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Manifestação convocada pelos estudantes portugueses em nome da justiça climática. O dia é marcado por mais de 1200 manifestações no mundo inteiro, “desta vez com ainda maior foco na justiça social e na urgência de uma transição justa para todas as pessoas”, exigindo uma rápida ação climática por parte dos líderes mundiais. As reivindicações passam pelo setor da energia, dos transportes e agroflorestal e pela educação, mineração e urbanização.24 setembro 2021.  ANDRÉ KOSTERS/LUSA
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A intervenção cívica dos jovens não se reduz à política, concluem alguns especialistas. O ambiente é uma das preocupações dos mais novos (

ANDRÉ KOSTERS/LUSA

A intervenção cívica dos jovens não se reduz à política, concluem alguns especialistas. O ambiente é uma das preocupações dos mais novos (

ANDRÉ KOSTERS/LUSA

Os jovens e a política: da intervenção cívica às vozes não escutadas “no mundo dos adultos”

Persiste o “mito” de que os jovens não se interessam por política. Estudos recentes contrariam-no, acautelando que há vários perfis. Para eles, a intervenção cívica vai além dos partidos.

Será que os jovens não se interessam por política, nem se mobilizam civicamente? Para responder a esta questão convém, antes de mais, distinguir ao certo do que falamos quando dizemos “os jovens”. Em 2013, no âmbito da tese de doutoramento sobre jovens, jornalismo e participação, Maria José Brites, filiada ao Centro de Investigação em Comunicação Aplicada, Cultura e Novas Tecnologias (CICANT), da Universidade Lusófona, provou que sim, participam – mas que é preciso ter em conta “diferentes perfis de jovens”.

Partindo dessa conhecida representação simplista, “não apenas hoje, mas em vários momentos históricos, que dissocia os jovens do interesse de participar em sociedade e dos temas de atualidade política, em especial os que são divulgados pelas notícias e media tradicionais”, a investigadora foi à procura dessas particularidades.

Entre 2010 e 2011, pesquisou “diferentes formas, níveis e intensidades de participação de jovens”, desde o parlamento juvenil, passando por jornais escolares, assembleia de bairro, graffiti, hip-hop e juventudes partidárias/partidos políticos.

Através de entrevistas e grupos de foco, Maria José Brites constatou dois aspetos fundamentais quando se fala de jovens, participação política e culturas cívicas. Por um lado, quando se abrem espaços de partilha fomenta-se “mais interesse e participação”. Por outro, que “os jovens reclamaram mais voz, experiências positivas” e, também, “a existência de alguma disciplina como Introdução à Política”. Estes aspetos permanecem fundamentais e a tese originou o livro Jovens e Culturas Cívicas, por Entre Formas de Consumo Noticioso e de Participação (ed Labcom, 2015).

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Com o estudo, a professora universitária chegou a cinco perfis juvenis  sobre participação e consumos noticiosos, e reflete que, em determinados momentos, as vozes dos participantes revelavam “um sentido de impotência para entrarem e se integrarem no mundo dos adultos”.

Ambiente, salário e conciliação da vida pessoal com o trabalho são temas importantes para os jovens, de acordo com o estudo da FFMS. Os dois primeiros já estão no debate político. O terceiro não tanto

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Por isso, defende, “é de encarar com cuidado indicações de que os jovens são apáticos e desinteressados”. Aliás, conforme escutamos nas vozes de vários jovens, de norte a sul, que vão votar pela primeira vez nas eleições legislativas de 30 de janeiro, há uma geração mobilizada por uma cidadania ativa.

É nessa linha que investigadores como Rita Figueiras, especialista em comunicação política da Universidade Católica, e Pedro Magalhães e Sofia Serra-Silva, investigadores do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, também acautelam que, sempre que se quiser começar o debate sobre jovens, participação e culturas cívicas, é preciso partir do conhecimento de que estamos perante “um subgrupo populacional heterogéneo”. Para melhor compreendê-los, é fundamental partir dessa diversidade.

Os jovens e a política: acabar com os clichés

A mais recente prova dessa diversidade é o estudo Os Jovens em Portugal, Hoje, lançado em 2021 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. “É uma visão redutora dizer que os jovens são pouco interessados, ou pouco participativos e este estudo evidencia isso nas várias valências”, argumenta Sofia Serra-Silva, uma das investigadoras responsáveis pelo capítulo sobre “principais resultados sobre o que pensam os jovens” relativamente a política.

Os jovens em Portugal, Hoje

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Com o subtítulo “quem são, que hábitos têm, o que pensam e o que sentem”, o estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos debruçou-se em 4 904 jovens entre os 15 e os 34 anos, residentes em Portugal, questionando aspetos como a formação, o trabalho pago, os hábitos, a pressão social que sentem, até que ponto se sentem felizes, o que pensam em relação a questões como a política, o meio ambiente, entre outros.

O estudo indica que os temas com maior saliência são salários, ambiente e conciliação da vida profissional com a vida pessoal/familiar e estes são alguns dados relevantes que ajudam a compreender o perfil da atual nova geração:

  • Metade dos jovens diz votar sempre que há eleições (53%)
  • Assinar petições é o tipo mais comum de participação cívica (40%)
  • 87% tem posição política: há mais mulheres de esquerda (33%) e mais homens de direita (35%)
  • A TV é o meio preferido de acesso à atualidade política e social (53%);
  • A maioria considera que quem não vota não se pode queixar dos governantes (74%);
  • “É menos provável juntarem-se a um partido do que há 20 anos.”

“A evidência que temos é que os jovens votam menos do que no passado”, reconhece a politóloga, mas trata-se de uma “evidência genérica para a maior parte dos países europeus”. Além disso, indica “há uma relação curvilínea entre a idade e a participação eleitoral”, ou seja um efeito do próprio ciclo de vida.

“Quando as pessoas são mais jovens, a participação eleitoral começa por ser mais baixa e vai aumentando nas fases de transição de vida adulta. Depois começa a decrescer numa idade mais avançada, em que os custos de participação são mais altos”. Por exemplo, “questões físicas de deslocação, contexto de pandemia ou perigo de ficar infetado”.

Mas isso não significa que não participem. Pelo contrário, há sinais de mudança, atenta o investigador Pedro Magalhães, indicando que os dados mais recentes contrariam a ideia de que os jovens em Portugal são politicamente passivos. E explica o aparente paradoxo entre a “baixa participação eleitoral e a participação cívica dos jovens”.

“Se olharmos exclusivamente para a participação eleitoral, é verdade que os jovens portugueses participaram menos que os seus congéneres europeus. Mas não é verdade para outros tipos de participação, como manifestações, protestos ou petições.”

“Há jovens que se interessam por participação e por política tradicional, nomeadamente os que participam em partidos políticos ou juventudes partidárias. Mas não só: há jovens que também estão associados a organizações não governamentais ligadas aos direitos humanos ou aos direitos dos animais.”
Maria José Brites, investigadora do CICANT

Além disso, o politólogo chama a atenção para o facto de, nos casos em que [é avaliado que] os jovens participam menos que os seus congéneres europeus, os mais velhos também participam menos. “Não é um fenómeno que caracteriza os jovens, é um fenómeno que caracteriza a cultura política portuguesa.”

E, mesmo assim, acrescenta: “quando deixamos de olhar para médias e olhamos para evoluções, aquilo que se verifica, especialmente na última década, é um crescimento de quase todas essas formas de participação, na população em geral e nos jovens também.” E destaca que esse aumento de participação em geral em Portugal “começou a dar sinais durante o período da Troika”. Depois, “noutros casos está ligado a mudanças tecnológicas que, num certo sentido, democratizaram as formas de participação”.

Mais protestos, petições e ONG

Sofia Serra-Silva alinha-se na análise e garante que “eles são mais ativos na participação em protestos e são também cada vez mais críticos e cada vez mais locais em determinados temas”. “Quando olhamos para a participação eleitoral, a imagem que temos é de uma cidadania fraca, em que há pouca participação eleitoral por parte dos segmentos mais jovens. Mas não podemos interpretar esse resultado como ‘os jovens são desligados da democracia e da vida política’.”

Aliás, o facto é que os jovens têm sido “muito eficazes no rejuvenescimento do repertório político de participação tradicional”, garante a investigadora do ICS, exemplificando: “muitas vezes, de forma coletiva, criam redes internacionais, em que se vê, por exemplo no caso do ambiente, em colaboração em vários países, focado em protestos, participação eleitoral e estão a criar novas formas de participação, até fora do próprio espaço de instituições políticas tradicionais”.

Uma breve pesquisa online, unindo as palavras “jovens” e “manifestações em Portugal”, destaca a participação juvenil nas ruas nos últimos três anos. Em outubro de 2021, em setembro de 2020 e, pelo menos, em maio de 2019, milhares de jovens portugueses manifestaram-se, apartidariamente, por falta de políticas adequadas para travar as alterações climáticas. Aliás, o meio ambiente tem sido um dos temas que mais os preocupa e “a maioria sente-se responsável por evitar as alterações climáticas”, revela também o estudo da FFMS.

Outros dados dessa investigação que reforçam o argumento da participação juvenil são o facto de 40% afirmar ter assinado uma petição online – que é , aliás, “uma característica da sociedade portuguesa” em geral –, 16% ter participado em ações de voluntariado e, depois, sobressai a questão da multi participação. “Há segmentos da população [juvenil] que são muito participativos, diversas vezes e de diversas formas”, enfatiza Sofia Serra-Silva. E exemplifica: “70% dos jovens que admitiram boicotar algum produto por questões políticas, dizem também terem assinado petições, por isso demonstra que esses são jovens muito interessados pela política, utilizando diferentes mecanismos de participação”.

No seu estudo, Maria José Brites já comprovara que uma franja da população juvenil apresentava cultura cívica, direcionada para a dimensão de formas de participação não tradicional que não se esgotam no voto. “Há jovens que se interessam por participação e por política tradicional, nomeadamente os jovens que participam em partidos políticos ou em juventudes partidárias. Mas não só: há jovens que também estão associados a organizações não governamentais ligadas aos direitos humanos, aos direitos dos animais, atividades ligadas à sopa de pobres, por exemplo”.

5 +1

Segundo Maria José Brites, investigadora do CICANT (Univ. Lusófona), relacionando o seu estudo – disponível em Jovens e Culturas Cívicas: por Entre Formas de Consumo Noticioso e de Participação (ed Labcom, 2015) – com outros internacionais, os cinco perfis a que chegou alinham-se com tipologias de outros países europeus, seguindo uma tendência.

Perfil 1
“As suas participações (com exceção do desporto) estavam sobretudo condicionadas por oportunidades que iam surgindo mas que deixavam de ter relevância ao longo do tempo, verificando-se uma baixa intensidade de participação.”

Perfil 2
“Revelou um reforço das qualidades de participação ao longo do tempo, bem como uma maior diversidade de participação convencional e não convencional, embora ainda muito ligada a atividades de microparticipação”.

Perfil 3
“Dedicou-se mais a atividades de participação não convencionais. Centraram-se sobretudo em formas de participação a nível micro e a internet teve ainda um papel preponderante nas suas atividades, relacionando o consumo noticioso com as preferências de participação.”

Perfil 4
“Múltiplas formas de participação convencional mas também não convencional (micro e macro). A sua intensidade ao longo do tempo revelou o quanto é importante para estes jovens estarem ativos e serem pró-ativos”.

Perfil 5
“Grupo de jovens que menos tempo esteve no projeto, pois nenhum participou no grupo de foco, revelando ‘maior centralidade em escolhas e objetivos pessoais’. Porém, uma das evidências é que este grupo era ‘apenas constituído por rapazes, tendo sido difícil encontrar participantes no feminino’.”

Novo perfil
De momento, Maria José Brites está a preparar um novo projeto de investigação (YouNDigital), com financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, com ênfase na atual proeminência da internet, que “procurará compreender a relação dos jovens – provenientes de diversos contextos de vida e sociais – com notícias e culturas cívicas numa era de cultura digital.”

A posição dos jovens na “estrutura social”

Sofia Serra-Silva não tem dúvidas de que uma parte dos jovens participa quer politicamente, quer em ações cívicas, mas que essa participação depende de vários fatores. Desde logo a posição que ocupam na “estrutura social”.

“Recursos educacionais, recursos económicos, políticos”, destaca, atentando no facto de Portugal ser “um país profundamente desigual e isto trespassa, obviamente, para os jovens”. As realidades são muito diferentes e isso leva a “estruturas de oportunidade, principalmente no que diz respeito à participação política e cultura cívica.”

Para a investigadora, esses fatores explicam em parte o retrato generalizado dos jovens menos interessados. Aliás, o estudo da FFMS enfatiza alguma dessa diversidade: “percursos diferentes, condições e recursos distintos”. Ora, esses mesmos fatores estendem-se a outros subgrupos populacionais.

Na questão educacional, “a um maior nível de escolaridade corresponde um maior interesse na política e ações políticas e sociais”, evidencia a investigadora do ICS. Maria José Brites constata algo transversal, indicando que “ser estudante facilita a participação na sociedade”.

Ou seja, a par do núcleo familiar, a escola e as relações estabelecidas neste contexto permanecem como um importante agente de socialização que podem fomentar a discussão e a reflexão políticas. “Num tempo em que ser jovem é sinónimo de digital, a escola e a família sobrepõem-se em termos de alavancas de participação”, garante.

O Summer Cemp é um seminário de assuntos europeus destinado a jovens, organizado pela Comissão Europeia em Portugal (em 2021 realizou-se em Alcoutim). A política vai além do que se decide no país

COMISSÃO EUROPEIA

Sofia Serra-Silva (ICS) destaca no entanto que, no contexto da web, em modalidades de ativismos online os jovens tendem “a visitar as páginas dos partidos, do governo, ou a partilhar informação política nas redes sociais”, participando mais neste segmento do que noutros convencionais.

Nesta questão, Maria José Brites (CICANT) ressalva ainda que, apesar de ser “inegável que as redes sociais e o espaço digital têm conquistado cada vez mais terreno relativamente à TV, os estudos ainda mostram uma “grande prevalência da televisão como meio de espoletar a conversa política” e que isso tem sido, em certa medida, subestimado.

Aliás, “a pandemia veio revitalizar aqui o papel da televisão nas nossas vidas, mesmo o da escola, através da televisão”. O meio televisivo continua a ser fundamental como “caixa de ressonância”, no contexto daquelas conversas que temos com “amigos, família, colegas”.

“Eu fiz cinco tipologias de jovens através da participação e do consumo particular de notícias sobre política e a televisão teve um aspecto fundamental para essas tipologias”, analisa indicando que, nesses cinco perfis, “as formas de conversa sobre política tinham um grande impacto e uma grande influência da família”.

“Há uma desconexão entre partidos e jovens e coloca-se o ónus da responsabilidade nos jovens. Mas o ónus deve ser mais na questão da oferta política. O que é que os partidos estão a fazer para se aproximarem dos jovens? Estão a ir ao encontro dos temas que para eles são importantes?”
Sofia Serra-Silva, politóloga, investigadora do ICS

A académica exemplifica com duas tipologias opostas. “Os jovens que diziam que a participação e a política não eram importantes, assim como não era importante consumir notícias, diziam que ouviam estas conversas que os adultos tinham sobre notícias e sobre política à hora de refeições, mas que não entravam nas discussões e eram colocados à margem da conversa dos adultos.” Ou seja, esses jovens consideravam que “a política e as notícias são para quem sabe falar disso e os jovens não sabem”, explica reportando-se à perceção desse grupo de jovens.

Do lado extremo, encontrou jovens que pertenciam a famílias “com um forte interesse sobre notícias, sobre política e sobre participação”. “Eram jovens em que a política e a participação surgiam muito das notícias e das conversas até em volta da TV mas em que eles participavam. Então, temos aqui várias tonalidades.”

Comunicação política e jovens

Para essas diferentes nuances contribuem, ainda, duas dimensões importantes quando relacionamos os jovens com questões de participação e culturas cívicas. Por um lado, a comunicação política dos partidos, quer tentando aproximar-se dos jovens, quer integrando ou ausentando na agenda política temas que preocupam a nova geração. Por outro, a própria agenda mediática e os temas que são, ou não abordados, na esfera pública discursiva.

Segundo analisa Rita Figueiras, investigadora na área da Comunicação Política e professora na Universidade Católica Portuguesa (UCP), “a abordagem da comunicação dos partidos aos jovens tem sido diferente”, na medida em que “os partidos tradicionais, formativos da democracia portuguesa”, tendem a utilizar estratégias de comunicação mais tradicionais. Além disso, dirigem-se mais “às classes médias, principalmente pessoas que estão a trabalhar”. Isso significa que “falam mais de questões de impostos, IRS, IRC, questões de acesso à saúde”, por exemplo.

Com o crescimento das redes sociais e, simultaneamente com o afastamento das pessoas da política, “vão-se tentar encontrar novas respostas de comunicação para o eleitorado”, diz a investigadora da UCP. Ao mesmo tempo, o jornalismo enfrentava uma crise profunda de credibilidade, associada à crise económica e “isso fez com que começassem a surgir novos palcos onde a comunicação política também começou a acontecer”.

Os partidos convencionais “foram atrás” desses novos espaços de visibilidade, “mas quem primeiro entrou nas novas modalidades de comunicação foram os novos partidos, em sintonia com o seu tempo”. Rita Figueiras refere-se às redes sociais, mas também “a uma outra forma informal de discurso” de ligação com os jovens. “Mais questionador, menos baseado no establishing, um discurso que parece outsider do próprio sistema e que tem uma forma de falar mais informal, populista, toda uma estratégia de comunicação que comunica melhor com os jovens”, analisa. Redes sociais como o Twitter, Facebook, Instagram e até Tik Tok são as plataformas privilegiadas por estes novos partidos, para “introduzir certos temas e hashtags e entrar no circuito de conversação” e construir, a médio e longo prazo, um potencial de comunidade.

PORTO, PORTUGAL - JANEIRO 11: Reportagem sobre jovens que vão votar pela primeira vez. Teresa Barbosa Simões. Foto: OCTAVIO PASSOS/OBSERVADOR

Maria Teresa Simões tem 18 anos e é uma das dez jovens ouvidas pelo Observador que no dia 30 de janeiro votam pela primeira vez na vida

Octavio Passos/Observador

“Mais do que utilizar os canais enquanto espaço privilegiado onde podemos encontrar os jovens, é muito mais a estratégia de comunicação da construção de comunidade.” Ou seja, “de começar a introduzir a conversa, de construir uma agenda comum, de envolver as pessoas, porque é difícil mobilizar, mas é mais difícil manter essa mobilização”. E a ideia de construção de comunidade vai dando “uma continuidade”, porque “vai envolvendo as pessoas e permitindo interações que garantem ainda maior visibilidade, como likes ,comentários, conteúdos, etc, que os algoritmos depois sinalizam”.

Mas, por muito que se invista no digital, ressalva, essa criação de comunidade também precisa da presença física. “De as pessoas se encontrarem, haver iniciativas, momentos de convívio em que as pessoas se conhecem, encontro para discutir ideias. Essas iniciativas vão acontecendo, algumas noticiadas e outras nem tanto.”

Outra questão relevante, sublinha Rita Figueiras, é a personalização da comunicação política. Por exemplo: “Mais do que uma dimensão institucional, um partido, os jovens interessam-se muito por pessoas. Querem mais saber como aquela pessoa apresenta as ideias, mais informal ou menos associado a instituições porque há uma enorme desconfiança nestas, públicas e privadas”.

Os temas dos jovens nos media e na agenda política

Para Rita Figueiras, os jovens “são mais interessados do que às vezes se pensa, o seu interesse pode é ser manifestado de maneira diferente”. Depois há outra questão fundamental: “eles não se sentem relevantes para os políticos, nem sentem que os políticos tratem dos assuntos que eles gostariam que fossem tratados”.

Por exemplo: “ter um bom salário, meio ambiente e conciliar a vida pessoal com o trabalho” são dois temas que o estudo da FFMS destaca como importantes para a nova geração. Os dois primeiros estão a entrar no debate político, “mas não tanto a questão da conciliação do trabalho”, destaca Sofia Serra-Silva, acautelando que há outros temas que não constam do estudo e que são relevantes, como a habitação. “Há uma desconexão entre partidos e jovens e coloca-se muito o ónus da responsabilidade nos jovens. Mas o ónus deve ser mais na questão da oferta política.” E questiona: “o que é que os partidos estão a fazer para se aproximarem dos jovens? Estão a ir ao encontro dos temas que para eles são importantes?”

“Quando perguntamos aos mais jovens qual deverá ser a prioridade do estado, tendem a escolher temas como educação, ciência, investigação e cuidados infantis. (...) Basta pensar nos debates entre os líderes partidários e como os temas estiveram enviesados (...) contra uma agenda que preocupa os mais jovens.”
Pedro Magalhães, politólogo, investigador do ICS

Pedro Magalhães complementa a ideia, refletindo que, “quando perguntamos aos mais jovens qual deverá ser a grande prioridade na ação do estado ou da despesa pública, eles tendem a escolher temas como a educação, ciência, investigação e os cuidados infantis”. Nesse sentido, e analisando o atual debate público para estas legislativas, podemos ter evidências claras do afastamento político das preocupações deste subgrupo. “Basta pensar no que foram os debates entre os líderes partidários e os temas que apareceram e como esses temas estiveram claramente enviesados em favor de uma agenda que preocupa os mais velhos e contra uma agenda que preocupa os mais jovens, em que não houve praticamente nenhuma palavra sobre esses temas.”

Nesta questão de falta de representatividade, Pedro Magalhães também coloca a tónica na responsabilidade dos jornalistas em levar para o espaço público discursivo os temas que impactam diretamente na vida dos jovens.

De forma transversal Maria José Brites atenta na ausência de representatividade de crianças e jovens nas notícias, conforme já demonstraram vários estudos, nomeadamente aqueles que tem vindo a desenvolver. “Aquilo que fui sempre encontrando é que os jovens aparecem nas notícias – não é exclusivamente mas [tendencial] – por motivos negativos, ou por motivos muito positivos.” E exemplifica: “Os jovens com quem trabalhei num bairro de habitação social no Porto diziam: ´os jornalistas só nos contactam quando há aqui violência e, às vezes, até inventam”. Outras formas, contrapõe a investigadora do CICANT, é “quando alguém tinha ganho uma medalha ou tinha participado num determinado concurso”.

Na mesma linha, Rita Figueiras reflete que, quando o assunto nos media são as experiências dos jovens, “há sempre alguém que fala por eles, em nome deles, sejam os pais ou os professores, e eles não falam em nome próprio”. Mas salvaguarda aquilo que também a investigadora do CICANT acautela: o jornalismo tem rotinas muito marcadas, normas e regras éticas, o que, por vezes, limita chegar à fala com crianças e jovens.

“Os jovens que diziam que a política e o consumo de notícias não eram importantes diziam que ouviam conversas dos adultos sobre política e notícias, mas que não entravam nas discussões e eram colocados à margem. Consideravam que são temas para quem sabe falar disso.”
Maria José Brites, investigadora do CICANT

É nesse sentido que se reivindica mais espaços de fala e de escuta para eles e os assuntos que os preocupam. Aliás, “uma ideia que perpassa os discursos dos jovens, quer em lamento na primeira pessoa, quer em reflexão sobre o que acontece no geral, é a falta de espaços para se conversar”, destaca Maria José Brites, indicando que “a sociedade não promove tal diálogo, sobretudo entre e para os que têm menos capacidades e facilidades de comunicação”.

Por isso, também Rita Figueiras não deixa de refletir no facto de a sociedade portuguesa ser herdeira de uma dinâmica geracional que não dava muito a voz nem espaço aos jovens. “Eles tinham de escutar e aprender. E isto é produto de uma cultura de várias gerações, de quem tem o poder de autorizar a falar.”

E dá o exemplo da sala de aula, salientando a importância de se construir uma mentalidade mais vocacionada para o diálogo e a importância de se compreender o que pensam e querem os jovens. “Há muito mais gerações treinadas para escutar e obedecer na sala de aula do que aprender a participar e até aprender a ganhar voz.” E isso é um caminho que ainda precisa de ser feito.

Este artigo faz parte de uma série sobre eleições, cultura democrática e participação dos jovens na política. A iniciativa é uma parceria entre o Observador e Ben & Jerry’s.

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