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A rua Augusta, uma das principais e mais conhecidas ruas de Lisboa, a partir das 13h00 ficou praticamente deserta
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A rua Augusta, uma das principais e mais conhecidas ruas de Lisboa, a partir das 13h00 ficou praticamente deserta

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A rua Augusta, uma das principais e mais conhecidas ruas de Lisboa, a partir das 13h00 ficou praticamente deserta

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Os manifestantes acabaram por ir, mas Maria ficou atrás do balcão a ver uma Lisboa-fantasma. "Parece que toda a gente está morta"

Depois das 13h00, os manifestantes ainda aguentaram mais uma hora. Uma octogenária continuou na sua mercearia até às 20h00. Os turistas continuaram a explorar uma Lisboa deserta, como nunca viram.

Ao meio-dia e meia, já a empregada da chapelaria Azevedo Rua retirava das montras os chapéus que ali estavam expostos. Durante toda a manhã, nem um cliente tinha entrado na loja e não eram mais uns minutos que iam fazer a diferença. Os lojistas do lado já o tinham feito: trancaram a porta da loja de fatos, a Balão Club, antecipando-se trinta minutos à hora de recolher obrigatório. “Até para a semana”, grita-lhes a empregada da chapelaria tentando fazer-se ouvir entre o ruído da manifestação que àquela hora já concentrava cerca de duas dezenas de pessoas no Rossio, em Lisboa. Também ela, confessa, tem vontade de ir para casa. “Depois das imagens que vi ontem, tenho algum receio. Só estou descansada quando estiver em casa“, contou ao Observador a chefe da loja, Teresa Pupo, referindo-se aos confrontos na manifestação do dia anterior, no Porto.

Braços cruzados, estava encostada à porta da chapelaria a ver a manifestação ao longe e comentava com a sua empregada: “Vou fechar a porta não tarda”. Faltavam 10 minutos para as 13h00. Mas quando se ouviu um apelo de um dos manifestantes a pedir para chamarem “toda a gente para o Rossio”, decidiu que não era tarde nem era cedo. “Vou buscar as minhas coisas. Vamos embora”, ordenou Teresa Pupo à sua empregada. Ainda ouviram o hino nacional ecoar das colunas montadas pelos manifestantes, enquanto desligavam as luzes. Mas foi ao som do “Grândola, Vila Morena” que trancaram as portas. “Que tristeza, que tristeza. Mas pronto, se valer de alguma coisa”, desabafa Teresa Pupo, resignada. “Isto é uma coisa a nível mundial”, ainda acrescenta, já de sacos ao ombro, antes de virar costas rumo a casa.

Teresa Pupo teve de recuar cerca de seis anos para se lembrar da última vez que fechou a loja depois do almoço. “Só de há seis anos para cá é que começámos a fechar a loja às 18h00”, contou ao Observador, explicando que essa decisão foi motivada pelo turismo. O impacto da pandemia no negócio já se fazia sentir antes deste fim-de-semana, o primeiro com recolhimento obrigatório às 13h00. “Nós trabalhamos muito com turistas. Não havendo turistas isto vai logo abaixo”, explicou. Mas acredita que o facto de ter de fechar às 13h00 vai trazer um impacto maior. “Ao sábado até se funcionava muito bem, já depois da pandemia. Só que hoje, zero. Quem é que vem para a Baixa, sabendo que à uma da tarde tem de ficar em casa?“, questiona.

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A capelaria Azevedo Rua, em pleno Rossio, fechou poucos minutos antes das 13h00.

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À semelhança da loja de fatos e da chapelaria, todas as lojas e restaurantes fecharam portas às 13h00, hora a que arrancou o recolhimento obrigatório. As ruas que dão acesso àquela praça, uma das principais da cidade de Lisboa, foram esvaziando. O Rossio era uma praça despovoada de comércio e de turistas, mas cheia de pessoas — a maioria,  ligadas à restauração — a manifestar-se contra as medidas restritivas impostas pelo Governo numa estratégia de travar a propagação do novo coronavírus.

Sim, os manifestantes podem continuar na rua mesmo com o recolher obrigatório. As fotos dos protestos

Os carros da polícia, posicionados nos acessos ao Rossio, quase como que o cercando, serviam agora de uma fronteira que separava duas realidades: a realidade de uma praça onde se acabaram por juntar largas centenas de pessoas e a realidade contrastante de uma capital completamente deserta. Aos manifestantes ligados à restauração e à vida noturna juntaram-se outros: cidadãos contra as medidas do Governo, mas também negacionistas da Covid-19. Na multidão, destacavam-se os cartazes com frases de revolta: “Estão a matar quem não tem Covid”, “Fechamos discotecas há oito meses, mas não paramos de levar baile” ou ainda “Fechar os restaurantes mais cedo gera mais festas em casa”.

Os manifestantes fizeram um minuto de silêncio com tochas nas mãos antes de darem como terminado o protesto.

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Chefes de cozinha, donos e empregados de bares noturnos, discotecas ou restaurantes, subiram ao palco improvisado numa carrinha para pedir apoios financeiros que compensem o impacto da pandemia e para partilhar histórias de como já tiveram de despedir empregados e fechar estabelecimentos. Um deles, o chef Ljubomir Stanisic, defendeu que “o Governo pode fazer muito”. “A primeira coisa que pode fazer é deixar de nos mentir, deixar de nos dar falsas esperanças. Baixem o IVA, por amor de Deus. É o nosso pior custo. É o mínimo que estamos a pedir. Não estou a pedir para me darem um milhão”, apelou.

Apesar de o chef ter pedido que não queria “politiquices” e que a manifestação era “apartidária”, o líder do Chega, André Ventura, apareceu no Rossio.

Restaurante com 114 anos fechou portas um dia antes da manifestação. Empregado de bar agora trabalha num call center

Entre os manifestantes, vários se reviam nas palavras daqueles que subiam ao palco. Aos 28 anos, António Sanches carrega o peso de um restaurante de família com 114 anos de história que teve de fechar na véspera da manifestação. “Ontem tivemos de tomar a decisão de encerrar um dos restaurantes temporariamente ou até haver um levantamento das restrições. Já estávamos desde setembro a aguentar. O pouco que conseguimos fazer no verão deu para aguentar até agora”, conta ao Observador. Despediu 12 pessoas.

Veio da Figueira da Foz este sábado para se manifestar contras as medidas. “Tivemos um impacto muito grande. Estamos sempre à espera do fim de semana para se fazer aquilo que não se faz durante a semana”, explicou o gerente dos restaurantes. Com ele, além de vários empregados, vieram a mãe e o irmão. Só o pai ficou em casa por pertencer a um grupo de risco. Todos eles se dedicam ao negócio de família iniciado pelos seus bisavós. Dos três restaurantes, um deles agora está fechado.

A manifestação juntou cerca várias centenas de pessoas contra as medidas adotadas pelo Governo de António Costa para o combate à pandemia.

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Entre os trabalhadores da restauração estavam também pessoas ligadas à vida noturna. Filipe Santos, de 35 anos, levou com o impacto sentido nos dois mundos. Antes da pandemia da Covid-19, trabalhava num restaurante durante o dia e tinha vários part-times à noite em estabelecimentos noturnos. Traz um avental e o shaker onde costumava misturar bebidas pendurado ao pescoço. Agora, nem um nem outro lhe servem de grande coisa. Em março, quando a pandemia da Covid-19 atingiu Portugal, ficou sem emprego nas duas áreas.

Atualmente, trabalha num call center — um emprego que espera ser temporário. “É até poder voltar à minha área”, desabafa em conversa com o Observador. Filipe Santos lamenta que seja apenas só mais um entre os seus amigos que também viram perder o emprego. “Muitos ficaram sem os quartos, sem casas e estão a viver em hósteis”, conta, detalhando que também ele só não ficou sem casa porque conseguiu um ajuste de renda.

Ljubomir pediu calma, mas manifestantes perderam-na e ameaçaram jornalistas com agressões

Entre as intervenções, o chef Ljubomir Stanisic ia lembrando e pedindo aos manifestantes que usassem máscara e que mantivessem as distâncias de segurança. “Estamos aqui para o Governo nos ouvir e respeitar. A nossa voz tem de chegar longe”, disse ao microfone. Foi também ele que pediu “calma” quando uma dezena de manifestantes correram irados em direção à equipa da Rádio Observador, ameaçando com agressões não só esta equipa, mas também outros jornalistas.

Isto porque, pouco antes das 13h50, uma das três pessoas que estava no palco usou o microfone para fazer referência a uma notificação enviada pelo Observador com uma informação desatualizada e que dizia que estavam 200 manifestantes na praça. Só que essa informação já não era rigorosa nesse momento, uma vez que entretanto já estariam largas centenas de pessoas. Um dos manifestantes, no palco, apontou para o repórter do Observador, motivando vários outros a correr em direção a ele. “Eu estou a ouvir dizer que o senhor do Observador está aqui atrás. Se calhar já corrigia a notícia, não é? Está aqui o senhor do Observador, se calhar pegava no seu telefone, e ligava para o número, e mandava corrigir a notícia. Isto parecem 200 pessoas? Isto parecem 200 pessoas aqui? Isto parece 200 pessoas?”, disse. Perante a ameaça de agressão iminente, a PSP acabou por retirar os jornalistas do local, para garantir a sua segurança.

Ameaças de agressões à equipa do Observador na manif do Rossio

Em simultâneo, no palco, o chef Ljubomir Stanisic, agarrou o microfone e pediu calma aos manifestantes: “Malta, se faz favor, calma. O mais importante é manter a calma. O senhor deu a notícia que deu. Polícia, por favor, ajudem, protejam a pessoa do Observador. Estamos aqui pelo bem. Estamos aqui pelo bem. Hey, parem aí. Não queremos violência. Estamos aqui pelo bem. Por favor peço ajuda, a polícia pode ajudar”.

A manifestação não durou muito mais tempo. Seguiu-se um minuto de silêncio em que vários manifestantes seguraram tochas no ar e, pouco depois das 14h00, o Rossio esvaziou por completo e uniformizou-se com o cenário que era o do resto do cidade. O barulho da manifestação deu lugar a um silêncio apenas interrompido pelo som da água a cair nas fontes instaladas na praça ou pelos táxis, carros da polícia ou autocarros vazios que iam passando. Lisboa era uma cidade deserta.

A PSP teve de intervir quando um grupo de manifestantes ameaçaram jornalistas com agressões.

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“Parece que toda a gente está morta”, diz turista francesa. Maria Carvalho ficou na sua mercearia até às 20h00

No Chiado, não há fila para tirar fotografia junto da estátua de Fernando Pessoa. “Em Lisboa, parece que toda a gente está morta. É muito estranho”, comenta uma turista francesa enquanto tira fotografias à estátua. Já tinha estado em Lisboa antes da pandemia e por isso reconhece bem as diferenças. Ainda assim, vê uma vantagem: “Temos a cidade só para nós”. Está perfeitamente ciente de que a cidade está sujeita a um recolher obrigatório a partir das 13h00, ainda assim, continua na rua porque ninguém ainda a mandou para casa. “Já vimos muitos polícias, muitos carros a passar, mas ainda ninguém nos disse nada”, contou ao Observador.

Um grupo de turistas francesas passeou pelo Chiado já depois do recolher obrigatório.

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O cenário contrastava com o da manhã. Apesar da chuva, as ruas de Lisboa estavam algo cheias — não tão cheias como costumavam estar antes da pandemia. Ainda assim, eram várias as pessoas às compras ou nos cafés a tomar o pequeno-almoço. Alguns estabelecimentos, no entanto, não chegaram a abrir este sábado. Pela manhã, em plena Rua Augusta, muitos cafés estavam de portas fechadas, antecipando o recolher obrigatório.

Os habitantes ficaram em casa devido ao recolhimento obrigatório imposto pelo Governo em 191 concelhos do país — Lisboa é um deles. Nas ruas habitualmente cheias, apenas uma ou outra pessoa passa. Um casal passeia o cão. Um morador saiu de casa para fazer um passeio curto. Duas trabalhadoras de uma loja fumam à porta. “A loja fechou às 13h00, mas nós prosseguimos o nosso horário de trabalho. Ficamos lá dentro. Há sempre tarefas para fazer”, explicou ao Observador.

Lisboa foi um dos 191 concelhos com medidas mais apertadas durante todo o fim de semana, numa tentativa de controlar a progressão da pandemia.

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No Bairro Alto, bares e restaurantes resumem-se a portas fechadas. Na Rua do Diário de Notícias, a luz vinda de uma mercearia sobressai na rua cinzenta — está a começar a chover. Lá dentro, Maria Carvalho — 81 anos de idade, cerca de 50 como dona da mercearia — está sentada atrás do balcão, num banco de madeira, de onde vê uma Lisboa-fantasma. Abriu o estabelecimento, um dos poucos que não precisa de fechar às 13h00, às 9h00 e fechou-o às 20h00.

Responde com uma gargalhada quando questionada sobre se teve mais clientes este sábado, uma vez que os supermercados e grandes superfícies estão fechados. “O negócio também está muito fraco”, comenta. Mais clientes? “Lá vão vindo. É tudo normal”. Não consegue sentir-se uma privilegiada por ter carta verde para manter a mercearia aberta: “Os restaurantes também estão muito prejudicados, coitados. Não é bom para ninguém, não é?”

Maria Carvalho abriu a sua mercearia no Bairro Alto há mais de 50 anos.

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