O primeiro-ministro voltou a repetir até à exaustão que não teve “truques” na solução que encontrou para as pensões, mas acabou por confessar pela primeira vez que — se a lei fosse aplicada — os pensionistas iriam receber do Estado mais mil milhões por ano de forma permanente nos próximos anos (num custo total de “dois mil milhões” de forma permanente). É a tal “solidariedade intergeracional” de que o primeiro-ministro tinha falado, sem explicar concretamente ao que se referia.

Em entrevista à TVI e à CNN esta segunda-feira à noite, António Costa anunciou ainda que as medidas de apoio às empresas vão ser conhecidas na próxima quinta-feira, revelou que o Governo prevê uma inflação de 7,4% e que tem como referência para o aumento dos salários da função pública os 2%, valor onde espera que seja estabilizada a inflação nos próximos anos.

O primeiro-ministro destoou ainda do presidente do PS, Carlos César, quanto à tributação dos lucros extraordinários das empresas na sequência da inflação. “Nem excluímos, nem decidimos“, é o que diz sem se comprometer. Admitiu ainda ser provável que surjam apoios para combater o aumento de taxas nos créditos habitação das famílias. Para o novo ministro da Saúde, Manuel Pizarro, deixou uma palavra: diálogo.

Aumento de pensões pela lei custaria 2 mil milhões por ano

António Costa fartou-se de negar que estivesse a utilizar truques sobre as pensões e, no final da entrevista à CNN, ainda fez questão de o dizer mais uma vez ao jornalista Pedro Santos Guerreiro. “Não é um truque de retórica, nem de coisa nenhuma”, afirmou. Mas não resistiu a fazer novamente um truque. O primeiro-ministro sacou de papéis impressos e leu aquilo que tinha dito na apresentação das medidas sobre as pensões — numa referência que era, de facto, rigorosa. Omitiu, porém, que dois dias mais tarde e também no último domingo afirmou que “nenhum pensionista receberá menos em janeiro de 2024 do que recebe em dezembro de 2023”. Isto trata-se de um truque discursivo porque o que está em causa não são as pensões descerem de 2023 para 2024, mas as pensões não subirem tanto em 2024 como subiriam se o Governo de António Costa seguisse o que está na lei.

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De forma velada, António Costa acabou por admitir quanto é que vai ser retirado aos pensionistas e que estes teriam direito pela lei. O primeiro-ministro revelou que a aplicação estrita da lei ia custar “2 mil milhões de euros de forma permanente”, o que significaria 13 anos de vida na sobrevivência do sistema de pensões. Ora, se o Governo só atualizará as pensões em metade do que era previsto em 2023 (o correspondente a outra metade é pago já em outubro), isto significa que o gasto permanente é de mais mil milhões. Ou seja: pegando nos dados cedidos pelo próprio António Costa, o ‘corte’ (ou a “não atualização”) que o Governo está a fazer ao que era devido pelo Estado, aplicando a lei, aos pensionistas será de cerca de mil milhões de euros.

Não é um truque de magia, é uma conta de subtrair — que Costa desta vez fez em público.

A inflação de 7,4% e a “referência” de 2% para os aumentos da função pública

António Costa deu uma novidade: revelou qual era a taxa de inflação para 2022 com que o Governo estava a contar. “Estamos a trabalhar num cenário de 7,4%”, disse o primeiro-ministro. Ora, estando os salários dos funcionários públicos — tal como as pensões — anexados a este aumento, Costa deixou, desde já, um aviso: “Os funcionários públicos não vão ter aumento de 7,4%”.

O primeiro-ministro acabou por revelar que o Governo procura normalizar o país numa taxa de inflação de 2% e admitiu que esse valor é uma “referência” para a definição daquela que será a atualização dos salários da função pública. Admitiu, no entanto, que há outros fatores a ter em conta, como a produtividade e o aumento do peso dos salários no produto.

Crédito habitação. Medidas prováveis e o exemplo das moratórias

Sobre o aumento das prestações do crédito a habitação — que afetam 1,4 milhões de famílias e que o primeiro-ministro admite que seja um problema em breve –, António Costa diz que está a “analisar” e que é “provável que venha a haver” medidas para conter esse aumento.

Relativamente às medidas que podem ser aplicadas, António Costa deu o exemplo da pandemia em que o problema foi resolvido, em parte, com a aplicação de “moratórias“. Admitiu, porém, outras possibilidades como a “renegociação do crédito” ou o “escalonamento”.

Taxar lucros extraordinários das empresas? On verra

Sobre a aplicação de um imposto sobre os lucros extraordinários das empresas — que lucraram com a inflação — António Costa diz que “não exclui” essa tributação, mas não se compromete: “Não excluímos, nem decidimos.”

O primeiro-ministro está numa de esperar para ver, revelando que tem estado a “acompanhar a par e passo a situação” e a “ver o que acontece nos outros países que anunciaram que iam tomar essas medidas”. Lembrou que já houve Governos na Europa que disseram que iam tomar essa medida e depois tiveram de recuar. A França de Macron, por exemplo, é contra uma tributação direta.

A medida tem, no entanto, sido defendida por vários socialistas, incluindo o presidente do PS, Carlos César. O primeiro-ministro optou por outras referências na entrevista: “A primeira pessoa que falou dessa hipótese foi o ministro do Mar e toda a gente o atacou”.

A posição continua, no entanto, a ser a de esperar por outros países europeus: “Se se justificar, haverá medidas; se não se justificar, não haverá medidas”.

Novo Aeroporto: Montenegro por dentro, Pedro Nuno fora

Sobre a localização do Novo Aeroporto de Lisboa, António Costa disse que “essa é uma discussão que dura há 50 e tal anos”, mas acredita numa solução “no final de 2023″.

O primeiro-ministro diz que tem “tido contactos com o novo líder do PSD” e que ambos” não estão muito distantes” quanto à “metodologia sobre a avaliação ambiental e estratégica que é necessária entre as diferentes soluções possíveis”.

Costa diz mesmo que o “diálogo tem decorrido de forma serena” com Montenegro e que a avaliação ambiental estratégica vai ser feita sobre todas as localizações que ele e Luís Montenegro definirem. O primeiro-ministro coloca ainda o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, fora desta fase da decisão, revelando que este não participou nas reuniões com Montenegro: “O ministro estará presente nos momentos em que tivermos que encerrar o acordo e sobretudo quando tivermos que executar o que for decidido”. Ou seja: Costa e Montenegro decidem, Pedro Nuno executa o que for decidido.

Pizarro, o dialogante

António Costa quase não falou sobre a escolha para novo ministro, mas quando se falou de dialogar com os vários setores profissionais na área da Saúde (como enfermeiros e médicos), o primeiro-ministro disse esperar que “com a mudança da equipa governativa se abra uma nova oportunidade de diálogo entre todos”.