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Era mais uma reviravolta numa história que tem mais de 50 anos. Depois de passar anos a apoiar a solução da Portela mais Montijo, que já vinha do Governo de Pedro Passos Coelho em 2015, e que foi proposta pela concessionária privada dos aeroportos, a ANA, o ministro das Infraestruturas deu um salto e, no mesmo movimento, recuperou Alcochete sem deixar cair o Montijo nem a Portela. “O Governo pretende avançar com a construção do aeroporto complementar do Montijo e planear imediatamente a construção de um novo aeroporto stand alone no Campo de Tiro de Alcochete”.

Governo avança para o aeroporto no Montijo mas quer também nova infraestrutura em Alcochete

A decisão surgiu num despacho assinado por um secretário de Estado — Hugo Mendes das Infraestruturas — mas foi atribuída ao Governo e o ministro que esta quarta-feira fez várias intervenções televisivas a dar a cara pela nova solução que acabou revogada poucas horas depois por ordem do primeiro-ministro.

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Pedro Nuno Santos nunca mostrou grande entusiasmo por uma solução condicionada pela concessionária privada (por causa da forma como foi feita a privatização da ANA em 2012) e pela pressão da falta de tempo. Aproveitando o resultado incómodo do concurso lançado há pouco menos de um ano para escolher a entidade que ia fazer a avaliação ambiental estratégica, o Governo deixa cair este procedimento e aproveita para reavaliar, pela segunda vez num ano, a solução aeroportuária para Lisboa.

Nova solução para aeroporto só é decidida em 2023, o ano em que o Montijo deveria estar pronto

E anuncia o novo plano a três dias de o novo líder do PSD assumir funções e depois de trocas de palavras nem sempre cordiais entre membros do Governo e Luís Montenegro sobre o famoso “consenso” alargado que o presidente Marcelo Rebelo de Sousa tinha pedido meses antes das eleições.

Mas afinal o que muda na localização?

Numa primeira fase mantém-se, no essencial, o modelo desenvolvido desde 2015 da Portela mais Montijo, mas esta solução agora é assumida como temporária e apenas para dar resposta à urgência que tem marcado este processo e garantir um reforço da capacidade aeroportuária num prazo que não comprometa a retoma da aviação e o crescimento do turismo com a perda de milhares de milhões de euros.

Até 2035, haverá um aeroporto principal na Portela com uma base complementar no Montijo dirigida para oferta de voos low-cost. Depois dessa data, e de acordo com as estimativas mais recentes de tráfego, as duas infraestruturas já não conseguiriam dar resposta à procura e o tema do novo aeroporto voltaria à discussão. Dado o tempo necessário à decisão, avaliação e construção de um aeroporto de raiz no Campo de Tiro de Alcochete, a única localização estudada e validada para este fim, Portela mais Montijo vão dar o tempo que faltava para por em marcha uma infraestrutura que promete ter um prazo de validade mais longo e com capacidade de expansão até quatro pistas.

Quando tempo vai demorar?

A primeira fase tem duas componentes. Uma imediata que envolve obras na Portela para melhorar as rotas de circulação dentro do aeroporto e que pode ficar concluída até ao próximo ano, e o desenvolvimento do aeroporto complementar no Montijo cujas obras têm de aguardar a nova avaliação ambiental estratégica que foi atribuída ao LNEC. Se o arranque for em 2023, esta estrutura de apoio pode estar concluída em 2025/2026 e funcionar em complemento da Portela até que o novo aeroporto fique concluído. O calendário é mais prolongado porque tem que haver nova avaliação de impacte ambiental à execução do projeto em Alcochete.

O que vai acontecer à Portela?

A Portela vai receber algumas obras já, mas não o reforço de capacidade que estava previsto no projeto original das duas infraestruturas. As obras visam melhorar o layout do aeroporto e os circuitos de circulação de aviões e passageiros de forma a dar mais fluidez a estes movimentos e reduzir os atrasos agora registados. Estas obras vão custar menos que o previsto — 200 a 300 milhões de euros — e não exigem avaliação de impacte ambiental, acredita o Governo, porque não há aumento da capacidade. Quando se esgotar a capacidade da Portela já com o aumento permitido pelo Montijo, estará, em tese, pronto a iniciar operações um aeroporto novo feito de raiz e a já preparado para responder a todas as exigências de sustentabilidade e com acessos, para além de uma capacidade de expansão que lhe garante décadas de operação. Quando este aeroporto abrir, a ideia é fechar os dois aeroportos de Lisboa e Montijo que já hoje apresentam fragilidades ambientais significativas e que não têm espaço para crescer — a Portela porque está cercada pela cidade e o Montijo cuja pista está limitada pelo estuário do Tejo.

Porque mudou o Governo de opção?

O pretexto é a decisão política de não entregar a avaliação ambiental estratégica do futuro aeroporto a um consórcio com uma empresa espanhola — ligada ao operador aeroportuário de Madrid que concorre com o hub de Lisboa. Um conflito de interesses que, para o Ministério das Infraestruturas, iria contaminar ainda mais qualquer proposta que saísse deste processo, num dossier já ele muito contaminado. Se desse Alcochete seria o melhor para Espanha, se desse Portela mais Montijo também seria apontado como mais favorável aos aeroportos do país vizinho. Mas há outras razões.

A começar pela evidência de que a solução Montijo é uma resposta mais rápida para resolver um problema urgente, mas não uma resposta durável. A capacidade da Portela não estica mais e a própria base militar do Montijo só pode receber uma pista com uma extensão adequada para aviões de menor dimensão usados pelas companhias low-cost. Construir uma segunda pista mais longa entraria em conflito com o rio Tejo e com a sensível avifauna da zona e dificilmente obteria autorização ambiental. Do lado de Lisboa, o aumento da capacidade teria também de passar pelo crivo ambiental, com o Governo convencido de que não existe na capital a disponibilidade de pessoas e autoridades para aceitarem uma circulação mais intensa de aviões, designadamente no período noturno.

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Quando vai custar a nova solução aeroportuária?

Não há um número assumido para já. A estimativa será apurada pela avaliação ambiental estratégica que o Governo entrega agora ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC). O LNEC já estudou a construção de um aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete, no quadro de uma comparação com a Ota em 2008 no primeiro Governo de José Sócrates. Na altura, a estimativa feita apontava para 4,5 mil a cinco mil milhões de euros. Estes números têm 15 anos e terão de ser revistos. E há dois deltas importantes na equação:  Quem vai pagar? O modelo inicial previa que fosse usada a receita de privatização da ANA, mas essa já jão está disponível. E o investimento vai incluir as acessibilidades?

O Campo de Tiro de Alcochete exige uma nova ponte?

O projeto inicial estudado pelo LNEC previa que o acesso a este aeroporto fosse feito através de uma travessia do Tejo, entre Chelas e Barreiro, que asseguraria ligações ferroviárias de forte capacidade e velocidade com a capital, que está a quase 50 quilómetros da área prevista para a instalação das pistas e gares de passageiros.

A terceira travessia do Tejo estava prevista no projeto de ligação de alta velocidade (TGV) entre Lisboa e Madrid e o grosso deste investimento, de 1,8 mil milhões de euros, era assegurado com fundos públicos e comunitários. A única coisa que entrava na conta do aeroporto era o tabuleiro rodoviário desta ponte. Agora há a expetativa de que esta travessia terá de avançar, pelo menos na componente ferroviária, para viabilizar o aeroporto e haverá certamente necessidade de novos acessos rodoviários também. Já os 1,5 mil milhões de euros previstos para a solução Montijo e Portela deverão encolher porque as obras no aeroporto de Lisboa vão ser de menor amplitude que o projeto original.

Quem vai pagar o quê?

A expetativa do Governo é a de que o investimento aeroportuário seja assegurado pela concessionária privada. É o que estava previsto na solução do Montijo. No entanto, no caso do Campo de Tiro de Alcochete, este tema terá de ser negociado com a concessionária, o que implicar rever o contrato de concessão.  O ministério de Pedro Nuno Santos sabe que vai ter de entrar com investimento público nas acessibilidades, para o qual conta também com fundos comunitários e com outro trunfo. As receitas das portagens nas pontes 25 de Abril e Vasco da Gama, cujo contrato de concessão à Lusoponte termina em 2027, revertendo esse proveito para o Estado.

Como ponto de partida, o Executivo defende que será a ANA a pagar o investimento no novo aeroporto a partir das receitas da exploração aeroportuária (as taxa aeroportuárias) que, fruto do crescimento do turismo, estão muito acima do valor previsto quando a empresa foi vendida em 2012. Afinal, o contrato de concessão é o mais longo em Portugal com um privado — 50 anos — e vai até 2062. A hipótese de o prolongar ainda mais esta concessão para amortizar o investimento não é para já colocada.

O que vai negociado com a concessionária ANA?

Para além dos custos e financiamento do novo aeroporto, o tema mais importante é incluir a obrigação de construir esta infraestrutura no contrato de concessão e os termos em que a mesma será desenvolvida. Em particular, fixando os factores de capacidade — triggers —  a partir dos quais a concessionária terá de desencadear o processo a nível de tráfego (número de passageiros e movimento de aviões) e de datas.

Se a decisão está tomada, porquê a avaliação ambiental estratégica?

O despacho publicado esta quarta-feira estabelece já qual é a solução, quando na avaliação inicial iam ser comparadas três soluções — Lisboa mais Montijo como pista complementar, Montijo como aeroporto principal apoiado pelo Humberto Delgado ou um novo aeroporto de raiz em Campo de Tiro Alcochete.

A avaliação ambiental estratégica vai fundamentar esta solução do ponto de vista ambiental, mas também de ordenamento do território, acessibilidades, impacto económico e social, eficácia e capacidade da operação aeroportuária. Constitui também o primeiro passo na retoma do processo de avaliação ambiental do Campo de Tiro de Alcochete, cuja declaração de impacte ambiental caducou em 2020. Mas a inversão que antecipa a decisão política à avaliação é atacada pelas organizações ambientais.

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Para além de ser um compromisso do Governo no quadro do acordo feito com o PSD em 2020, quando Rui Rio se recusou a viabilizar a alteração do quadro jurídico que determinou o chumbo do projeto do Montijo por parecer negativo de duas autarquias. Há também argumentos de segurança jurídica, já que as ações judiciais contra o aeroporto do Montijo são sustentadas na ausência deste procedimento como condição prévia da decisão.

O Campo de Tiro de Alcochete é já uma certeza para o novo aeroporto? E há consenso?

No limite, e se as coisas correrem como o ministro das Infraestruturas antecipa e chegarem a bom porto as negociações com a ANA, há dois obstáculos a ultrapassar. O primeiro é o mais evidente e é político. Um projeto como o anunciado, com um horizonte temporal de mais de dez anos de execução (13 anos até 2035), vai exigir decisões de vários governos. E se a atual maioria socialista deixou de precisar do apoio da oposição para arrancar com este processo e fazer as obras na Portela e no Montijo, já a execução do novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete vai ficar para uma próxima legislatura. Importa ainda lembrar que já no passado esta opção foi a definitiva e acabou por cair. Até agora, sabe-se que o novo líder do PSD, Luís Montenegro, não foi informado. Tal como não foi o Presidente da República, que no passado recente pediu consenso político, o que aliás também foi defendido por António Costa que propôs conciliar uma posição com o novo líder dos social-democratas.

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A outra barreira é a ambiental. Quando foi emitida a Declaração Avaliação Ambiental (DIA) há mais de dez anos foi identificada a necessidade de abater mais de mil hectares de sobreiros e outros condicionantes ambientais que podem suscitar mais objeções agora. Mesmo com uma avaliação ambiental estratégica, o projeto de execução do aeroporto — bem como das infraestruturas de acesso — terá sempre de ser aprovado pela Agência Portuguesa do Ambiente.