Por uma razão ou outra, há frases e expressões que a vida se encarrega de tornar obsoletas, arrumando-as numa espécie de fundo arqueológico de coisas que em tempos dissemos, mas que hoje já não fazem sentido. “Não consigo atender, que não estou em casa” morreu com o telemóvel; “não posso perder aquele programa” deixou de fazer sentido com as boxes de televisão; “o cão comeu-me os trabalhos de casa” passou a ser mesmo aquilo que no fundo sempre foi (uma desculpa esfarrapada), à medida que os professores passaram a pedir a entrega de trabalhos por e-mail; etc.
Outra frase que se junta a essa longa lista é da autoria de uma personagem fictícia: Piper Chapman, protagonista da série “Orange Is The New Black”, passada numa prisão de alta segurança para mulheres. Quando questionada por outra reclusa sobre se acreditava em Deus, Piper Chapman explicou o seu ateísmo assim: “Acredito na ciência. Acredito na evolução. Acredito no Nate Silver”.
Quando este episódio foi para o ar, a 11 de julho de 2013, aquela frase fazia sentido. Menos de um ano antes, a 4 de novembro de 2012, Barack Obama vencera as eleições norte-americanas conquistando 26 estados e perdendo outros 24 para Mitt Romney — e Nate Silver, fundador do FiveThirtyEight, projeto jornalístico especializado em análise de sondagens, acertou em cada um desses resultados nas suas previsões. Construídas a partir de um modelo que ponderava sondagens de cada estado, olhando para as minudências de cada estudo de opinião, essas previsões foram infalíveis.
Ora, a partir de 8 de novembro de 2016 também aquela frase se tornou obsoleta. A reclusa Piper Chapman bem podia continuar a acreditar na ciência e na evolução, mas no que toca a Nate Silver — e às suas previsões — a história passou a ser outra quando não previu (ele e muitos outros na sua profissão) a vitória de Donald Trump.
Nate Silver e o FiveThirtyEight nem foram os piores — antes pelo contrário. No dia das eleições de há quatro anos, davam a Hillary Clinton 71,4% de probabilidades de vencer e 28,6% para Donald Trump. O The New York Times colocava a sua previsão em 85% para a democrata e 15% para o republicano. O Princeton Election Consortium colocou a vitória de Hillary Clinton a 93%. E depois houve o modelo do Huffington Post, que não podia ter estado mais errado: 98% de probabilidades de vitória para Hillary Clinton e 1,7% para o homem que, no final de contas, acabou por ganhar.
Por norma, esta seria a parte em que este texto descreveria aquilo para que apontam essas mesmas previsões este ano, na escolha entre Donald Trump e Joe Biden, marcada para 3 de novembro — e que, em bom rigor, já decorre nos vários estados onde está a ser admitido o voto antecipado, seja depositado em urna pelo eleitor ou enviado pelo correio.
Mas antes, impera fazer uma pergunta: vale a pena olharmos para as sondagens?
“Valer, vale sempre“, refere W. Joseph Campbell, autor do livro “Lost In a Gallup – Polling Failure in U.S. Presidential Elections”. Mas, como o nome desta obra publicada em agosto deste ano sugere (em português, pode ser traduzido para “Perdidos Numa Sondagem – Falhanços das Sondagens nas Eleições Presienciais dos EUA”), a margem para erro é grande.
“As sondagens têm um passado recheado de sucessos e de falhanços. E é sempre importante recordar que elas falham, sim. Isso devia levar as pessoas a lembrarem-se que as sondagens são para serem analisadas cuidadosamente. Não são profecias”, diz, numa entrevista por telefone com o Observador. “Quem quer que ainda pense isso em 2020 prepara-se para cair no mesmo erro de 2016.”
Os erros de 2016 não foram só das sondagens
2016.
Todas as conversas sobre sondagens ora começam, ora terminam nesse ano em que as bolas de cristal das empresas de estudos de opinião pública dos EUA avariaram. Há mesmo quem lhe chame um “trauma”, como é o caso de Sam Wang, fundador do Princeton Election Consortium. Nesse ano fatídico, colocou a probabilidade de Hillary Clinton vencer nos 93% e disse que, caso estivesse enganado na sua previsão, trataria de “comer um inseto”. Homem da sua palavra, quatro dias depois das eleições acabou por comer um grilo em direto na CNN.
Mas, afinal, quais foram os erros das sondagens de 2016?
Em primeiro lugar, houve erros naquilo que previram.
“Houve um enviesamento de algumas sondagens estaduais, que subvalorizaram o apoio a favor de Donald Trump”, aponta numa entrevista por telefone Michael Traugott, cientista político e especialista em sondagens que trabalhou com a Gallup e escreveu o livro “The Voter’s Guide to Election Polls”.
Esse é um diagnóstico comum no que toca a sondagens em três estados em particular: Michigan, Pensilvânia e Wisconsin. Sem estes três estados, que “roubou” ao Partido Democrata, Donald Trump não seria hoje Presidente dos EUA. E as empresas de sondagens que fizeram os estudos naqueles três estados cruciais foram pouco lestas a entender o entusiasmo que cada um dos lados da contenda tinha em torno dos seus candidatos — e como isso viria afetar o resultado final.
“As empresas de sondagens têm de trabalhar com modelos de prováveis eleitores, o que implica tomarem uma série de suposições. E uma das suposições mais fáceis de fazer é que o eleitorado de um determinado momento é igual ao eleitorado do momento que lhe antecedeu”, explica Michael Traugott.
Mas em 2016 não foi assim.
“Dessa vez, comparando com as eleições de 2012, percebemos agora que a participação baixou nas áreas urbanas, onde vive a maior parte das minorias, e subiu nas áreas rurais, onde vivem maioritariamente eleitores brancos”, explica, referindo-se à divisão acentuada entre os votos das minorias (tendencialmente democratas) e do eleitorado branco (maioritariamente republicano). Além do fator étnico, o fator urbano/rural pesou em 2016 — e as sondagens não lhe terão atribuído a devida importância.
Mark Mellman também está no negócio das sondagens — e, por isso, por reflexo de defesa em causa própria, diz que os pollsters “não são uma classe ou um grupo”. “Somos bem diferentes uns dos outros”, garante. Desconhecido da maior parte do público, Mellman é, ainda assim, um nome célebre entre corredores democratas, onde é um reconhecido estratega político, com um historial recheado de vitórias — por exemplo, quem recorreu aos seus serviços para ser reeleito como senador ou governador nunca perdeu uma reeleição. Uma das chaves para isso são as sondagens privadas — discretas, no ponto e também muito caras.
E depois há as outras. “Há sondagens que são feitas para jornais locais que estão a passar por dificuldades financeiras e que, por isso, pagam muito pouco para fazer uma sondagem barata, de maneira a criarem uma notícia”, diz ao Observador. O resultado, explica, são “simplesmente sondagens mal feitas” cuja razão de existir é a de dar aos jornais que as fazem “uma notícia que pode ser citada em todo o lado e trazer alguma projeção e retorno financeiro para o jornal”.
O que leva ao outro problema das sondagens de 2016. Se o primeiro apontava para os erros naquilo que as sondagens previram, o segundo aponta para os erros naquilo que os media disseram sobre aquilo que as sondagens previram.
Essa é a principal crítica de Nate Silver. Para o fundador e diretor do FiveThirtyEight, o dedo deve estar apontado não às sondagens, mas antes à cobertura que os media fizeram destas.
“É engraçado como as pessoas olham para probabilidades”, disse, com ironia, num seminário na Universidade de Harvard em março de 2017. “Tenho alguma empatia com aquilo que o eleitor médio e a maior parte das pessoas possam pensar quando olham para uma percentagem de 30%”, disse, referindo-se por estimativa aos 28,6% que o FiveThirtyEight deu a Donald Trump na última previsão antes das eleições de há quatro anos. “Mas não tenho qualquer tipo de empatia com os jornalistas que não entendem o que são probabilidades. É inaceitável quando vemos tantas afirmações desinformadas por parte de jornalistas. É que, já agora, se olharmos para a opinião pública, as pessoas não estavam assim tão confiantes nas hipóteses de Clinton. Quem estava confiante nelas eram os media.”
W. Joseph Campbell concordará com esta frase. No livro “Lost In a Gallup – Polling Failure in U.S. Presidential Elections”, não são poucas as ocasiões em que este ex-jornalista e académico focado no estudo dos media junta à soberba de algumas empresas de sondagem a pressa para chegar a uma conclusão simples por parte de várias redações norte-americanas. Desde a catástrofe jornalística que foi ver a edição de 4 de novembro de 1948 do Chicago Daily Tribune, onde se lia “Dewey derrota Truman”, a ser segurada pela mão de um Harry Truman sorridente e vitorioso, às previsões que apontavam para uma derrota certa de Donald Trump, os falhanços são vários.
“Os jornalistas têm o dever de fazer um trabalho equilibrado e imparcial. Apesar de reconhecer que isso seja hoje em dia é muito difícil neste ambiente tão crispado, isso não quer dizer que seja impossível fazê-lo”, diz. Mas, aponta, esse é um exercício que requer “uma boa dose de trabalho”.
Nem sempre é isso que acontece. “Seja por preconceito, seja por falta de meios, os jornalistas deste país já mal fazem aquilo a que aqui chamamos de shoe-leather journalism“, diz. Esta expressão, que aponta para a dobra na pele de uns sapatos de quem muito caminha, é utilizada para referir o jornalismo de reportagem, no terreno. “É sair da redação e ir ter com as pessoas onde elas estão, seja um bar, uma esquina, ou qualquer outro sítio. E aí cabe perceber o que é que elas pensam”, resume. “Não quer dizer que ignoramos as sondagens, mas a análise e o trabalho jornalístico não pode passar exclusivamente por elas.” Em vez disso, refere, há uma “abundância do uso de sondagens” no jornalismo norte-americano.
Michael Traugott concorda, mas apenas apenas em parte. “Não é que haja demasiadas nas sondagens, o que se passa é que os media as cobrem mal”, atira. “Os jornalistas têm a tendência para se focarem no resultado final, mas as sondagens não passam de um retrato de um momento em específico. É uma fotografia.”
O problema, aponta este académico, é que muitos acabam por transformar essa fotografia numa espécie de filme de corrida de cavalos. “A cobertura centra-se numa abordagem focada no conflito, especialmente no contexto de uma campanha. Quem é que está à frente, quem é que está a atrás, como é que isto pode mudar, enfim, tudo como se fosse um jogo”, atira. “Mas as sondagens podiam estar a ser utilizadas pelos jornalistas e pelo público de maneira a que se perceba quais são os temas que mais importam.”
As lições de 2016 de pouco poderão servir na pandemia de 2020
Novamente, a ideia de trauma.
“Os estudos em psicologia demonstram que uma memória perturbadora, que teve origem num trauma, pode levar-nos a ter o foco no estímulo errado”, escreveu Sam Wang este verão. “Se ficarmos com medo das sondagens, creio que estaríamos a aprender uma falsa lição. Não é que as sondagens tenham sido imprecisas nas últimas eleições presidenciais. Olhando para as margens em termos de pontos percentuais, não estiveram muito ao lado. O problema é que os nossos cérebros podem ter transformado uma experiência emocional com sondagens num trauma duradouro.”
Perante este trauma, importa saber: quem cometeu os erros de 2016 conseguiu identificá-los, reconhecê-los e corrigi-los a tempo de 2020? Ou, pelo contrário, ficou paralisado pelo trauma?
Michael Traugott aponta mais para a segunda hipótese. “Não vejo muitas alterações desde 2016”, diz. “Não creio que haja muita discussão na esfera pública e nos media em relação aos temas que são referidos nas sondagens. E as sondagens também caem nesse erro e centram-se muitas vezes em questões que têm a ver com traços de personalidade dos candidatos quando uma campanha deve ser feita de temas e políticas.”
Também W. Joseph Campbell aponta para a possibilidade de pouco ou nada ter mudado, sobretudo no campo dos media. Logo após as eleições de há quatro anos, os sinais apontavam para uma mudança — e para um regresso desse shoe-leather journalism que W. Joseph Campbell defende como resposta a estes tempos. Esse foi o impulso de redações como o The New York Times e o The Washignton Post, que se comprometeram a cobrir melhor os assuntos que eram caros ao eleitorado que ajudou a eleger Donald Trump.
“Foi bom enquanto durou, mas isso evaporou-se tudo num instante”, suspira agora W. Joseph Campbell. “O jornalismo é, por defeito, uma profissão onde se procura sempre olhar para a frente, olhar para o futuro, para o próximo ciclo noticioso”, refere. “Portanto era só uma questão de tempo até alguma coisa aparecer e quebrar aquele instinto de sair das redações. E o que fez isso foi a história da investigação do suposto conluio de Donald Trump com a Rússia. No final de contas, os media viraram-se rapidamente para o Russiagate. No final de contas, a investigação de Robert Mueller estava seca e o assunto não passou de um não-assunto.”
A estes fatores juntam-se ainda todos os que a pandemia da Covid-19 trouxe — e, com todos eles, uma enorme incerteza.
“Por mais alterações que as empresas de sondagens tenham feito no sentido de melhorar os seus trabalhos, o sistema eleitoral americano mudou de uma maneira completamente dramática nos últimos meses por causa da Covid”, aponta Michael Traugott. “Neste momento, ainda é demasiado cedo para percebermos de que maneira é que as sondagens conseguiram adaptar-se a tudo o que esta realidade trouxe de novo.”
O principal problema é o do costume: não é por uma pessoa responder numa sondagem que vai votar no candidato x ou y que efetivamente se dará ao trabalho de fazê-lo, seja com voto antecipado ou no dia das eleições. Mas, se até aqui os fatores que levavam um eleitor dado como certo a transformar-se num abstencionista eram conhecidos (como o desinteresse criado pela crença de que o voto individual não terá impacto ou o desconhecimento ou fastio perante a burocracia do processo), durante uma pandemia há outros a juntarem-se à equação. À cabeça, o que mais preocupa muitos neste momento: segurança sanitária.
“Com o coronavírus, pode haver eleitores que dizem às sondagens que vão votar, mas que, se houver um aumento de casos na zona deles por altura das eleições, podem não chegar a votar porque acreditam que não estarão em segurança”, disse ao FiveThirtyEight Doug Schwartz, diretor da equipa de sondagens da Quinnipiac University.
Afinal o que dizem as previsões para 2020? Uma leitura cautelosa
O prometido (há vários parágrafos) é devido. Afinal, o que dizem os modelos de previsões para estas eleições, tendo como base as sondagens de cada estado?
A 19 de outubro, dia em que publicamos este artigo, as previsões apontam para uma maior probabilidade de vitória de Joe Biden — apesar de tudo, incluindo os traumas de há quatro anos.
Esse é o veredito do FiveThirtyEight, que coloca o democrata com 88% de probabilidades de ganhar, contra 12% para Donald Trump. O Princeton Election Consortium ainda não avançou probabilidades, mas também ali os dados são mais otimistas para o democrata do que para o Presidente. Já o Huffington Post abandonou por completo o campeonato das previsões em nome próprio — mas viu o seu lugar a ser ocupado pela The Economist, que nesta altura fixa em 91% as probabilidades de Joe Biden vencer, contra 9% de Donald Trump. Já o The New York Times mudou os termos em que o faz, escusando-se pelo menos para já a aventar uma probabilidade — mas, ainda assim, aponta que o democrata tem 212 votos no Colégio Eleitoral garantidos, contra os 125, ficando assim mais perto dos 270 necessários para vencer.
Aos especialistas contactados perguntámos se isto fazia sentido. As respostas nunca foram assertivas — 2016 oblige —, mas, ainda assim, surgem delas algumas pistas de leitura.
Michael Traugott não parece estranhar estes números.
Por um lado, por causa de Donald Trump, que “tem tido uma presidência muito incomum para quem está num primeiro o mandato”. “Normalmente, na posição dele, um Presidente tenta alargar a coligação de eleitores que o apoia, mas ele não tem expressado qualquer tipo de interesse em fazer isso. O objetivo dele é, isso sim, mobilizar a base dele, que é composta por apoiantes entusiastas”, explica o académico especializado em sondagens.
Mas, por outro lado, os dados relativos a Joe Biden devem aconselhar cautela. “Os dados sugerem que uma quantidade importante de pessoas que apoiam Biden por razões anti-Trump, mais do que por razões pró-Biden. Isso é algo que deve preocupar os democratas entre agora e o dia de eleições, porque o apoio positivo a um candidato é geralmente um indicador de uma taxa de participação alta”.
Quando, por outro lado, votam num candidato não por aquilo que ele é mas por aquilo (ou quem) ele não é, a participação pode não ser tão alta quanto o necessária para que ele vença.
No terreno, há um indicador que parece favorecer o cenário de uma vitória de Joe Biden aos olhos de Michael Traugott: a angariação de fundos superior à da campanha de Donald Trump. No total do mês de setembro, Joe Biden angariou 383 milhões de dólares (326,8 milhões de euros) contra os 248 milhões de dólares (211,6 milhões de euros) recolhidos pela equipa de Donald Trump.
“Isto pode ser um indicador de que a estratégia de Joe Biden está a funcionar melhor”, aventa Michael Traugott.
Outra questão é a conversão de eleitores indecisos. Aqui, identifica um défice em Donald Trump. “É verdade que nos comícios vemos grandes multidões e aqueles eventos não só dão energia a Trump como motivam a base de apoio dele, mas não me parece que esse entusiasmo se estenda para lá desse grupo, que é uma minoria entre o eleitorado”, diz Michael Traugott.
Mas entusiasmo também é algo que não abunda entre as hostes democratas. Aqui, não é só o facto de Joe Biden não ser um candidato carismático como foi, em 2008 e 2012, Barack Obama. É também o trauma de 2016 a aconselhar precaução e contenção. É para aí que aponta Mark Mellman, que rejeita por completo a ideia de já haver quem, entre democratas, esteja a abrir o champanhe.
“Há uma cautela tremenda. Estamos cuidadosamente otimistas, mas diametralmente opostos a qualquer ideia de complacência”, diz. E, para responder às sondagens que dão a vitória a Joe Biden, responde com outras sondagens que fazem outra pergunta: quem é que acha que vai ganhar?
“Ainda há muitas sondagens em que as pessoas dizem, às vezes em maioria relativa outras vezes em maioria absoluta, que acreditam que Donald Trump vai ganhar. E ainda há muita gente que o apoia”, diz. “Há quatro anos, houve quem fizesse pouco caso de 25% de hipóteses de vitória para Donald Trump. Mas foi assim que as coisas foram. 25% quer dizer que é algo que acontece 1 a cada 4 vezes. E aconteceu.”
Mas, há que recordar, nas outras três vezes que sobram acontece de outra maneira. É para aí que aponta Sam Wang no texto que escreveu este verão, sobre o trauma das sondagens: “Sob condições fortemente emocionais, não temos o hábito de tirar algum tempo para uma introspeção e para avaliar com calma os dados. Em vez disso, entregamo-nos aos recursos que temos mais à mão: as nossas crenças prévias e os nossos preconceitos. Quase nada serve para mudarmos de ideias”.
Quem parece militantemente seguro das suas previsões — talvez um caso único, já se perceberá porquê — é o historiador Allan Lichtman, da American University. Porquê? Porque, ao contrário de muitos, previu a eleição de Donald Trump com base num modelo que não lhe tem falhado desde 1980.
Desde então, Allan Lichtman tem previsto corretamente os vencedores de todas as eleições — com o senão de que em 2000 previu uma vitória de Al Gore, numa altura em que havia 112 anos que um candidato não vencia o Colégio Eleitoral sem também vencer o voto popular, como veio a acontecer depois com Donald Trump.
Como é que ele faz isto?
Analisando a 13 cenários. Se houver uma maioria de respostas verdadeiras, o partido que está no poder mantém as chaves da Casa Branca. Se a maioria for de respostas falsas, o poder muda de mãos.
E, em 2020, é assim que Allan Lichtman responde a cada um desses cenários:
- O partido no poder venceu as eleições intercalares. Resposta: Falso.
- O partido no poder não tem eleições primárias a decorrer. Resposta: Verdadeiro.
- O Presidente no poder concorre para ser reeleito. Resposta: Verdade
- Não há uma campanha significativa de um terceiro partido. Resposta: Verdadeiro.
- A curto-prazo, a economia estará forte. Resposta: Falso.
- O crescimento económico durante esta presidência é igual ou maior ao crescimento durante os dois mandatos anteriores: Resposta: Falso.
- A Casa Branca fez mudanças amplas na política nacional. Resposta: Verdadeiro.
- Não há tensões sociais. Resposta: Falso.
- A Casa Branca não está envolvida em nenhum escândalo. Resposta: Falso.
- O Presidente no poder não sofreu nenhuma derrota nem protagonizou nenhum falhanço na política externa ou em termos militares. Resposta: Verdadeiro.
- O Presidente conta com feitos de inegável sucesso na política externa. Resposta: Falso.
- O candidato do partido no poder é carismático. Resposta: Falso.
- O candidato do partido da oposição não é carismático. Resposta: Verdadeiro.
Fez as contas? Seis cenários verdadeiros e sete cenários falsos.
Ou seja, de acordo com o modelo de Allan Lichtman, Joe Biden vai vencer. E Allan Lichtman nunca se engana — eis outra frase que, a 3 de novembro, pode muito bem ficar obsoleta.