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A população está a aumentar, sobretudo nas cidades. Por sua vez, as cidades estão cada vez mais inteligentes, mas mais poluídas também. Os desafios ambientais e da mobilidade são incontornáveis, em particular para a indústria automóvel que, além destas questões, tem de lidar com a mudança de perfil dos consumidores. O verdadeiro impacto de todas estas mudança é ainda uma incógnita, mas as marcas, de forma geral, apostam na eletrificação, na autonomia e na mobilidade partilhada.
Numa fase em que o conceito clássico de automóvel vive uma revolução sem precedentes, graças ao avanço tecnológico, que transformações terão de sofrer as cidades para acolher os carros do futuro?
Autónomos, mas não muito (para já)
Já não é novidade que os carros estão cada vez mais inteligentes. O nível de automação 2, numa escala que vai do zero ao cinco (sendo o zero aplicado a um carro sem automação e o nível cinco a viaturas sem condutores) está presente em boa parte da gama Audi, uma marca que está na linha da frente na introdução dos sistemas de piloto automático. Trata-se de carros que, entre outras coisas, aceleram e travam sozinhos, conseguem fazer ajustes na direção e são até capazes de fazer uma curva sem o condutor tocar no volante, mas apenas por breves momentos. Ao fim de uns segundos sem detetar qualquer movimento por parte do condutor, o sistema inteligente desliga e avisa o condutor para voltar a assumir o controlo do volante.
O contributo precioso da Inteligência Artificial (IA) como chave da condução pilotada tem permitido que a realidade se aproxime a passos largos do sonho. Carros que armazenam informação, que interpretam situações, conseguem prever o comportamento dos outros utilizadores da estrada e até “aprender” já não surgem apenas na ficção.
Hoje já existem automóveis com nível de automação 3, como o novo A8, o primeiro automóvel de produção com capacidade para este nível de condução autónoma. O modelo utiliza uma câmara de visão inteligente que permite identificar um vasto tipo de potenciais ameaças na estrada, como veículos, ciclistas, peões e sinais de trânsito, bem como o limite de velocidade e as delimitações de faixa de rodagem. Na verdade, poderiam estar à venda no mercado carros ainda mais evoluídos. A Audi já testou na Alemanha, numa autoestrada preparada para o efeito, um veículo totalmente autónomo, que assume a condução pilotada por longas distâncias até aos 130 km/h. A questão é que a tecnologia vai à frente de tudo o resto. E, neste momento, as grandes barreiras à autonomia continuam a ser as infraestruturas, a legislação e a mentalidade.
Desafios ambientais: aposta nos elétricos
A preocupação em tornar os automóveis cada vez mais eficientes e menos poluentes é outro dos temas na ordem do dia. Isso reflete-se na aposta generalizada das marcas em veículos elétricos. Neste contexto, é interessante lembrar que, até há pouco tempo, a maior parte da energia da rede era produzida a partir de recursos não renováveis, mas que o panorama mudou. E Portugal é inclusivamente um dos países que mais energias renováveis consome na Europa.
No início de 2019, a Audi lançará o seu primeiro modelo 100% elétrico e, até 2020, serão mais três modelos totalmente elétricos. Números que traduzem a preocupação da fabricante alemã em diminuir as emissões de gases poluentes. Até lá, continuará a investir em tornar os modelos híbridos, em híbridos plug-in e elétricos. “Temos, por exemplo, uma tecnologia mild hibrid (MHEV) que está associada ao motor de combustão, mas que permite, entre outras coisas, que a uma velocidade entre 55 e 160 km/h, em que eu não carregue no acelerador, o novo A8 circule até 40 segundos com o motor completamente desligado.”, revela Pedro Sevinate Sousa, Gestor de Produto da Audi. E isso tem repercussão na poupança de combustível (0,7l/100km) e diminuição da emissão de muitas gramas de CO2. Este é apenas um exemplo de como a tecnologia pode ser amiga do ambiente.
A Audi revela estar a cuidar do presente com soluções de combustível que permitam garantir que haja um comportamento neutro em relação às emissões de CO2. E isto é possível, neste momento, graças à produção de e-gas e e-diesel, combustíveis sintéticos que podem ser obtidos retirando CO2 da atmosfera. Pode não ser a solução ideal, mas é uma solução intermédia enquanto se investe na produção de veículos mais amigos do planeta: “É claro que depois esses produtos vão ser queimados e vão gerar CO2, mas entre aquilo que nós recuperamos e aquilo que emitimos há um equilíbrio. Pelo menos não poluímos mais.”, afirma Pedro Sevinate Sousa, acrescentando que uma fábrica na Alemanha está atualmente a produzir gás natural suficiente para alimentar mais de 500 postos de combustível.
Partilhados: o que é meu é teu
A par da condução pilotada e da eletrificação, a mobilidade será no futuro outro dos pilares da indústria automóvel. O conceito de mobilidade está a mudar e isso irá refletir-se obrigatoriamente nas vendas. Será que vamos continuar a gostar de ter um carro? Ou que vamos render-nos aos automóveis partilhados? Uma coisa parece ser certa: para as próximas gerações, o carro será, acima de tudo, uma forma de ir do ponto A ao ponto B. E isto terá muito mais peso do que o sentimento de posse que tende, de forma generalizada, a desaparecer. Esta leitura obrigará os fabricantes a mudarem a forma como estão no mercado. Atenta aos desafios do presente e já de olhos postos no futuro, a Audi abriu na China dois centros Audi On Demand, entre outros países, destinados ao aluguer pelo cliente de um dos modelos com determinados serviços incorporados. Tudo isto faz parte do cenário para um futuro que continua, no entanto, a ser relativamente incerto. “Faz parte do cenário que prevemos para o futuro. Acreditamos que a fatia dos carros partilhados irá crescer, mas o fator cultural deverá continuar a ser um fator de peso. O sentimento de posse vai mudando, mas mesmo assim somos um povo que gosta de comprar a casa, comprar o carro…”, diz Ricardo Leal Silva, Diretor de Marketing da Audi, acrescentando que acredita que o futuro “trará a coabitação entre os carros partilhados e o carro próprio.”
Só que a marca alemã vai mais longe. Baseando-se no facto da taxa de utilização diária média de um veículo não chegar hoje aos 20%, já começou a estudar formas de utilizar os automóveis para armazenar energia para a casa. Já imaginou o que será poder ir buscar energia ao carro para utilizar em casa? Um dia destes, deixará de ser apenas imaginação. “A tendência é que a Audi enquanto marca faça muito mais do que produzir veículos. A nossa preocupação hoje já não é só vender o automóvel.”. São palavras do Diretor de Marketing da marca alemã, que levantam a ponta do véu.
Infraestruturas: o que tem de mudar nas cidades?
Não chega só a tecnologia dos carros e aquilo que o ser humano consegue concretizar nesta área, graças ao desenvolvimento da Inteligência Artificial. Hoje ainda não estão criadas as condições para a condução autónoma, a vários níveis, entre as quais as infraestruturas necessárias para que os carros autónomos consigam operar. “Se nós estivermos numa autoestrada, mas se não houver faixas delimitadoras pintadas no chão, o carro não tem condições para a condução autónoma. Depois, no futuro, é necessário criar um mapeamento digital. E quando este funcionar plenamente, se calhar a marcação das vias poderá vir a deixar de ser tão relevante.”, explica o Gestor de Produto da Audi, reforçando que está tudo em permanente evolução.
A Audi tem um consórcio para o mapeamento digital, que está a trabalhar no cruzamento da informação da câmara do carro com o mapeamento digital, algo que irá permitir, com base na redundância de informação, tornar mais fácil a tomada de decisão por parte do carro, por exemplo em mudanças de faixa. 80% de todos os automóveis com sistema de navegação integrado na Europa e América do Norte já usam mapas da HERE, em que a informação surge dividida em três áreas: imagem estática digital da área envolvente; pontos de referência como rails, sinais luminosos, objetos fixos; base de dados com dados sobre hotéis, empresas e restaurantes.
Paulo Rosa, responsável de Formação de Produto da Audi, lembra outro aspeto importante para a circulação de veículos autónomos: “Também é essencial que todas as estradas tenham sinalização específica.” Hoje, nos Estados Unidos, por exemplo, todos os carros da marca Audi conseguem ler os sinais luminosos. “Sabem” quando o semáforo vai abrir ou fechar e gerem a velocidade de forma a restringir as travagens. As vantagens imediatas são três: poupança de combustível, um menor desgaste dos materiais e menos engarrafamentos (evitando o chamado efeito chicote). Outra adaptação necessária passa por garantir que todas as autoestradas tenham redes 5G, que permitam aos carros comunicarem de forma muito mais rápida. Para quando? Lá chegaremos.
Enquanto as infraestruturas não estiverem totalmente adaptadas àquilo que os carros já são capazes de fazer, os carros normais e os autónomos vão coexistir. “Os carros autónomos privilegiam, em primeiro lugar, a segurança de quem vai lá dentro. Numa rua em que haja pessoas, cães ou bicicletas a atravessarem fora das passadeiras, o carro autónomo pode ficar estagnado no mesmo sítio várias horas. Não avança, por questões de segurança. São precisas faixas próprias para que os autónomos possam circular entre os carros que têm o mesmo tipo de linguagem.”, explica Ricardo Leal da Silva.
Até todos os automóveis terem um certo grau de automação, vão passar ainda uns bons anos. Tendo em conta que o tempo de vida médio de um automóvel em Portugal andará por volta dos 12 anos, talvez daqui a esse tempo venham a circular 30 a 40% de veículos com nível 3 de automação nas estradas portuguesas.
Para já, a melhoria das infraestruturas ao nível do carregamento de veículos elétricos como um requisito fundamental para fazer face ao aumento do número destes veículos em circulação tem sido uma aposta generalizada em Portugal. Temos assistido, um pouco por todo o lado, à instalação de postos de carregamento – entre os quais, os de carregamento rápido – e nos corredores eléctricos, que já permitem percorrer Portugal de norte a sul do país num veículo elétrico. Atualmente, a rede pública de carregamento é composta por mais de 600 postos.
A legislação e a ética
Os desafios que os carros autónomos impõem ao Direito são um dos pontos que maior debate tem suscitado. A ausência de legislação nesta matéria e até de autorização para realizar testes com carros sem condutor, na maior parte dos países, tem sido um entrave à comercialização deste tipo de carros. No ano passado, a Alemanha tornou-se o primeiro país a legalizar os automóveis autónomos. Numa primeira fase, quase tudo é permitido, desde que atrás do volante esteja um condutor pronto a assumir os comandos; que exista uma caixa negra que permita apurar as causas em caso de acidente, sendo que a responsabilidade será sempre do condutor; e que o sistema permita ao piloto automático imobilizar totalmente o veículo em caso de ausência de controlo do condutor. Mas a Alemanha não é um caso isolado. Na Finlândia, existe há algum tempo um sistema de minibus elétricos autónomos que transportam passageiros durante 400 metros a uma velocidade de 11 km/h. Em países como o Reino Unido e a Suécia já começam a surgir as primeiras leis que visam a circulação de carros autónomos. Em Portugal, notícias recentes dão conta de que deverão começar a ser feitos, ainda este ano, na A9 (CREL), os primeiros testes com veículos autónomos.
Muitas são as questões que continuam sem resposta ou com respostas que poderão não ser suficientemente esclarecedoras: em caso de acidente, de quem é a culpa, do carro ou do condutor? Serão as seguradoras obrigadas a assumir os custos de acidentes com veículos autónomos? Quando o carro toma uma decisão, fá-lo fundamentado em que informação? E quem é que forneceu essa informação?
Também em termos éticos se colocam questões de respostas complexas. Se imaginarmos uma rua com traço contínuo onde foi colocada uma série de cones de trânsito na faixa onde segue o carro autónomo, o que deverá o carro fazer: infringir a lei? E se houver um acidente envolvendo peões e objetos, conseguirá o carro tomar a decisão de evitar, em primeiro lugar, atingir os peões? Ou deverá ainda fazer uma curva brusca e arriscar a vida de quem segue dentro da viatura?
Estes são apenas exemplos de dilemas que um condutor pode enfrentar na estrada, que exigem decisões tomadas no momento. A ausência de respostas do ponto de vista da ética e da lei relativas a situações de decisão em momentos cruciais (como os imprevistos na estrada) continua a motivar entraves à criação de condições para a circulação de veículos totalmente autónomos.
A mudança de mentalidade
“Isto exige uma mudança cultural. É um processo de confiança.” É Ricardo Leal Silva quem o afirma, explicando que um dos grandes desafios do futuro passa por tentar mudar o chip das pessoas no sentido de uma adaptação aos carros autónomos. Em causa estão, entre outros, os conceitos de tempo e prazer de condução, que irão naturalmente moldar-se. Tudo depende da mentalidade e do gosto de cada um. “Eu, que gosto de conduzir, mas também gosto de toda esta tecnologia, vejo a condução pilotada como uma mais-valia em determinadas situações.”, reconhece Pedro Sevinate Sousa, acrescentando que a condução autónoma permitirá reunir num automóvel o melhor de dois mundos: deixar que o carro conduza sozinho em situações de trânsito, de cansaço ou quando queremos ir a fazer outras coisas, como trabalhar ou simplesmente conversar, ou então assumirmos o volante e tirarmos partido do prazer de conduzir, quando nos apetecer.
Uma coisa é garantida: os mais jovens – que estão mais próximos do futuro do que do presente – manifestam estar cada vez mais alheados do prazer da condução e mais preocupados com o facto do carro ter ou não internet, para se manterem permanentemente ligados a tudo e a todos. E esse é um dos dados que já marca e continuará a marcar os novos modelos.