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Quando nasceu, três meses antes do previsto, pesava tanto quanto um hamster. Veio ao mundo com apenas 268 gramas e cabia na palma da mão dos médicos. A mãe não tinha a certeza de que o filho iria sobreviver. Mas cinco meses depois deu-se “o pequeno milagre”: o rapaz saiu dos cuidados intensivos do Hospital Universitário de Keio, em Tóquio, dois meses antes do previsto. No momento em que deixou a incubadora, tornou-se no bebé prematuro mais pequeno do mundo a sobreviver. Agora tem 3,2 quilos e, segundo um registo feito pela Universidade de Iowa, até agora não tem qualquer problema de saúde detetado.
Astonishing!
A baby boy weighing 268 grams when born in August 2018, the hospital claims is the smallest baby to survive and be sent home healthy.
Photo: Keio University School pic.twitter.com/9oqUXhLz8s— ???????????? ℙ???????????????????????? ???????????????????????? (@BenJonesPicEd) February 27, 2019
Foi em agosto, às 24 semanas de gestação, que os médicos perceberam que só havia duas hipóteses: ou o bebé nascia de uma cesariana de emergência e crescia numa incubadora; ou poderia morrer por não se estar a desenvolver dentro do útero da mãe. Ponderados todos os riscos, médicos e pais optaram pela primeira opção, sabendo que se tratava de um caso ainda mais sensível do que os que já tinham surgido. Segundo o Japan Times, nos países desenvolvidos a taxa de sobrevivência para os bebés com menos de um quilograma tem sido de 90% nos últimos anos. Mas ela baixa para os 50% se o recém-nascido tiver menos de 300 gramas.
Esse era o caso deste rapaz. Quando nasceu as possibilidades de sofrer falências cardíacas, dificuldades respiratórias e de apanhar infeções muito graves provocadas pelo subdesenvolvimento dos seus órgãos e pela sua fragilidade eram muitas. Mas o bebé fintou todas essas complicações. E tornou-se no 24.º no mundo a nascer com menos de 300 gramas e a sobreviver. Apenas quatro são rapazes. O mais pequeno antes dele pesava apenas 274 gramas.
Este bebé sobreviveu no Japão. Mas como seria a sua história se o caso tivesse acontecido em Portugal? Que cuidados lhe seriam prestados quando viesse ao mundo? E estariam as estatísticas do lado dele? Consultámos dois especialistas em neonatologia para saber em 11 pontos como funciona o tratamento dos bebés prematuros no nosso país. E para descobrir o que acontece quando vão para casa.
Quais são as causas da prematuridade?
Não se pode dizer que existe uma causa específica que leve aos partos pré-termo, antes dos nove meses previstos de gestação. Aliás, há uma “importante percentagem” dos casos de prematuridade sobre os quais se desconhece o que os origina ou porque é que existem, diz-nos Joana Saldanha, presidente da Sociedade Portuguesa de Neonatologia (SPN).
No entanto, há fatores de risco que podem aumentar a probabilidade de os recém-nascidos não se conseguirem desenvolver no útero da mãe ou tenham algum problema lá dentro e, por isso, precisem de ser retirados mais cedo. Segundo a Associação Portuguesa de Apoio ao Bebé Prematuro (XXS), as próprias características dos pais, especialmente da mãe, podem fazer toda a diferença. A existência de um determinado antecedente materno — problemas ginecológicos como a malformação uterina, o colo do útero curto ou fraco e dilatado –, bem como a própria idade da mulher — mães com menos de 18 anos e mais de 35 são mais vulneráveis a problemas —, podem provocar alguma complicação que obrigue ao parto antes do tempo.
Mas nem tudo se passa antes da gravidez. Durante todo o processo, existe o risco de surgirem alguns problemas, tais como a hipertensão arterial, hemorragias vaginais, rompimento da bolsa, trabalho prematuro espontâneo, um atraso no crescimento intra-uterino, infeções urogenitais ou sistémicas e diabetes. Há também que ter em conta que os partos pré-termo também se pode dever “ao aumento da gravidez múltipla, associado a tratamentos de fertilidade, e a alterações em fatores de risco populacionais, como a idade materna avançada e o elevado índice de massa corporal”, refere a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Em termos estatísticos, também se sabe que as mulheres negras têm maior probabilidade de terem bebés prematuros do que as caucasianas. Além disso, se uma mãe já teve um bebé prematuro, é possível que aconteça o mesmo na segunda gravidez. Mas não há estudos científicos conclusivos que digam se uma mulher que nasceu prematuramente tem maior probabilidades de ter um bebé prematuro.
Por fim, existem também outros fatores que podem e devem ser evitados para garantir que a gravidez possa decorrer com normalidade. O stress materno crónico ou uma má nutrição por parte da mãe podem ter influência na gravidez, bem como o tabagismo ou o consumo de álcool e drogas. Qualquer tipo de acidente por impacto, casos de violência doméstica e carências sociais e económicas também pode ter influência para casos de prematuridade.
Em que situações é que a prematuridade é a solução para a sobrevivência do bebé?
Há duas situações em que a possibilidade de um bebé é maior se nascer prematuramente. Quando a mãe sofre de pré-eclampsia, um distúrbio da gravidez que provoca pressão arterial alta, é melhor que o bebé continue a desenvolver-se fora da barriga da mãe porque prejudica o funcionamento do sistema circulatório do feto.
Além disso, também é melhor que o bebé nasça prematuramente quando “sofre de uma restrição de crescimento fetal muito importante”: “Se as mães forem fumadoras ou hipertensas, os fetos podem ter um peso inferior ao esperado na idade gestacional em que estão porque a placenta não lhes fornece alimento suficiente para que eles cresçam”, explica a médica. Nesses casos, induz-se o parto e o bebé cresce na incubadora.
O que é um bebé prematuro?
Joana Saldanha explicou que um bebé é prematuro se nascer até às 36 semanas e seis dias de gestação. Se nascer entre as 37 e as 42 semanas já é um bebé de termo. E, segundo ressalva a Associação Portuguesa de Apoio ao Bebé Prematuro (XXS), se um recém-nascido nascer às 37 semanas mas tiver o peso típico de um bebé nascido às 32 semanas, não estamos perante um bebé prematuro, mas apenas de “um bebé pequeno para a idade gestacional”.
De acordo com essa instituição, há três classificações para os bebés prematuros. Os de nascimento pré-termo limiar são os que nascem pouco antes das 37 semanas, entre as 33 e as 36 semanas de idade gestacional, ou que têm entre 1.500 e 2.500 gramas. Os prematuros moderados são os que nascem entre as 28 e as 32 semanas de gestação ou que têm entre 1.000 e 2.500 gramas. E os prematuros extremos, os casos mais graves, são os bebés nascidos antes das 28 semanas de idade gestacional ou que pesam menos de 1.000 gramas.
Quando vêm ao mundo, os bebés prematuros ainda não têm os órgãos suficientemente maduros para concretizarem funções básicas do organismo, como a respiração ou o metabolismo. “Os órgãos estão lá, mas não funcionam bem”, refere Anselmo Costa, médico neonatologista do Hospital Garcia da Orta.
Pulmões, rins, coração e cérebro: tudo se encontra ainda numa fase de desenvolvimento, o “que torna o bebé particularmente frágil a determinadas situações”. Além de serem pequenos e muito leves, também têm a pele tão fina e com tão pouca gordura que as veias transparecem por baixo dela. As orelhas são finas e moles, a cabeça é demasiado grande e desproporcional em relação ao resto do corpo e os músculos são demasiado fracos. Além disso, não mexem os braços nem as pernas, não conseguem mamar nem engolir e o ritmo de respiração é muito inconstante.
“Quanto mais pequenos os bebés são, mais difícil é fazer tudo”, explica o neonatologista. Colocar um cateter num bebé tão pequeno, por exemplo, pode ser um trabalho “extremamente complicado”, tendo em conta a fragilidade e o tamanho do recém-nascido. Mas é também uma tarefa essencial para o controlo e monitorização do bebé.
Quantos bebés prematuros nascem anualmente e que taxa de sobrevivência têm?
De acordo com a médica Joana Saldanha, nascem cerca de 6.800 bebés prematuros em Portugal todos os anos. “Estima-se que 8% a 9% de todos os bebés nascidos anualmente no país são prematuros. Se considerarmos que nascem entre 87 mil e 90 mil crianças todos os anos, obtemos esse número”, calcula. Essa percentagem “tem sido muito constante ao longo dos últimos anos”.
As hipóteses de sobrevivência de um bebé prematuro dependem da idade gestacional com que nasceu e dos problemas de saúde que apresenta quando vem ao mundo. “Nos prematuros que nasçam às entre 32 e 36 semanas de gestação, a mortalidade não chega a 1%. A taxa de sobrevivência baixa para os 50% em bebés nascidos entre as 23 e as 32 semanas”, explica a médica. Abaixo disso estamos no limite de viabilidade, que é a idade gestacional que assegura razoáveis hipóteses de sobrevivência fora do útero com ajuda de máquinas e dos médicos.
Entre os bebés nascidos com entre 23 e 32 semanas que sobrevivem, metade levará uma vida “perfeitamente normal e sem sequelas”, conta Joana Saldanha. Outros podem desenvolver problemas no sistema nervoso central, nos pulmões, nos olhos ou nos intestinos, por exemplo. Caso nasçam muito pequeninos, com entre 600 e 700 gramas, têm de ser acompanhados ao longo de toda a vida e, durante a infância, de ir a muitas consultas com vários especialistas que assegurem um diagnóstico precoce caso surja algum problema de saúde.
A Associação XXS acrescenta que o fator que mais influencia a taxa de sobrevivência é o número de semanas de gestação do feto: quanto menos tempo passar dentro do útero da mãe, menos desenvolvidos vão ser os órgãos e mais vulnerável vai estar a complicações. No entanto, “o limite da idade gestacional tem vindo a aumentar cada vez mais, de tal forma que, atualmente, pode considerar-se viável um recém-nascido a partir das 23 ou 24 semanas”, explica a associação.
Se essa possibilidade for muito baixa, o que é que se faz?
Os bebés que nascem com 22 semanas de gestação ou menos normalmente nascem sem vida e são considerados abortos, explica Joana Saldanha. Mas sempre que nascem vivos, independentemente da idade gestacional, são submetidos a uma reanimação completa, ligados a ventiladores e levados numa incubadora para os cuidados intensivos.
E é assim porque, mesmo que os médicos tenham calculado uma determinada idade gestacional, há sempre uma margem de erro. O bebé pode ser mais velho do que o previsto e, portanto, mais desenvolvido. “Normalmente reanimamos sempre os bebés, a não ser que tenham malformações tão graves que seja impossível reanimá-los”, conclui a presidente da SPN.
Tanto ela como Anselmo Costa explicam que o limite de viabilidade da sobrevivência do recém-nascido “anda por volta das 24 semanas”. Com menos tempo do que isso dentro do útero da mãe — em situações excecionais chegam a ser apenas 23 semanas — as possibilidades de sobrevivência fora dele são extremamente baixas, tendo em conta que o bebé não possui qualquer imunidade e a imaturidade dos órgãos pode ser demasiada para que consiga crescer numa incubadora.
Nesse cenário, “a abordagem a bebés com extrema imaturidade é sempre muito ponderada”: “A maior parte dos serviços tem razoável noção, em cada caso, sobre o que vale a pena fazer ou não perante as probabilidades de sucesso extremamente baixas”, refere o neonatologista. Em situações muito extremas há a probabilidade de ficar com mazelas tão graves que vão afetar a qualidade de vida do bebé no futuro. Por isso, “se tudo o que o recém-nascido vai ganhar é um péssima qualidade de vida”, é necessário ponderar a que tipo de tratamento será submetido — porque uns são mais agressivos que outros.
Quando isso acontece, os pais são preparados para todos os desfechos possíveis e estão sempre a par dos passos dados pelos médicos, que lhes explicam “o que está a acontecer e o cenário de tudo”. Estas situações, explica Anselmo Costa, são demasiado sensíveis para que a responsabilidade sobre os tratamentos fique inteiramente na mão dos pais. “Nenhum de nós, equipa médica, tem a coragem de ir pedir a um pai para fazer essa escolha”, afirma o médico. No entanto, se os pais quiserem apostar noutra abordagem, os médicos têm de ser sensíveis a essa opinião. É tudo uma questão de “pesar os prós e os contras”.
Os hospitais portugueses estão preparados para casos como o do Japão?
Sim, Portugal tem “cuidados neonatais de excelência”, adjetiva Joana Saldanha. Cerca de 95% das grávidas em risco de terem bebés prematuros estão a ser vigiadas. “Os nossos resultados são tão bons como noutros países desenvolvidos e melhores do que, por exemplo, nos Estados Unidos. Na Holanda investe-se menos em bebés no limite de viabilidade do que em Portugal. Damos sempre oportunidade, mas os bebés muitas vezes morrem naturalmente”, conclui. Isso mesmo confirma o neonatologista Anselmo Costa: “Deixamos o bebé confortável, quentinho, com oxigénio na incubadora”.
Por cá, na impossibilidade de o bebé poder continuar vivo dentro do útero da mãe, faz-se um parto pré-termo. Segundo Joana Saldanha, quando esse parto é provocado, a mãe é internada na unidade neonatal de um hospital básico. Em Portugal, quase todos os hospitais estão preparados para receber mães nessas situações. Depois, quando já está internada, é administrada uma hormona esteroide chamada corticosteroide, que serve para acelerar o amadurecimento dos pulmões, intestinos e sistema nervoso central do feto.
A seguir, a grávida é transportada para um hospital diferenciado, que já está preparado para prestar assistência ao bebé prematuro quando ele nascer. Ao fim de entre 24 e 48 horas, o parto pode acontecer e o bebé já nascerá com órgãos mais desenvolvidos, conclui a médica.
Este processo tem sido aperfeiçoado ao longo das últimas duas décadas. “Antes, um bebé de 27 semanas não era considerado viável. Com este processo ganhámos um mês. Agora até podemos conseguir que um bebé de 24 semanas não precise de ventilação assistida”, recorda Joana Saldanha. E Anselmo Costa acrescenta: “Há não só melhor sobrevivência, como melhor qualidade de vida dos bebés sobreviventes”.
Mas há dois aspetos que podem diminuir a qualidade deste serviço. O primeiro é a falta de médicos e de enfermeiros nos hospitais. O segundo é as condições de conforto em alguns deles: “Estes bebés podem ficar muitos meses internados no hospital. Mas nem todos os hospitais no país têm condições para que os pais possam ficar lá com os filhos”, argumenta a presidente da SPN.
Anselmo Costa explica que casos tão extremos como o que surgiu no Japão são menos prováveis em Portugal. E uma das razões passa pelas “características físicas ou funcionais” dos recém-nascidos do país. No Japão, explica o neonatologista, os bebés sempre nasceram mais pequenos, o que pode justificar que um recém-nascido tenha vindo ao mundo com 260 gramas. Além disso, acrescenta, “o peso é apenas uma variável”, sendo as semanas de gestação o fator verdadeiramente essencial, pois é ele que determina o grau de desenvolvimento em que o recém-nascido se encontra.
Quais são as principais complicações que podem comprometer a sobrevivência de um bebé prematuro?
De acordo com o médico Anselmo Costa, há uma complicação iminente em todos os bebés prematuros: o risco de infeções “devido ao quadro muito frágil” que apresentam. O organismo das crianças que nascem antes do tempo ainda não possui todos os anticorpos de que necessita para combater essas infeções. E isso pode conduzir a outros problemas.
Pulmões
Os problemas respiratórios são os mais comuns nos bebés prematuros porque os pulmões são os últimos órgãos a atingir a maturidade. Os alvéolos, os “sacos” responsáveis pela troca de gases entre os pulmões e o sangue, só começam a desenvolver-se à semana 37 da gestação. Além disso, os bebés prematuros não têm uma proteína, o surfactante, que mantém os alvéolos cheios de ar para que os pulmões não colapsem, explica a Associação XXS.
É por isto que não raras vezes os bebés prematuros sofrem de apneia, isto é, incapacidade de respirar. Além disso também podem ter gemido expiratório (quando, ao expirarem, emitem um som semelhante a um gemido), cianose (quando as extremidades do corpo ficam arroxeadas porque o oxigénio não chega aos órgãos), adejo nasal (o bebé abre demais as narinas para permitir entrada de mais ar nos pulmões), taquipneia (quando as frequências cardíaca e respiratórias aumentam porque o bebé não consegue eliminar o dióxido de carbono no sangue) e retração dos músculos entre as costelas, criando uma depressão entre elas e junto à barriga.
Coração
Ao contrário do que acontece com os pulmões, o coração forma-se muito cedo, durante as primeiras 8 semanas da gravidez. Por isso, mesmo que um bebé nasça antes do tempo suposto, em princípio já consegue bombear o sangue com normalidade. O problema é que as funções do coração e dos pulmões dependem uma da outra. Por isso, mesmo que o coração do bebé não apresente qualquer malformação, é possível que os problemas pulmonares conduzam a problemas cardiovasculares.
No caso dos bebés prematuros há duas situações comuns, todos relacionados com o canal arterial — o vaso sanguíneo que liga a artéria pulmonar à aorta. Durante a gravidez, esse canal garante que o sangue não passa para os pulmões enquanto receber o oxigénio através da placenta. Depois do parto devia fechar-se. Mas caso não aconteça, isso pode provocar excesso de sangue dirigido aos pulmões e roubo de sangue que deveria ser enviado a outros órgãos, como os rins ou o intestino. Se não for tratado a tempo, este problema provoca insuficiência cardiorrespiratória.
Cérebro
Como o cérebro dos bebés prematuros é muito frágil, um dos problemas que pode surgir são as hemorragia intraventriculares. Nas crianças nascidas antes das 34 semanas de gestação, os vasos sanguíneos cerebrais são muito frágeis e rompem-se facilmente quando há variações de pressão sanguínea. O mais comum é que esse rompimento aconteça numa zona específica do cérebro chamada matriz germinal, que é o berço das células cerebrais.
Nem sempre uma hemorragia intraventricular significa um problema de saúde mais grave. Quando as perdas de sangue são muito pequenas, o organismo reabsorve-o sem consequências futuras. É assim porque a hemorragia tende a acontecer nos ventrículos, espaços no cérebro preenchidos com líquido cefaloraquidiano que não tem funções cerebrais.
No entanto, em casos mais graves em que as perdas de sangue são muito recorrentes ou muito abundantes, os ventrículos podem dilatar por causa da pressão que sofrem e as células cerebrais pode morrer, conduzindo a outros problemas, como a hidrocefalia — uma condição que provoca a acumulação de fluido nas cavidades profundas do cérebro — paralisias cerebrais ou alterações cognitivas.
Apesar de entre 20% e 30% das crianças com peso inferior a 1.500 gramas terem algum tipo de hemorragia, a percentagem de casos graves fica-se pelos 5%. E tudo depende de caso para caso, sublinha a médica Joana Saldanha: “Se tivermos dois bebés que passaram pelo mesmo problema, um deles pode crescer com lesões graves enquanto outros podem ficar apenas com pequenas lesões num braço ou numa perna. Ainda assim, acompanhamos todos os casos até à idade escolar para despistar problemas como défices de atenção ou hiperatividade, por exemplo”.
Olhos
Às 16 semanas de gestação os fetos já começam a desenvolver uma rede vascular na retina. No entanto, esse desenvolvimento só termina às 40 semanas de gestação. Por isso, se o bebé nascer prematuramente, os vasos sanguíneos no interior dos olhos ainda vão estar imaturos. Tal como nos bebés que nascem no tempo previsto, essa rede vascular continua a desenvolver-se ao longo da duas ou três semanas seguintes. O problema para os prematuros é que há o risco de se desenvolverem mal e darem origem a uma retinopatia.
A retinopatia acontece quando os olhos dos bebés são expostos a níveis de oxigénio mais elevados do que os presentes dentro do útero — algo que pode acontecer se a criança precisar de ventilação assistida. Essa exposição pode fazer com que os vasos sanguíneos saudáveis parem de crescer e que os outros, danificados, tomem o lugar deles. À conta disso, aparece uma cicatriz no tecido nervoso dos dois olhos que pode ser tão profunda que conduz à cegueira.
De acordo com os dados da Associação XXS, cerca de 90% dos recém-nascidos com peso inferior a 1.000 gramas e idade gestacional inferior a 28 semanas têm algum grau de retinopatia. No entanto, a esmagadora maioria apresenta um quadro muito ligeiro que não deixa qualquer tipo de mazelas na capacidade de visão da criança.
Que médicos os acompanham?
Acompanhar e salvar um bebé prematuro é um trabalho delicado que exige tecnologia avançada e profissionais de várias especialidades da Medicina. O tratamento e o tipo de pessoas necessárias acaba por depender do estado de prematuridade e dos problemas específicos com que o bebé nasceu ou pode vir a ter.
A equipa responsável por estes casos é constituída por médicos e enfermeiros neonatologistas, pediatras treinados e especializados para prestarem cuidados médicos a recém-nascidos. Esta equipa vai trabalhar de forma muito direta com todos os profissionais de saúde e acaba por ser a garantia de que todos os cuidados e tratamentos estão a ser colocados em prática. É também ela quem estabelece o contacto com os pais e esclarece todas as dúvidas que tiverem.
Outro elemento essencial na equipa médica, refere a Associação XXS, são os nutricionistas e/ou os dietistas. São eles os responsáveis por avaliar as técnicas de alimentação utilizadas para o recém-nascido, de forma a que receba a nutrição correta e possa ter o seu sistema digestivo suficientemente maduro para ser alimentado normalmente.
No entanto, o trabalho não conta apenas com duas equipas. Tendo em conta a imaturidade dos órgãos dos recém-nascidos, especialmente nos casos com menos semanas de gestação, há profissionais de diversas áreas que contribuem para conseguir a estabilidade dos bebés. Se a criança tiver algum tipo de problema cardíaco ou seja necessário perceber como está a sua evolução nesta área, há um cardiologista que recomenda uma monitorização especial, tratamentos e cirurgias, caso seja necessário.
Estará também presente um oftalmologista nos casos em que o recém-nascido tenha algum tipo de problema ocular, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento dos vasos sanguíneos do olho (a retina) e que se encontram ainda imaturos nos bebés que nasceram antes do tempo. O fisioterapeuta terá também um papel importante, uma vez que é responsável por fazer toda a avaliação e tratamento, bem como a responsabilidade de indicar em que posições o bebé deverá ser deitado. Para acompanhar o desenvolvimento neurológico correto, muitas vezes há também um neurologista na equipa médica, ou um pneumologista para os casos em que o bebé nasce com problemas na formação dos pulmões.
E que equipamentos utilizam?
Todos os equipamentos dentro das unidades de cuidados intensivos neonatais servem para suportar o bebé nas funções que, à conta de o organismo não estar suficientemente desenvolvido, não consegue assumir sozinho. A incubadora, por exemplo, replica o ambiente do útero materno e ajuda o bebé a controlar a temperatura corporal, a respirar e a comer. A Associação XXS acrescenta que “a incubadora proporciona a humidade necessária ao equilíbrio do bebé e protege-o das infeções e do barulho”.
Enquanto está dentro da incubadora, o bebé fica ligado a sensores ligados por fios e cabos a monitores que esquematizam os batimentos do coração, a frequência respiratória, a tensão arterial, a temperatura e os níveis de oxigénio e de dióxido carbono da criança. O computador que vigia as frequências cardíaca e respiratória fica ligado ao bebé por uns fios colados ao peito por pequenos autocolantes.
Os outros aspetos são estudados por um oxímetro, um luz vermelha normalmente posta no pé ou na mão da criança. Se algum destes parâmetros aumentar ou diminuir dos normais, os computadores disparam um alarme.
Se tiverem dificuldade em respirar, os bebés são ligados a ventiladores compostos por três instrumentos: o tubo endotraqueal, os aspiradores de secreções e o sistema CPAP nasal. O primeiro entra pela boca ou pelo nariz da criança e leva o oxigénio até aos pulmões. Os aspiradores limpam a sujidade acumulada nas vias aéreos para que a respiração aconteça com normalidade. E o CPAP nasal só é usado em bebés que, embora consigam respirar sozinhos, precisam de algum apoio a inspirar e expirar.
Também há máquinas que ajudam as crianças a alimentarem-se. Quando os bebés não conseguem mamar e precisam de receber soro, são instalados uns tubos dentro da artéria umbilical que permite fazer o transporte de aminoácidos, proteínas e lípidos. Esse sistema só costuma ser utilizado em casos mais extremos — noutros menos graves são utilizadas umas máquinas chamadas perfusoras que injetam o soro nas veias do bebé. No caso dos bebés que não conseguem mamar mas podem ser alimentados com leite, usam-se sondas nasogátricas, tubos que entram no nariz ou na boca e vão diretamente para o estômago.
Quando é que o bebé pode sair da incubadora?
Apesar de não existir uma situação exata que vai definir quando é que um bebé recém-nascido pode sair da incubadora, há determinadas exigências que têm de ser cumpridas em relação ao estado de saúde do bebé. “Habitualmente, não costumam sair da incubadora até aos 1,5 quilos porque é essencial para a estabilidade”, disse Anselmo Costa. A estabilidade é mesmo a palavra-chave: além de um determinado peso, o bebé tem de ter também “estabilidade térmica”, para que o seu corpo consiga produzir calor suficiente face ao pouco volume corporal que tem, “estabilidade respiratória e necessidade de poucas terapêuticas complementares”.
O acompanhamento do recém-nascido, mesmo depois de estar estável, deve continuar a ser constante, bem como o apoio aos pais. “Tentamos disponibilizar todo o apoio aos pais enquanto eles cá estão [no hospital] e caso eles queiram. Tentamos fazer com que os pais não fiquem abandonados”, acrescenta o neonatologista. Aqui, o apoio e informação dada “não será tanto sobre os procedimentos a serem feitos, mas mais sobre o que devem fazer quando o bebé for para casa”.
O que é que acontece quando o prematuro vai para casa?
De acordo com Joana Saldanha, os bebés que tenham nascido com 700 gramas ou menos têm de ser acompanhados ao longo de toda a vida. A todos é reservado um médico assistente, que pode trabalhar num centro de saúde ou ser contratado pela família no sistema privado. Além disso, enquanto é bebé, tem consultas de neonatologia no hospital onde esteve internado.
Conforme o tipo de problemas que teve no hospital — ou que desenvolveu já em casa –, o bebé tem de ser acompanhado por médicos de várias especialidades, mas quase todos precisam de um fisioterapeuta e de um neurologista. Esta equipa médica tem de fazer vários exames e análises ao bebé para detetar eventuais problemas o mais cedo possível.
Quanto mais tempo passar, e se o estado de saúde da criança permanecer positivo, “o cardápio de consultas pode reduzir conforme a evolução dela”, diz a médica. No entanto, as consultas de neonatologia têm de continuar pelo menos até à escolaridade obrigatória, para despistar problemas como hiperatividade ou défice de atenção. Pelo meio, os pais podem receber visitas domiciliárias de médicos ou utilizar linhas de apoio que os auxiliam no cuidado prestado às crianças.