Atualizado às 24hoo com despacho de revogação da decisão sobre solução aeroportuária.
E, no período de 24 horas, o que parecia ser o passo em frente decisivo para por em marcha a futura solução aeroportuária para Lisboa resultou em vários passos atrás neste processo já longo. Pelo menos levando à letra as explicações dadas pelo primeiro-ministro na sequência da crise política que nasceu com a decisão anunciada pelo ministro das Infraestruturas e que Pedro Nuno Santos terá de reverter. No imediato.
Na quarta-feira, ao final do dia, a “decisão do Governo” era a de submeter à avaliação ambiental estratégica por parte do LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) a construção, no curto prazo, de um aeroporto complementar no Montijo para ganhar tempo e até obter autorização e erguer um aeroporto de raiz no Campo de Tiro de Alcochete com os necessários acessos.
Montijo ou Alcochete? Os dois. O que muda com a decisão sobre o novo aeroporto
Quinta-feira a meio da tarde, António Costa, fez marcha atrás e acelerou: afinal tudo está em aberto e o Governo vai discutir o tema com o PSD, sem nenhuma proposta definida, e até está disponível para avaliar sugestões.
“Não iremos trabalhar, seguramente, sobre uma solução, porque há ‘n’ soluções que têm sido discutidas ao longo dos anos. Provavelmente o dr. Luís Montenegro até poderá vir com uma nova ideia que nunca tenha sido devidamente avaliada no passado”. Com estas declarações feitas aos jornalistas no dia mais longo deste governo de maioria, o primeiro-ministro deixou claro que o “erro grave” de comunicação foi muito mais do que isso. Toda a decisão final assumida por Pedro Nuno Santos em nome do Governo foi um “erro”, já que o primeiro-ministro foi claro em afirmar que não existe já uma solução.
É “em função das várias soluções que possam existir que vamos definir uma metodologia de trabalho. Da nossa parte, estamos de espírito aberto relativamente a esta matéria. Como disse, não sou do partido de Alcochete, do Montijo, da Portela, de Alverca, de Sintra, eu sou do partido de Portugal e temos de encontrar a melhor solução para o país de entre as várias que têm sido estudadas do ponto de vista técnico”.
O despacho que consagra a decisão de Montijo mais Alcochete — e que António Costa assumiu não conhecer previamente à publicação — foi revogado por ordem direta dada pelo primeiro-ministro ao ministro Pedro Nuno Santos aos olhos de todo o país. Para que possa ser trabalhado “um consenso nacional, designadamente com o principal partido da oposição, para termos uma decisão que seja sólida do ponto de vista politico-técnico, ambiental e económico para aumentar a capacidade aeroportuária da cidade de Lisboa”.
O despacho de revogação publicado depois das 11 da noite tem a assinatura de Pedro Nuno Santos (o despacho original era assinado pelo secretário de Estado, Hugo Mendes). O ministro das Infraestruturas invoca o decreto-lei que aprova a orgânica do Governo, bem como o Código do Procedimento Administrativo, e deixa claro que a revogação acontece por indicação do primeiro-ministro. Começando por indicar que esta “é uma matéria de prioridade política e estratégica da maior importância e impõe uma tomada de decisão célere” e que a “solução deve ser negociada e consensualizada com a oposição, conforme indicação do Senhor Primeiro-Ministro”, o despacho determina:
A revogação do Despacho n.º 7980-C/2022, de 29 de junho, que determinou a definição de procedimentos relativos ao desenvolvimento da avaliação ambiental estratégica do Plano de Ampliação da Capacidade Aeroportuária da Região de Lisboa, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 124, 2.º suplemento, de 29 de junho de 2022, cessando imediatamente todos os seus efeitos.
Apenas António Costa falou sobre as consequências desta crise política para o desenvolvimento do projeto do aeroporto. Pedro Nuno Santos não deu qualquer explicação. O que fica então? O despacho assinado pelo secretário de Estado das Infraestruturas entrou em vigor no data da assinatura, ou seja, um dia antes da sua publicação.
Em termos práticos, determinava o fim do concurso internacional que escolhia um consórcio com uma empresa espanhola para fazer a avaliação ambiental estratégica de três opções, invocando a “ocorrência de uma circunstância que inviabiliza a outorga do contrato”. E atribuía ao LNEC o desenvolvimento da avaliação ambiental estratégica do plano de ampliação da capacidade aeroportuária de Lisboa, mas sem comparar soluções, focando-se já numa: “Estudo da solução que visa a construção do aeroporto do Montijo, enquanto infraestrutura de transição, e do novo aeroporto stand alone no Campo de Tiro de Alcochete, nas suas várias áreas técnicas”.
Com este despacho revogado o que acontece? Para já e até nova decisão, continua de pé o concurso internacional que foi vencido por um consórcio que inclui uma empresa ligada à gestora dos aeroportos espanhóis. Para Pedro Nuno Santos, era um resultado infeliz por configurar um conflito de interesses, se não legal, pelo menos estratégico, por estar em causa o futuro hub aeroportuário de Lisboa que concorre com Madrid. E a adjudicação não deve avançar.
As declarações do primeiro-ministro sinalizam que o processo pode recuar mais do que isso. O concurso internacional lançado no ano passado tinha já três opções pré-definidas para estudo: Montijo complementar à Portela, Portela como aeroporto secundário do Montijo e um novo aeroporto do Campo de Tiro de Alcochete. A solução defendida por Pedro Nuno Santos juntava a primeira e a terceira, o que implicava fazer dois aeroportos no horizonte temporal de 13 anos, um dos quais — o Montijo — seria desativado (juntamente com a Portela) quando Alcochete estivesse operacional, a partir de 2035.
No entanto, António Costa parece ter reaberto ainda mais o leque de localizações possíveis, e inclusive, a uma nova e ainda não estudada que possa ser trazida por Montenegro. Esta grande abertura pode ser uma força de expressão mas, até novos esclarecimentos, o processo de decisão sobre o futuro aeroporto parece mais indefinido do que nunca, 60 anos depois da discussão ter sido iniciada.
Ainda assim, o primeiro-ministro deixou pistas que podem ir no sentido inverso.
“Se todos estivermos de boa fé, entre o conhecimento técnico que já existe, entre o quadro financeiro que está disponível, as obrigações contratuais que estão estabelecidas com a ANA, aquilo que é o quadro jurídico e as limitações ambientais que resultam das diferentes avaliações de impacte ambiental, de toda a informação disponível, quais são aquelas soluções sobre as quais vale a pena concentrar a nossa atenção de forma a tão rapidamente quanto possível podermos chegar aquilo que é o mais importante, que é uma decisão tomada hoje, continuada amanhã e executada depois de amanhã esteja concluída”.
Argumentos que, curiosamente, remetem para alguns dos motivos usados no despacho que Costa pediu para ser revogado, nomeadamente os riscos significativos de não se obter uma declaração de impacte ambiental para expandir a Portela e para transformar o Montijo numa infraestrutura com duas pistas. A opção de avançar com Alcochete já foi discutida dentro do Governo, mas ao contrário do que deu a entender o ministro das Infraestruturas, não era uma solução consensualizada.
E nenhuma das soluções, concluiu António Costa, é “exequível no prazo limitado de uma legislatura”. Nem sequer o aeroporto complementar do Montijo, decidido em 2019 depois de três anos de estudo pelo primeiro governo socialista, que o defendeu porque era mais rápido de fazer (mas não a decidir) saiu ainda do papel.