Os vencedores

Miguel Albuquerque

Mais do que um vencedor, Miguel Albuquerque é um sobrevivente. Em setembro, quando achava que tinha a maioria no bolso, perdeu-a. Forjou uma ‘gerinponcha’ em apenas dois dias: com o PAN. Quatro meses depois foi forçado a demitir-se ao ter sido constituído arguido num processo de corrupção. Muitos vaticinaram o seu fim político. Foram até noticiados nomes de sucessores que o PSD/M indicaria para o seu lugar, poucas horas após essa demissão. Apesar das pressões, que surgiram do próprio partido-mãe (o PSD nacional) e do Presidente da República, Albuquerque segurou o partido, recandidatou-se ao PSD/Madeira e também à região. Ganhou ambos. A aritmética da assembleia regional está ainda mais complexa, mas no fim do dia continua na Quinta Vigia e foi reeleito com 36,1% dos votos. Não tem condições de governabilidade, mas a alternativa tem ainda menos, o que faz com que o representante da República não tenha grandes alternativas a convidá-lo a formar governo. Se o programa de governo não passar, Albuquerque não se deve importar de ir a eleições novamente dentro de seis meses. Até lá é ele o presidente do Governo regional e, o mais provável, é que volte a vencer.

Luís Montenegro

Miguel Albuquerque tornara-se um problema político para Luís Montenegro. Quando o caso judicial rebentou, em plena pré-campanha para as legislativas, o desconforto na sede nacional foi evidente. O madeirense demorou a apresentar a demissão, insistiu em ir a votos, rasgou o “não é não” de Montenegro ao Chega e ainda fez saber que o líder do PSD não era bem-vindo na campanha. Havia, por isso, uma enorme expectativa para perceber o que faria agora Montenegro – logo ele que, em debate com Pedro Nuno Santos, chegou a dizer que talvez não se recandidatasse se estivesse no lugar do madeirense. Esta noite, no entanto, o líder social-democrata decidiu colar-se à vitória de Albuquerque (o pior resultado de sempre do PSD), afastou qualquer debate sobre uma possível saída do presidente do Governo Regional e ainda aproveitou para bater no PS e no Chega, comparando o “bloqueio” que existe no continente com o que pode acontecer na Madeira. Montenegro preferiu esquecer tudo e entrar no clube dos vencedores. Ninguém o pode julgar.

Élvio Sousa

Os irredutíveis gauleses do Juntos Pelo Povo já há muito que deixaram de ser um fenómeno da Gaula (a primeira freguesia que conquistaram) um fenómeno de Santa Cruz (a primeira câmara que conquistaram) e passaram a ser um fenómeno regional. Agora chegaram ao pódio e consolidaram-se como a terceira força mais votada, ficando pela segunda vez em oito meses à frente do partido mais galopante de todas as mais recentes eleições: o Chega. Élvio Sousa zangou-se com o irmão (Filipe Sousa, que era a figura maior do partido antes de Élvio) antes das eleições de setembro (chegaram a chamar-lhes “Abel e Caim”) e muitos antecipavam um hecatombe do JPP. Não só não se verificou, como agora tem uma bancada com nove deputados, apenas menos dois do que o PS. Se os socialistas continuam sem dar a volta ao texto, correm o risco do JPP se afirmar como a verdadeira alternativa ao PSD/M na região. Mérito de Élvio Sousa que começou, praticamente a partir da aldeia, a desafiar o império PSD.

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Os vencidos

André Ventura

O líder do Chega mostrou-se muito satisfeito com o crescimento do partido — mas esqueceu-se de referir que esse crescimento foi de escassíssimos 513 votos. Comparados com a subida de estratosféricos 8025 votos do Juntos Pelo Povo, não são quase nada. Ou seja: na Madeira, o voto de protesto refugiou-se noutro lado e o populismo do Chega bateu de frente com uma concorrência feroz. Pior: ao final da noite, André Ventura ungiu-se a si próprio no papel de pivô da direita, mas a única solução que tinha para apresentar era uma hipotética (e fantasiosa) substituição de Miguel Albuquerque por alguém que o Chega pudesse apoiar sem parecer que se estava a render a um arguido que está a ser investigado por corrupção. Na Madeira, André Ventura ficou num impasse: não avança, nem recua; não manda, nem deixa mandar; não é governo, nem é oposição.

Marcelo Rebelo de Sousa

Depois das buscas na Madeira, o Presidente da República forçou uma clarificação, mas ficou com uma confusão. Não há maiorias possíveis: o PSD não consegue governar porque lhe falta o apoio do Chega; e o PS não consegue governar porque lhe falta o apoio, pelo menos, do CDS e da IL. Vamos, por isso, ter um governo fraco, permanentemente à procura de aliados de ocasião e sem capacidade de criar sequer uma ilusão de estabilidade. Mas o mais grave é que Marcelo Rebelo de Sousa não conseguiu mandar Miguel Albuquerque para casa: no final das contas, no final dos votos, no final da noite, o presidente do governo regional da Madeira continua a ser um arguido que o Ministério Público está a investigar por corrupção.

Ministério Público

Já sabemos todos: “À política o que é da política, à justiça o que é da justiça”. Seguindo essa sacrossanta frase, somos forçados a concluir que a investigação do Ministério Público não é minimamente afetada pela votação deste domingo. E ainda bem: o dia em que o voto desse um salvo-conduto a um político seria o dia em que a democracia acabaria. Apesar disso, há aqui um sinal: a maioria dos madeirenses não acredita na investigação da justiça a Miguel Albuquerque. Isso faz com que o Ministério Público tenha de trabalhar mais e melhor.

Paulo Cafôfo

Paulo Cafôfo era o maior ativo do PS/Madeira na reserva. Mesmo quando Sérgio Gonçalves se candidatou há oito meses, o objetivo (não assumido publicamente) era conseguir uma derrota honrosa. Depois disso era, sim, tempo de preparar o verdadeiro assalto ao poder no ciclo seguinte já sob a liderança de Cafôfo, o primeiro (e único) a conseguir roubar a autarquia do Funchal ao PSD/M. Mesmo em regionais, em 2019, Cafôfo tinha conseguido tirar pela primeira vez a maioria absoluta ao PSD e ficou a pouco mais de 5 mil votos de vencer as eleições. Oito meses depois, e mesmo com o PSD/Madeira a enfrentar a sua maior crise de sempre, conseguiu apenas mais 137 votos que o pouco carismático Sérgio Gonçalves. Apareceu a propor uma solução governativa “frankenstein” em que admitia que partidos como o CDS e a IL o apoiassem. Ambos já lhe deram uma nega. A grande esperança do PS/M acabou por ser protagonista de mais uma grande desilusão dos socialistas na região.

Os desaparecidos

Mariana Mortágua e Paulo Raimundo

Bloco de Esquerda e PCP são naturalmente os grandes derrotados da noite. Historicamente, os bloquistas têm oscilado entre a eleição e a não eleição, mas tinham conseguido inverter a situação nas eleições que acontecerem há 8 meses. Desta vez, ficaram fora do Parlamento e não foram além dos 1,4% dos votos. No caso da CDU, os comunistas desapareceram da Assembleia Regional da Madeira 30 anos depois de conseguirem eleger pela primeira vez. Mariana Mortágua reconheceu que era preciso perceber o que tinha acontecido. Paulo Raimundo culpou todos menos o próprio partido.