Foi uma tentativa de antecipação a um discurso que já se adivinhava. Joe Biden foi o primeiro a surgir em frente às câmaras, para falar antes de uma eventual declaração de vitória de Donald Trump — procurando, eventualmente, travá-la. Mas não conseguiu. Perto das 2 da manhã em Washington, Trump cumpriu as previsões: avançou que, na sua leitura, já tinha vencido e asseverou que está em curso uma “enorme fraude” – alegando mesmo que irá pedir ao Supremo Tribunal para que interrompa a contagem dos votos. Antes, Biden tinha falado apenas em confiança na vitória, pedindo aos norte-americanos para serem “pacientes” e antecipando um processo “longo”, mais longo até do que se previa.
[Veja aqui os momentos mais relevantes dos discursos de Donald Trump e Joe Biden]
Biden pede que se “mantenha a fé” e tenta antecipar-se a eventual declaração de vitória de Trump
Pouco antes da 1h da manhã (na costa leste dos EUA), o candidato democrata fez uma curta declaração, perante uma plateia de apoiantes (automobilizados, numa espécie de comício drive-in, muito frequente durante a campanha), que teve um objetivo claro e primordial: tentar “esvaziar” uma eventual declaração de vitória por parte de Donald Trump, que, efetivamente, surgiria cerca de uma hora depois.
Não é minha função, nem a função de Donald Trump, declarar vitória nesta eleição. Isso é uma decisão que cabe ao povo americano”.
Já se percebia que Trump, animado pelas projeções que lhe dão a vitória em estados importantíssimos como a Flórida, o Ohio e o Texas, poderia tomar a iniciativa de se declarar vencedor. Com este discurso, Biden tentou antecipar-se a essa jogada, sublinhando que “isto não acaba sem que cada voto seja contado, cada boletim seja contado”. Esta é uma referência à importância de contar todos os votos enviados pelo correio que, a par do voto presencial antecipado, tiveram uma importância muito maior do que o habitual nesta eleição.
Depois de saudar os seus apoiantes pela “paciência”, Joe Biden sublinhou que já se sabia que “isto ia ser longo”. “Mas poucos diriam que iríamos até amanhã de manhã ou até mais tarde, ainda“, admitiu.
Lembrando-se de produzir um sorriso entre cada frase, Biden asseverou: “Sentimo-nos bem em relação ao ponto em que estamos. Sentimos mesmo”. “Eu acredito que estamos encaminhados para vencer esta eleição”, insistiu, uma confiança que, diz Biden, saiu reforçada pela votação antecipada “sem precedentes”. Mas isso faz com que o processo “vá demorar algum tempo”. “Temos de ser pacientes.”
Caso a Flórida tivesse ido para Biden, poucos acreditariam que a vitória final fugiria ao candidato do Partido Democrata. Mas não terá sido isso que aconteceu, segundo todas as projeções: Trump venceu na Flórida, um resultado que já se adivinhava desde que foi noticiado que alguns responsáveis da campanha de Biden tinham reconhecido uma fraca prestação entre os eleitores hispânicos na zona de Miami.
Ah, e, a propósito, vai demorar-se a contar os votos, mas vamos ganhar a Pensilvânia”.
Biden não se referiu a qualquer um desses estados, claramente reconhecendo que perdeu a Flórida e os outros. “Sentimo-nos confiantes em relação ao ponto em que estamos“, disse, sublinhando: “Já foi indicado que ganhámos o Arizona. Estamos confiantes de que venceremos o Arizona – o que será uma reviravolta. Também vencemos o Minnesota, e ainda estamos a disputar a Geórgia, embora isso não tenha sido algo que tenhamos previsto”.
O ex-vice-presidente referia-se, quando falava no Arizona, ao facto de uma estação televisiva ter declarado que democrata iria ganhar o Arizona – o que enfureceu Trump e a campanha republicana (e que terá motivado o tweet de Trump de que alguém estaria, disse, a tentar “roubar” a eleição a Trump). Tendo perdido a Flórida, arrancar uma vitória no Arizona (onde Trump venceu em 2016) seria um golpe crucial para Biden, no caminho para a eleição.
“E sentimo-nos, também, muito confiantes acerca do Wisconsin e o Michigan”, afirmou, antes de atirar: “Ah, e, a propósito, vai demorar-se a contar os votos, mas vamos ganhar a Pensilvânia“.
Essa é uma confiança que Joe Biden disse que se baseia nas conversas que teve com responsáveis da campanha em Scranton, Pensilvânia, onde esteve durante a manhã com as netas – “eles estão muito entusiasmados com a participação que viram”. “Poderemos saber os resultados amanhã de manhã, mas pode demorar um pouco mais, como eu sempre disse”, indicou.
Sensivelmente à hora em que Biden falava, a CNN indicava que na cidade de Filadélfia (no swing state da Pensilvânia) foram recebidos 350 mil votos por correspondência — de entre os quais, à 1h30 da madrugada, hora local, só tinham sido contabilizados 76 mil. A expectativa é que a contagem dos votos nesse estado decisivo poderá arrastar-se até ao final da semana.
Mantenham a fé, malta! Vamos ganhar isto”.
À primeira vista, não é muito animador ver um candidato que passou boa parte da campanha a liderar as sondagens — às vezes com dois dígitos (no voto nacional) — a fazer referência à “fé” de que a vitória não escapará. Mas, depois de perder a Flórida, os democratas precisa mesmo de “fé” para garantir a confirmação de que Biden venceu, mesmo, os votos do colégio eleitoral na Geórgia e no Arizona.
Recorde-se que nos cinco estados dos quais depende, basicamente, o resultado desta eleição presidencial – Geórgia, Michigan, Wisconsin, Pensilvânia e Carolina do Norte – Trump bateu Hillary Clinton em todos eles, em 2016. Joe Biden sublinhou várias vezes que acredita que irá sair vitorioso em alguns.
A fechar, Biden voltou a falar sobre a sua infância — repetindo uma história contada num comício na Filadélfia, no domingo, também no final do discurso. “Sempre que eu saía da casa do meu avô, em Scranton, o meu avô dizia-me: ‘Joey, mantém a fé’. E a minha avó corrigia-o: ‘Não, Joey, espalha-a’. O remate do discurso de Joe Biden, provocando uma salva de buzinas entre os seus apoiantes: “Mantenham a fé, malta! Vamos ganhar isto“.
Trump queixa-se de uma “enorme fraude” e declara vitória (e nem precisava de “tantos” estados)
Donald Trump falou pouco depois das 2h em Washington DC, a partir da Casa Branca. Entrou na sala este, onde habitualmente são dadas as conferências de imprensa, e foi apresentando por uma voz off que o anunciou como “o Presidente dos Estados Unidos da América”, antes de começar a tocar “Hail to the Chief”, o hino do Presidente, que entusiasmou as dezenas de apoiantes presentes (e sem que houvesse máscaras ou distanciamento social).
Poucos segundos depois, a declaração de vitória. E não uma declaração de vitória “por pouco”, mas uma vitória folgada – “nem precisávamos de tantos estados”.
Milhões e milhões de pessoas votaram por nós, hoje, e um grupo muito triste de pessoas está a tentar privá-los disso – e não vamos admitir que isso aconteça”.
Na realidade como Donald Trump a diz ver, os republicanos estavam a preparar-se para “uma enorme celebração, para ir para a rua celebrar uma linda vitória”. “Estávamos a ganhar tudo. E, de repente, tudo foi cancelado”, concluiu. O acontecimento-chave nesta noite eleitoral terá sido quando a Fox News, a cadeia televisiva que foi mais agressiva na declaração do vencedor de cada estado, ter indicado que Biden tinha ganho no Arizona – uma vitória crucial tendo em conta que os democratas tinham perdido a Flórida.
A Associated Press viria, já depois de Trump falar, a confirmar a vitória de Joe Biden no Arizona, mas a pronúncia inicial, pela Fox, terá deixado Donald Trump e a sua campanha em absoluta fúria, como foi amplamente noticiado.
Trump sublinhou as vitórias “em estados onde nem estávamos à espera de ganhar”, como a Flórida. “Não ganhámos a Flórida, ganhámos a Flórida por larga margem”, asseverou. “Ganhámos no Ohio, ganhámos no Texas, também é claro que ganhámos na Geórgia – estamos a 2,5 pontos percentuais, ou 117 mil votos, de distância, com 7% dos votos por contar. Nunca nos vão apanhar, é impossível apanhar-nos.”
Não era bem assim: na manhã desta quarta-feira, com 85% dos votos contados, era ainda impossível declarar um vencedor naquele estado, tal era a proximidade entre os dois candidatos. Apesar da ligeira vantagem em termos absolutos, ao longo da noite o The New York Times foi inclinando o seu indicador de probabilidade de vitória no sentido de Joe Biden. Esta probabilidade é medida tendo em conta fatores que incluem a identificação dos condados onde ainda falta contar votos, que podem ser mais favoráveis a um ou a outro partido, e também ao tipo de voto que falta contar, já que os democratas recorrem mais ao voto antecipado do que os republicanos.
Ainda não há vencedor nos EUA e a noite eleitoral pode passar a semana eleitoral. O que falta saber?
Também a Carolina do Norte estava no papo, dizia Trump, quanto também não havia um vencedor declarado, embora o mesmo indicador aponte, aqui sim, para a maior probabilidade de Trump vencer.
E também o Arizona. Temos ainda muita vida nesse estado e alguém declarou que o Arizona ia para eles…”
Esse alguém, como já vimos, foi a Fox News, o canal favorito de Donald Trump e que teve vários republicanos na sua antena durante o dia (incluindo o próprio Trump, às primeiras horas da manhã). Trump até admite que a Fox tenha acertado — “é possível que assim seja, mas ainda há muitos votos para contar no que se chama ‘território Trump'” —, mas caricaturou “o cavalheiro” que viu na televisão “a dizer que era ‘bastante provável’ que Trump perdesse…”. Ora, “nós nem sequer precisávamos do Arizona, era um estado que nós gostaríamos de ganhar”, disse.
Mas, mais importante do que isso, estamos à frente na Pensilvânia por uma larga margem.”
É verdade que, à hora a que Trump falou, havia uma distância grande na votação nesse estado crucial – 55,7% contra 42,9% –, mas há uma grande quantidade de votos antecipados que não tinham sido ainda contados – e poderão só ser contados totalmente nestes próximos dias. Mas, na leitura de Trump, “nem sequer é próximo – vai ser quase impossível que o resultado seja outro, até porque estão a chegar a zonas onde acontece que gostam muito deste vosso Presidente”.
Michigan, Wisconsin, o Texas… “Quando se pega nestes três estados e tantos outros… Tivemos uma noite excelente, quando se olha para os resultados – não é como se estivéssemos à frente por 12 votos, com 60% dos votos por contar”.
E foi aí, na leitura de Trump, “que todos estes comentadores televisivos disseram…. uhhh…”. “Eu digo-vos o que aconteceu: eles sabiam que não iam ganhar, portanto disseram que se iria a tribunal, tal como eu sempre previ desde que se soube que ia haver dezenas de milhões de votos [pelo correio]”. Joe Biden, porém, não tinha feito qualquer referência a ir para tribunal.
Isto é uma fraude contra o povo americano. Isto é um embaraço para o nosso país.”
Trump anunciou que vai, de alguma forma, pedir ao Supremo Tribunal para interromper a contagem dos votos – que, nesta reta final, será sobretudo nos votos antecipados. “Queremos que a lei seja usada corretamente. Não queremos que eles encontrem uns boletins de voto às 4 da manhã e os acrescentem à lista”, atirou, acrescentando que este é “um momento muito triste”.
Não existe qualquer relato de fraude eleitoral neste processo, os votos antecipados estão a ser contados como é normal. Mas Trump vê nesta questão do voto antecipado por correio, como muitos já tinham previsto, um grande potencial para fraude que, eventualmente, lhe possa retirar a vitória. “Quanto a mim, francamente nós já ganhámos. O nosso objetivo, agora, é assegurar a integridade deste processo”, afirmou, antes de também Michael Pence falar, mas de forma mais cautelosa. O vice-Presidente optou por falar no “caminho para a vitória” e prometer que o partido estará “vigilante” para a contagem de votos que restam, protegendo os eleitores.