mais se chumba? A primeira parte tem resposta simples e previsível: se se compararem as taxas de retenção entre as escolas públicas e as escolas privadas, observa-se que a retenção é muitíssimo mais baixa nas escolas privadas (gráfico 3). O que é, afinal, fácil de explicar: os alunos das escolas privadas têm, em média, um perfil socioeconómico mais elevado do que o dos alunos das escolas públicas, e é sabido que existe uma relação muito próxima entre desempenho escolar e esse perfil socioeconómico (os alunos mais pobres e com pais menos qualificados têm, geralmente, resultados mais baixos na escola). Ou seja, a diferença entre privadas e públicas quanto às taxas de retenção expõe, essencialmente, as diferenças sociais dos seus alunos.
A segunda parte da questão, sobre eventuais discrepâncias regionais, está relacionada mas é mais estimulante. Ao olhar para os dados da retenção no ano lectivo 2015/2016 por região (gráfico 4), sobressaem dois pontos e uma conclusão. Primeiro, a região autónoma dos Açores é, de muito longe, a região do país onde mais alunos chumbam – os valores chegam a ser, aproximadamente, o dobro do que sucede na região Norte de Portugal continental. Sabendo que, nos Açores, os desafios sociais e educativos permanecem acentuados, estas taxas de retenção não constituem uma surpresa. Segundo ponto a retirar dos dados: as regiões Norte e Centro são as que melhores resultados apresentam quanto às taxas de retenção. Sabendo que também aí as médias dos alunos nas avaliações externas se mantêm nos níveis cimeiros, também não há uma surpresa. Que conclusão? Que há uma proximidade grande entre o perfil social dos alunos/regiões e os níveis de retenção escolar. Talvez por isso, na Área Metropolitana de Lisboa e no Algarve, os níveis de retenção sejam mais elevados – são regiões do país com elevada incidência de população migrante.
Parte 3: como? A fase seguinte do raciocínio está em perceber-se o que caracteriza o desempenho dos alunos que chumbam. Basicamente, com quantas negativas chegam ao final do ano lectivo e quais as disciplinas que se revelam mais desafiantes. Primeiro, a acumulação de negativas (gráfico 5) no ano lectivo 2014/2015. Por um lado, olhando para 2.º e para 3.º ciclos, a primeira constatação é que a esmagadora maioria (pelo menos 75% a 95%) dos alunos que chumbam tem 4 ou mais negativas – valores verdadeiramente impressionantes. Só no 9.º ano é que esse valor é mais baixo, mantendo-se mesmo assim nos 65%. Ou seja, na grande maioria dos casos, os alunos que chumbam apresentam resultados transversalmente insuficientes.
As disciplinas com maior incidência de notas negativas são Matemática, Inglês, Português, Física/Química e Ciências Naturais (gráfico 6). Entre elas, Matemática continua a ser a disciplina-papão: cerca de um terço dos alunos nos anos escolares do 3.º ciclo tem negativa a Matemática. Ora, desconstruindo os dados em função do perfil socioeconómico, fica claro o peso que as origens sociais têm nestes resultados (gráfico 7): 51% dos alunos do escalão A da Acção Social Escolar têm negativa a matemática no 7.º ano e 39% seguem igual caminho no escalão B – entre os alunos fora da Acção Social Escolar, a taxa de retenção é muito inferior (25%). A tendência verifica-se nas restantes disciplinas, onde os jovens inseridos na Acção Social Escolar são os que mais acumulam notas negativas – e, portanto, os que mais reprovam.
Resumindo as cinco ideias fundamentais: os dados sobre a retenção escolar em Portugal dizem-nos que (1) houve uma melhoria da situação nos últimos 20 anos, embora as taxas de retenção se mantenham elevadas; (2) que a retenção sucede sobretudo no primeiro ano escolar de cada ciclo de ensino e que, por isso, tem uma relação com a organização da escolaridade por ciclos; (3) que a retenção está directamente relacionada com o perfil socioeconómico dos alunos, na medida em que este permite estimar o desempenho escolar dos alunos (e isso vê-se nas discrepâncias regionais); (4) que a esmagadora maioria dos alunos que chumba acumula mais do que 4 ou 5 negativas, o que sugere fragilidades transversais na aprendizagem; (5) e que, entre as disciplinas com maior percentagem de negativas, a Matemática sobressai como um caso de extrema gravidade – no 7.º ano, chumba metade dos alunos no escalão A da Acção Social Escolar.
2. Como é a retenção nos outros países europeus?
Como o aviso prévio fez notar, o retrato português não é bonito de se ver. A questão é, contudo, se as realidades nos outros sistemas educativos europeus diferem ou não do caso português. Os dados da OCDE, referentes ao PISA 2015, são nesse aspecto esclarecedores: Portugal aparece como um dos países onde mais alunos com 15 anos já chumbaram pelo menos um ano escolar, com 31% dos alunos nessa situação (gráfico 8). Pior, apenas na Bélgica (34%) e Espanha (31%). E com uma percentagem de alunos que é significativamente mais elevada do que a dos restantes países europeus, onde 17 países estão abaixo da linha dos 10%.
O que é que esta comparação nos diz? Que, não sendo plausível a existência de diferenças de inteligência entre alunos portugueses e eslovenos, por exemplo, a questão das retenções coloca-se ao nível da organização do sistema educativo e de opções de políticas públicas. O que, na prática, tem uma leitura directa: em Portugal, acredita-se que os alunos com dificuldades devem chumbar para aprenderem melhor e recuperarem o défice de aprendizagens, enquanto na maior parte dos países europeus não se recorre tanto à reprovação como ferramenta de recuperação dos alunos. A questão, agora, é tentar-se perceber quem é que tem razão. E é aí que o debate aquece.
3. Há vantagens educativas para quem chumba?
Esta é a zona quente do debate. Opiniões não faltam: há quem discorde que o caso português seja problemático, e há quem encontre justificações para o excepcionalismo português. Mas, do ponto de vista das políticas públicas, o que importa discutir é simples de sintetizar: para um aluno, chumbar ajuda-o, de algum modo, a recuperar o atraso nas aprendizagens? Dito de forma simples: chumbar ajuda os alunos a aprender?
A maioria dos estudos publicados, assim como os inúmeros relatórios internacionais da OCDE, aponta no sentido da ineficiência da reprovação (ver este relatório, por exemplo). A argumentação resume-se a três pontos, que estão interligados. Primeiro, o mais importante: a retenção não ajuda os alunos a recuperar o atraso estrutural nas aprendizagens. Dito de forma mais clara: ao ficar retido num ano escolar e ao repetir as mesmas aulas, os alunos até podem melhorar pontualmente as notas o suficiente para conseguir passar de ano à segunda tentativa, mas as suas dificuldades estruturais de aprendizagem irão manter-se e manifestar-se novamente nos anos seguintes. Segundo ponto: se não é eficaz, a retenção representa então uma penalização elevada para os alunos, porque os obriga a atrasar um ano e a recomeçar processos de aprendizagem e integração numa nova turma. Terceiro ponto: se não é eficaz, o investimento público que o Estado aloca à repetição de anos escolares dos jovens que chumbam não está a ser bem empregue –os benefícios educativos não justificam o custo orçamental.
Ora, se estes são os principais argumentos da literatura internacional, vale a pena olhar em concreto para o caso português. Até porque se destaca dos restantes no contexto europeu, como acima se mostrou. Afinal, em Portugal, chumbar traz benefícios para as aprendizagens dos alunos? Para responder a esta pergunta, há dois destaques na investigação sobre o tema que vale a pena fazer.
Primeiro destaque: as análises estatísticas da DGEEC (Direcção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência) – por exemplo, este recente relatório. Através dos dados da DGEEC por disciplina, é possível perceber quantos alunos retidos num ano lectivo recuperam de uma nota negativa – e quais as diferenças nas taxas de recuperação entre os alunos que transitaram de ano lectivo e aqueles alunos que reprovaram.
Ora, o que nos dizem os dados da DGEEC, reproduzidos no gráfico 9? Que, apesar de haver variações por disciplina, a reprovação não parece fazer uma grande diferença nas taxas de recuperação das notas. Em algumas disciplinas (como História, Ciências Naturais ou Geografia) parece não existir sequer diferença. Nas disciplinas ditas nucleares (como Português e Matemática), as variações são mais significativas – mas, mesmo assim, pouco expressivas. Olhe-se, por exemplo, para a disciplina de Português. Entre os alunos que tiveram negativa nessa disciplina (7.º ano), 59% dos que chumbaram conseguiram recuperar e obter nota positiva no ano seguinte, enquanto entre os que passaram para o 8.º ano 40% conseguiu obter positiva. Isto mostra duas coisas. Que a percentagem de recuperação entre os que chumbaram é superior, mas relativamente próxima da dos que não chumbaram. E que, se se tiver em conta que os que chumbaram estão a ter os mesmos conteúdos da disciplina pelo segundo ano consecutivo (o que torna mais fácil a sua recuperação), a diferença perde significado. Ou seja, estes indicadores sugerem que a retenção não foi uma medida eficaz para a recuperação das aprendizagens quando se compara com o percurso dos alunos que, tendo tido notas negativas, não reprovaram.
Segundo destaque: um estudo sobre o impacto das retenções no desempenho dos alunos, da autoria de Luís Catela Nunes, Ana Balcão Reis e Carmo Seabra (publicado em 2016 pela FFMS). Esse estudo tomou como referência os alunos do 4.º ano (2006/2007) e seguiu-os até à realização da prova nacional do 6.º ano (realizada em 2009 para quem não ficou retido ou em 2010 para quem ficou retido), diferenciando entre os alunos e olhando em particular para os que demonstraram maiores dificuldades logo no 4.º ano (mesmo que não tivessem chumbado).
O objectivo principal desse estudo (mas não o único) foi simples: perceber se, chegados à prova nacional do 6.º ano, existiam diferenças significativas entre os alunos que informassem sobre o impacto que a repetição de um ano pudesse ter tido nos seus desempenhos. E o que se concluiu? Que “o efeito global de reter um aluno com baixo desempenho no 4.º ano (…) é positivo mas pequeno, entre 0,06 e 0,10 valores numa escala de 1 a 5”. Importante ainda de salientar que esse efeito positivo mas pequeno desaparece quando se cruza com outros indicadores, nomeadamente a “cultura de retenção” existente num determinado concelho. Conclusão final, com tudo tido em conta: “mesmo quando obtemos um efeito positivo da retenção na progressão escolar subsequente, esse efeito não é suficientemente forte para compensar o ano de atraso causado pela retenção inicial”. Ou seja, de acordo com os dados deste estudo, a retenção não compensa para o aluno.
Retome-se, portanto, a pergunta: chumbar ajuda os alunos a aprender? A resposta, tendo por base os estudos mencionados, tem duas partes. Sim, há um pequeno efeito positivo no imediato. Não, esse efeito não representa uma mais-valia para o aluno, porque é demasiado ténue e não justifica a penalização de atrasar o seu percurso escolar. Resumindo: nem num contexto geral, nem especificamente no caso português, a retenção escolar parece ser uma ferramenta apropriada para lidar com os alunos com dificuldades.
4. Então, como lidar com os alunos com dificuldades?
A partir do momento em que se afirma que a retenção de alunos com negativas não é uma medida eficaz, no sentido da promoção das aprendizagens, fica-se com um problema nas mãos: se chumbar não é solução, então o que fazer para ajudar esses alunos?
Obviamente que a solução não pode ser simplesmente deixar alunos com carências profundas de aprendizagem transitar de ano escolar. Ou seja, optar por passagens administrativas é optar por uma ilusão que não resolveria o problema. Basta recordar que um número muito significativo de alunos reprova com cinco ou mais negativas para se perceber que esta é uma realidade impossível de ignorar. Como tal, as várias soluções possíveis têm de ir à raiz do problema: o défice de aprendizagens. E, aceitando-se que o desafio está aí, não faltam programas e políticas públicas para dar resposta a este desafio.
Exemplos concretos? Vamos a isso. Uma medida possível seria uma aposta real no apoio ao estudo, fora das aulas mas na escola, acabando assim com as existentes desigualdades no acesso às explicações – as explicações custam dinheiro e por isso estão geralmente inacessíveis aos alunos socialmente desfavorecidos (e que, em média, têm maiores dificuldades no seu percurso escolar e portanto mais necessitam). Outra medida possível seria permitir às escolas gerir reduções acentuadas da dimensão das suas turmas, quando os resultados escolares assim o justificassem – permitindo, assim, um acompanhamento de maior proximidade para os alunos que precisam de ajuda para aprender. Ainda outra medida possível seria uma aposta estrutural na formação contínua de professores, no sentido de lhes dar ferramentas para chegar aos alunos mais difíceis – algo que é muito mais difícil do que se possa pensar. Por fim, uma outra medida possível seria colocar a tecnologia ao serviço da aprendizagem dos alunos. Hoje em dia existem plataformas digitais que, implementadas numa sala de aula, permitem aos alunos aprender ao seu próprio ritmo apesar de integrados numa turma (algo que existe, por exemplo, nas chamadas “escolas do conhecimento”, na Suécia).
Claro que muitas destas medidas custam dinheiro. Aliás, custam mesmo muito dinheiro, porque dependem de um apoio de proximidade, mais horas de trabalho e mais recursos investidos nestes alunos. Mas quer isto dizer que são financeiramente insustentáveis? Não propriamente. A retenção de alunos tem um custo anual para o Estado que ronda 400 milhões de euros. Portanto, a redução desse custo anual, conseguida através de melhores desempenhos escolares, permitiria financiar medidas educativas de apoio implementadas nas escolas. Ou seja: no cálculo do custo financeiro destas medidas é necessário ter em conta que, se estas forem bem-sucedidas, se traduzirão numa poupança para o Estado nos elevados e ineficientes custos com a retenção.
5. So what? As quatro ideias-chave que importa reter
Primeira ideia: Portugal tem um número muito elevado de alunos a chumbar, todos os anos, com particular incidência nos primeiros anos de escolaridade de cada ciclo de ensino. O perfil socioeconómico dos alunos, sendo um indicador para estimar o desempenho escolar, está fortemente relacionado com a reprovação: são os alunos mais pobres e com pais menos escolarizados que maior probabilidade têm de reprovar. Olhando aos padrões europeus, Portugal é um dos países onde mais alunos são retidos ao longo do seu percurso escolar e está a milhas de distância do pelotão europeu. Ou seja, as elevadas taxas de reprovação de alunos é sobretudo uma característica do sistema educativo português.
Segunda ideia: a retenção de alunos é geralmente ineficaz para a promoção das suas aprendizagens. Ou seja, em média, chumbar não ajuda os alunos a aprender e recuperar o atraso que têm face aos colegas que transitaram de ano escolar. Em média, note-se: há sempre casos em que a medida poderá ser eficaz e necessária. Ora, se é, em média, uma medida ineficaz para as aprendizagens, é também uma medida praticada de forma recorrente, desviando para aí fundos públicos que são mal empregues.
Terceira ideia: não existem soluções mágicas, tal como a abolição das reprovações e optar por passagens administrativas. Baixar a exigência do ensino ou abolir avaliações externas só para passar alunos é uma opção irrealista e contraproducente. Qualquer solução para este problema das retenções escolares tem de ser direccionada para a qualidade das aprendizagens, garantindo mais e melhor apoio aos alunos que manifestem dificuldades. Isso terá custos orçamentais, inevitavelmente. Mas também há elevados custos orçamentais com a retenção escolar.
Quarta ideia: faça-se o que se fizer no domínio das políticas públicas, a primeira prioridade passa por combater a cultura de retenção que se instituiu entre os professores e directores escolares. Perante um aluno com dificuldades, a opção mais simples é deixá-lo para trás (retenção). A opção desejável é haver um investimento reforçado nesse aluno. Mas isso representa mais trabalho e mais dedicação e requer mais condições para prestar apoio aos alunos. Ora, actualmente, o sistema não gera incentivos aos professores para que sintam essa responsabilidade.
Alexandre Homem Cristo foi Conselheiro Nacional de Educação e, entre 2012 e 2015, foi assessor parlamentar do CDS na Assembleia da República, no âmbito da Comissão de Educação, Ciência e Cultura. É autor do estudo “Escolas para o Século XXI”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, em 2013