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Quando os chefes de governo europeus saíram da última reunião informal da passada segunda-feira, a distribuição dos chamados top jobs continuava por fechar. Iria Von der Leyen continuar como presidente da Comissão Europeia? Metsola manter-se-ia a liderar o Parlamento? E, numa questão mais cara a Portugal, estariam as chances de António Costa de se tornar presidente do Conselho Europeu diminuídas — depois de ter sido criticado pelas suas posições sobre migrações, Ucrânia e o caso legal que o ensombra?
À altura, tudo parecia estar em aberto, mas os próprios líderes diziam estar confiantes de que seria encontrada rapidamente uma solução. Aquilo que os dias seguintes demonstraram, através das fugas de informação habituais, é que, afinal, não foi apenas a direita radical, encabeçada pela primeira-ministra Giorgia Meloni e o húngaro Viktor Orbán, a colocar pedras na engrenagem; terá mesmo sido a proposta inovadora do Partido Popular Europeu (PPE), exigindo o cumprimento do mandato de presidente do Conselho Europeu de apenas dois anos e meio, previstos pelos tratados, em vez dos dois mandatos, num total de cinco anos, que têm sido informalmente habituais.
E, de repente, todo o entendimento que parecia estar montado ficou em risco, com os socialistas a reagirem irados à proposta. Iria a negociação ser reaberta? António Costa ficou com o lugar em risco? Ao que indicam fontes nacionais e estrangeiras, não exatamente. No braço-de-ferro da negociação onde todos tentam mais do que de facto acham possível alcançar, há ainda uma alta probabilidade de Costa ocupar a cadeira de presidente do Conselho Europeu durante dois anos e meio — na pior das hipóteses.
A sugestão do PPE de dois anos e meio. “Só estamos a tentar seguir os tratados”
A proposta foi trazida para cima da mesa pelo primeiro-ministro croata, Andrej Plenković, a meio da reunião. O argumento é apenas um: o PPE teve um resultado global melhor nestas eleições do que nas de 2019 e, portanto, deve ter mais representatividade nos cargos de topo neste mandato. À altura, menos de dez dos lugares do Conselho pertenciam a líderes de partidos do PPE; neste momento, justificou o croata, são 12 — e talvez venham a ser mais, conforme correrem eleições futuras em países como a Alemanha e Espanha.
Como resolver isto? Recorrendo à tal ideia de cumprimento restrito dos tratados: dois anos e meio de presidência para os socialistas e, chegados ao fim, eleição de um representante dos populares para o cargo. Ao Jutarnji list, jornal de Zagreb, o croata confirmou ter defendido a ideia. “Não sei quem a divulgou cá para fora, mas defendo tudo o que disse. Acho que é bom para a nossa família política”, disse no dia seguinte à reunião.
A sugestão do PPE, que surpreendeu e irritou os socialistas do S&D é, de facto, inovadora. “É surpreendente que eles queiram ainda mais”, reconhece ao Observador Sophia Russack, investigadora do think tank de Bruxelas Centro para os Estudos de Política Europeia (CEPS na sigla original). “Não olham apenas para a percentagem que têm no Parlamento Europeu, onde são os que têm maior presença, mas não a suficiente para ficarem com todos os top jobs. Então, olham para a composição do Conselho Europeu e para o maior número de chefes de governo. Mas esse argumento é uma forma de spin — e acho que eles estão a subir demasiado a parada.”
“Só estamos a tentar seguir os tratados”, sugeria uma fonte do PPE ao Euractiv nos últimos dias. A sugestão de Plenković é, de facto, regular em termos das leis europeias, já que o mandato de presidente do Conselho é de dois anos e meio e não cinco — embora possa ser renovado por mais dois e meio. E a praxis política tem sido precisamente essa: o acordo informal entre partidos sempre foi o de renovar automaticamente o mandato de cada presidente: foi assim com Herman Van Rompuy, com Donald Tusk e, agora, com Charles Michel.
No entanto, fonte conhecedora do processo explica ao Observador que a solução pode acabar por ser híbrida. Ou seja, de facto, o compromisso pode ficar pela indicação de António Costa apenas por dois anos e meio, mas não se colocaria como moeda de troca que a cadeira passasse a ser ocupada necessariamente por uma figura do PPE. Quando o momento chegasse, as partes envolvidas logo avaliariam se era ou não útil mudar o presidente do Conselho Europeu.
Quem conhece bem as dinâmicas da bolha europeia, e quem conhece as capacidades negociais de António Costa, diz que esta solução não seria um drama para o antigo primeiro-ministro. No passado, Donald Tusk manteve-se no cargo mesmo depois de ter perdido o apoio do governo do próprio país. Charles Michel, que era contestado por quase todos, sobreviveu para contar a história. Costa, que já superou quase tudo o que havia para superar em política, mesmo quando o deram como politicamente morto, não terá grandes dificuldades em segurar as pontas num cargo em que será essencialmente um construtor de pontes.
Metsola como possível moeda de troca e a fasquia baixa de Charles Michel ajudam
“É muito difícil perceber se a proposta do PPE tem pernas para andar”, reconhece Manuel Müller, membro do Instituto Finlandês de Relações Internacionais, especializado no funcionamento da União Europeia, explicando que “antagonizar demasiado os socialistas” não é do interesse dos populares. “Uma possível explicação pode ser a de o PPE estar de olho num acordo em que, em troca [de manter o status quo no Conselho], fosse concedido um mandato garantido de cinco anos a Roberta Metsola como presidente do Parlamento Europeu, em vez da divisão de dois anos e meio que tem sido habitual no passado.”
A ideia não surge no vácuo: na reunião de segunda-feira, o primeiro-ministro croata terá sublinhado também que é necessário ter em conta a distribuição não apenas dos top jobs tradicionais, mas outras funções como a de secretário-geral da NATO (cujo mandato está encaminhado para o liberal Mark Rutte), secretário-geral do Conselho da Europa e presidente do Banco de Investimento Europeu. Ou seja, o PPE pode estar simplesmente a negociar e a tentar obter algo em troca, em vez de dar de bandeja a presidência do Conselho a Costa.
As fontes presentes na reunião de segunda-feira confirmam que tudo não passa do jogo habitual das negociações europeias: “O PPE sabe perfeitamente que só pode esticar até certo ponto e não quer passar uma linha vermelha”, reconheceu um socialista ao Euractiv. Mais relevante ainda: um popular disse ao Politico que se trata tudo de “um jogo de poder para ver qual dos dois vai ceder primeiro”.
É precisamente por tudo isto que as fontes ouvidas pelo Observador consideram que o mais certo é que António Costa seja formalmente confirmado como presidente do Conselho Europeu na próxima reunião, já esta semana, a 27 e 28 de junho, para, no mínimo, o mandato de dois anos e meio. Mas talvez até para mais do que isso: “O cargo foi criado para dar estabilidade à preparação e gestão do Conselho, não faz muito sentido mudar o incumbente a cada dois anos e meio se não houver nenhum problema com ele”, nota Eric Maurice, analista do European Policy Center, que foi durante anos correspondente em Bruxelas como jornalista.
O objetivo, diz Eric Maurice, é tornar mais provável a manutenção de Metsola durante cinco anos no Parlamento Europeu ou então a manutenção da liderança do Banco Central Europeu nas mãos de um político do PPE (o cargo é atualmente ocupado pela francesa Christine Lagarde).
Ainda para mais porque, acrescenta o analista francês, Costa “é respeitado por ambos os lados, razão pela qual nunca foi totalmente descartado, mesmo não estando ainda totalmente ilibado das questões judiciais”. Ideia reforçada por Müller: “É um primeiro-ministro experiente e um dos socialistas mais seniores que, apesar de não ter um perfil europeu forte, teve um percurso como primeiro-ministro considerado geralmente bem sucedido [na Europa]”. A demissão na sequência da Operação Influencer, diz, “naturalmente afetou a sua imagem, mas a expectativa é que o caso no que diz respeito a ele venha a ser arquivado”.
Com tudo isto, há mesmo quem se atreva a prever que, seja qual for o acordo no próximo Conselho, Costa sairá dele como futuro presidente do Conselho Europeu e muito provavelmente por cinco anos: “Se ele ocupar o cargo — o que continua a parecer provável — e fizer um bom trabalho, os líderes vão tender a dar prioridade à estabilidade política”, arrisca Sophie Russack.
“Ele é o favorito dos socialistas, é visto como um bom negociador e neste momento não ocupa nenhum cargo. Cumpre todos os requisitos. E, tendo em conta que sucede a Charles Michel, tem o caminho facilitado”, acrescenta a investigadora, referindo-se ao impopular antecessor. “As pessoas gostam tão pouco de Michel que, para Costa, tudo vai ser mais fácil, faça ele o que fizer no cargo.”
Sánchez e Letta, “os nomes” que circulam “na bolha” como obstáculo
É claro que, porém, em política (e em Bruxelas particularmente) não há nunca certezas. Para além da questão levantada pelo PPE, há ainda as reservas de Giorgia Meloni e Viktor Orbán — “ela estava furiosa”, revelou uma fonte ao Financial Times sobre o que aconteceu na segunda-feira, por lhe ter sido apresentada uma solução já fechada com os quatro candidatos (Ursula von der Leyen para a presidência, Costa para o Conselho, Metsola no PE e Kaja Kallas como Alta-Representante para a Política Externa). O facto de o Presidente francês, Emmanuel Macron, ter atrasado os trabalhos por exigir assistir ao jogo da seleção francesa terá deixado a italiana ainda mais irada, conta o Corriere della Sera.
Mas, no fundo, os obstáculos levantados pela direita radical estão longe de ser a maior dor de cabeça para Costa. “Aquilo que Meloni quer é uma pasta de comissário forte para um italiano. Para chegar a casa e dizer ‘Veem? A Meloni defende-vos”, resume Russack.
Nunca é de excluir, porém, surpresas de última hora. Na “bolha de Bruxelas”, diz a investigadora, circulam frequentemente muitos nomes: fala-se num tecnocrata como Enrico Letta e, neste momento, até há quem não exclua que o socialista espanhol Pedro Sánchez reverta a posição de apoio a Costa e se atire para a arena. Russack, contudo, acha tudo improvável: “Sánchez sair de Espanha agora teria repercussões enormes a nível nacional. Não seria politicamente inteligente para ele, que ainda é relativamente jovem.”
Já Eric Maurice dá Letta como fora da corrida: “Foi primeiro-ministro há mais de dez anos. Apesar de isso não estar nos tratados, a regra informal é que o presidente do Conselho deve ser um líder atualmente no poder ou que o tenha deixado há pouco, porque é importante conhecer as pessoas que estão na sala e as dinâmicas entre elas.”
É por isso que, feitas as contas, quer dentro da delegação nacional, quer em Bruxelas, a convicção da maioria é que a solução final incluirá Costa. Mesmo que na forma salomónica de dois anos e meio no cargo, embora até essa seja vista como improvável. “O ambiente é de querer decidir rapidamente. Não há apetite por experiências neste momento”, sublinha Maurice.
Mas se tudo mudou na segunda para tudo ficar provavelmente igual no final, porquê o impasse da passada segunda-feira? Sophie Russack resume tudo numa frase: “É Bruxelas. Se tudo estivesse totalmente fechado e sem qualquer mudança na segunda-feira, os líderes não teriam ido até lá só para terem um bom jantar.”
Até à última, é preciso espremer toda e qualquer cedência ao outro lado. Mas este processo de negociação está longe de ser a dor de cabeça que outros líderes europeus já encontraram no passado e o mais certo é tudo ficar acertado nesta semana. São os próprios líderes a sinalizá-lo: “É preciso marinar, mas não estamos longe”, disse Macron. Até Andrej Plenković, o croata responsável por ter colocado em cima da mesa a proposta que baralhou tudo, está confiante: “Isto é como leite e mel. Comparado com a última vez, esta segunda-feira foi uma noite muito agradável.”