“Qualquer bebé é muito mais forte do que se possa imaginar”, começa por dizer Alexandra Velosa. É enfermeira há 17 anos e especialista em saúde infantil e pediatria no Hospital Garcia de Orta, em Almada. Em conversa com o Observador, explica que os bebés que vêm ao mundo antes do tempo — antes das 37 semanas de idade gestacional — passam por situações adversas desde o primeiro instante, pelo que são motivo de orgulho para pais e restante família. “São heróis”, garante Alexandra Velosa que também é mãe do pequeno (e prematuro) Duarte.

O heroísmo que corre nas veias de quem vem ao mundo a lutar pela sobrevivência tem razão de ser: no dia em que se celebra a prematuridade, a 17 de novembro, o Observador falou com alguns especialistas para perceber por que razão os prematuros são seres tão especiais. A conclusão foi unânime: depois dos cuidados mais ou menos intensivos, e depois da alta hospitalar, faz sentido falar em super-pais e super-crianças. “Bebés XXL, mesmo”, diz ainda Paula Guerra, membro da direção da Associação Portuguesa de Apoio ao Bebé Prematuro (XXS).

Os prematuros lutam desde o início

“O que os torna tão inspiradores é a garra que têm. Lutam muito desde o início, são pessoas mais práticas durante a vida e têm uma resistência enorme”, diz Paula Guerra que, além de mãe de um bebé prematuro — hoje com 13 anos — recebe feedback de muitos pais em situações idênticas. “Assim que nascem, as batalhas são diárias, minuto a minuto, até. Para quem olha, os prematuros parecem bebés bastante frágeis, mas eles mostram numa base diária que são muito fortes”.

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O cérebro desenvolve-se fora do útero da mãe

O cérebro de um bebé recém-nascido é como uma tela em branco. Só com um ano de idade, numa altura em que já está formado, começa a ganhar o aspeto de uma noz. No caso de um prematuro, é fundamental criar todas as condições para o seu normal desenvolvimento, visto que o bebé está longe do escuro da barriga da mãe que o protegeria contra os estímulos exteriores. “Os neurónios de um prematuro são mais facilmente excitáveis. Qualquer coisa o excita, tanto a luz como as pessoas”, esclarece a enfermeira Alexandra Velosa. Tal pode derivar, mais tarde, num acentuado défice de atenção, pelo que é preciso garantir o máximo de conforto e de estabilidade para diminuir o risco de lesões e um normal desenvolvimento da criança.

“A agressividade do meio externo vai influenciar o desenvolvimento do bebé”, assegura ainda a também enfermeira Ana Lúcia Gonçalves. A profissional a trabalhar há sete anos num hospital de Lisboa explica que os bebés não estão preparados para um ambiente extrauterino, pelo que é preciso reduzir os estímulos externos.

Ao início, o prematuro não consegue alimentar-se sozinho

“Em média, um bebé não consegue alimentar-se sozinho até às 34 semanas. Não tem capacidade de engolir, mamar e respirar sozinho e ao mesmo tempo”, explica Alexandra Velosa. Cabe, pois, aos técnicos garantir que o prematuro receba nutrientes, quer através de soro ou de uma sonda. O leite — preferencialmente materno, uma vez que funciona como um protetor gástrico — é dado de forma gradual, conforme o crescimento, sendo que o objetivo é que os bebés saiam da maternidade a mamar (seja através da mama da mãe ou do biberão).

Os pulmões transformam-se por completo

Assim que um bebé nasce, o ar entra pela primeira vez nos pulmões. Os prematuros não têm essa capacidade, atesta a enfermeira do hospital Garcia de Orta. “Ainda têm líquido que não conseguem expelir, pelo que têm de ser ventilados”. Precisam de ajuda para abrir os alvéolos, além de terem sistemas imunitários deprimidos, diz Ana Lúcia Gonçalves, o que implica que podem apanhar infeções com bastante facilidade.

Os prematuros reconhecem a voz dos pais

“O que está escrito em alguma literatura é que os bebés conseguem ouvir antes de verem, isto antes das 23 ou 24 semanas. Pensamos que os prematuros conseguem reconhecer a voz dos pais, pelo que fomentamos que eles falem com os bebés”, explica Alexandra Velosa. A profissional acrescenta que os bebés reconhecem, inclusive, o coração das mães, o qual acalma automaticamente os mais pequenos.

“Tudo aquilo que um bebé adquire no útero materno, o prematuro aprende cá fora. Somos nós que vamos ensinar o que falta e o papel dos pais é muito importante”, acrescenta a enfermeira Ana Lúcia Gonçalves. É uma questão de vínculo afetivo, diz ainda Paula Gerra, da Associação Portuguesa de apoio ao Bebé Prematuro. “É importante promover o contacto pele com pele, pese embora a barreira que é criada pela incubadora”.