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Hortense Martins é deputada eleita pelo círculo de Castelo Branco. Fotografia: Página de Facebook de Hortense Martins
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Hortense Martins é deputada eleita pelo círculo de Castelo Branco. Fotografia: Página de Facebook de Hortense Martins

Hortense Martins é deputada eleita pelo círculo de Castelo Branco. Fotografia: Página de Facebook de Hortense Martins

Parlamento adjudica estadia de deputados a hotel de deputada e do pai

Comissão de Ambiente fez visita de estudo ao Tejo e deputados dormiram uma noite em Castelo Branco. Hotel adjudicado? O que tem uma deputada como proprietária. AR diz que era "o mais barato".

A Assembleia da República adjudicou a estadia dos deputados da Comissão de Ambiente em Castelo Branco a um hotel que tem como proprietária a deputada do PS Hortense Martins. A comissão fez uma visita de trabalho ao Rio Tejo nos dias 1 e 2 de abril — que Hortense Martins acompanhou em parte por ser eleita naquele distrito — e os deputados acabaram por dormir no hotel da deputada na véspera (noite de 31 de março) para que pudessem estar a horas no primeiro ponto do programa: uma reunião às 8h30, na segunda-feira, cujo anfitrião era o presidente da câmara municipal de Castelo Branco, e marido da deputada, Luís Correia. Hortense Martins diz ao Observador que desconhecia que os colegas iam ficar no hotel, detido por uma empresa onde é sócia do pai.

O gabinete do secretário-geral do Parlamento justifica a escolha, em resposta ao Observador, alegando que a Assembleia da República “escolheu o hotel mais barato” após lhe terem sido apresentadas duas hipóteses pela agência de viagens que trabalha com o Parlamento. O mesmo gabinete não respondeu à questão sobre a razão de não ter evitado um hotel que tem como uma das proprietárias uma deputada.

Hortense Martins garantiu que “não integra a Comissão de Ambiente e Ordenamento do Território nem integrou a delegação que se deslocou a vários distritos, onde se incluiu o distrito de Castelo Branco”. O Observador sabe, no entanto, que a deputada participou na reunião com autarcas e até falou em nome da bancada do PS num evento em Vila Velha de Ródão. Na mesma resposta escrita, Hortense Martins admite depois ter participado em alguns pontos da visita: “A signatária (…) de todo o programa da Comissão de Ambiente apenas participou nas reuniões com os agentes e entidades convidadas, suponho que pela comissão”.

A deputada do PS justificou essas intervenções na visita por ter sido “sempre uma das vozes ativas sobre os assuntos da região, em defesa intransigente dos interesses das populações e do interesse público”. Não é, por isso, “de estranhar que as questões da defesa da Barragem do Alvito, a melhor qualidade ambiental no Tejo e as questões da Central de Almaraz tenham estado nas suas intervenções desde há mais de uma década e reafirmadas recentemente.”

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Quanto ao facto de o hotel do qual é também proprietária (e de que o sócio com mais participação é o seu pai) ter sido contratado pela Assembleia, Hortense Martins alega que a “contratação” foi feita a “uma agência de viagens e não à mencionada empresa proprietária da referida unidade hoteleira”. Por isso, garante, é “totalmente alheia às questões referidas relacionadas com reservas ou estadias”. Questionada sobre se, por questões éticas, não devia ter impedido que o Parlamento contratasse o seu hotel e do seu pai, a deputada não respondeu.

"Aos deputados que compõem a Comissão de Ambiente cabe [apenas] a definição do programa da visita. A logística, incluindo o alojamento, é proposta e organizada pelos serviços da Assembleia da República, tendo o critério para a escolha sido a oferta mais barata".
Pedro Soares, presidente da Comissão de Ambiente, em declarações ao Observador

Quanto ao presidente da Comissão de Ambiente, o deputado bloquista Pedro Soares, rejeita responsabilidade dos deputados na escolha do hotel. Pedro Soares diz ao Observador que “aos deputados que compõem a Comissão de Ambiente cabe [apenas] a definição do programa da visita“. O presidente da comissão esclarece ainda que “a logística, incluindo o alojamento, é proposta e organizada pelos serviços da Assembleia da República, tendo o critério para a escolha sido a oferta mais barata”.

Os serviços informaram o Observador que a agência de viagens “indicou, na zona de Castelo Branco, os hotéis Rainha D. Amélia (54€/noite) e Tryp Colina do Castelo (75€/noite)” e que “estas opções foram transmitidas à Comissão”. Segundo o gabinete do secretário-geral, o custo total “ascendeu a 486 euros“, referente a uma noite para 9 pessoas. Esta prestação de serviços, por ser inferior a 5.000 euros, pôde ser feita por ajuste direto simplificado

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O número de dormidas contratualizado não bate certo com as informações — enviadas para os deputados — referentes à delegação que compôs a visita, que indicam que pelo menos 11 pessoas (10 deputados  e um funcionário) iriam ter alojamento em Castelo Branco na noite de 31 de março.

Deputados que integraram a comitiva e que precisaram de alojamento em Castelo Branco e em Abrantes.

A 31 de março, dia em que dormiram em Castelo Branco, os deputados não tinham qualquer evento no programa. O que justifica a dormida é o primeiro agendamento do dia seguinte: uma reunião com autarcas nos Paços do Concelho de Castelo Branco. A reunião incluiu quatro autarquias (as câmaras de Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Proença-a-Nova, e a junta de freguesia de Castelo Branco) e ainda a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro, a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro, e várias associações ambientalistas, empresariais e de agricultores.

Um facto curioso é que o anfitrião da reunião foi o presidente da câmara de Castelo Branco, Luís Correia, que é marido de Hortense Martins. Luís Correia foi recentemente associado, numa investigação do diário Público, a um grupo de autarcas que criou uma ONG-fanstasma para receber subsídios públicos. E já teve, igualmente, problemas com adjudicações feitas a empresas de familiares.

Programa da visita de trabalho dos deputados ao Tejo referente ao dia 1 de abril

O segundo ponto do programa foi apenas às 11h30 em Vila Velha de Ródão.  E, aqui, a deputada escolhida para falar em nome da bancada do PS foi, precisamente, Hortense Martins.

A deputada e o hotel no qual é sócia do pai (e o que diz a lei)

Hortense Martins é detentora de 24% da Martinurb — Urbanismo Imobiliário, informação que consta do registo de interesses entregue na Assembleia da República na atual legislatura. A mesma Martinurb detém 26% da Investel — Investimentos Hoteleiros, a empresa proprietária do Hotel Rainha Dona Amélia, Arts & Leisure, em Castelo Branco. O mesmo onde ficaram a dormir os deputados.

Ao deter 24% de uma empresa que detém 26% da empresa proprietária do hotel, isso significa que Hortense Martins tem menos de 10% da Investel. Ou seja: segundo o artigo 21.º dos estatutos dos deputados, o hotel não está impedido de fazer contratos com o Estado. Mas há um detalhe relevante: os outros 74% do hotel pertencem a Joaquim Martins, pai de Hortense Martins.

Ainda assim, a lei n.º 64/93 (referente a “Incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos”) começa por estabelecer, no ponto 1 do seu artigo 8.º, que “as empresas cujo capital seja detido numa percentagem superior a 10% por um titular de órgão de soberania ou titular de cargo político, ou por alto cargo público, ficam impedidas de participar em concursos de fornecimento de bens ou serviços, no exercício de atividade de comércio ou indústria, em contratos com o Estado e demais pessoas coletivas públicas”.

O ponto dois desse mesmo artigo estabelece que “ficam sujeitas ao mesmo regime” de incompatibilidade as “empresas de cujo capital, em igual percentagem (…) [sejam titulares] os seus ascendentes e descendentes em qualquer grau e os colaterais até ao 2.º grau” e também “as empresas em cujo capital o titular do órgão ou cargo detenha, direta ou indiretamente, por si ou conjuntamente com os familiares referidos na alínea anterior, uma participação não inferior a 10%”.

O advogado especialista em Direito Administrativo, Paulo Veiga e Moura, não tem dúvidas de que o impedimento se mantém “por interposta pessoa” e, portanto, tem de se “aplicar o mesmo regime“. O advogado diz que a lei é clara quanto a “ascendentes”, por isso, sendo a empresa maioritariamente do pai, o impedimento é igual a se fosse da deputada.

O advogado especialista em Direito Administrativo, Paulo Veiga e Moura, diz que caso a empresa seja maioritariamente detida pelo o pai de uma deputada em mais de 10%, o impedimento de contratação pública mantém-se "por interposta pessoa", já que a lei fala de "ascendentes em qualquer grau".

Seguindo a lei, a Investel não pode fazer contratos públicos com a Assembleia da República. A única coisa que pode livrar o Parlamento de cometer uma ilegalidade é a fatura ter sido passada à agência de viagens e não ao hotel. A prestação do serviço não foi publicitada na parte referente à contratação pública no Parlamento e o secretário-geral não esclareceu a razão dessa não publicitação. No entanto, olhando para um contrato por consulta prévia feito a 21 de março para estadias numa unidade hoteleira, é possível verificar que, nesse caso, o contrato da Assembleia da República foi feito diretamente com o Hotel Amazónia e não com qualquer agência de viagens.

Contradições entre registo comercial e informações prestadas ao Parlamento

Há ainda uma contradição entre o que foi comunicado ao registo comercial e o que foi comunicado ao Parlamento. No início da legislatura anterior, Hortense Martins comunicou aos serviços que deixou de ser gerente da Investel a 21 de junho de 2011. A deputada exerce o cargo em exclusividade e a Comissão de Ética permitiu que assim continuasse, mesmo quando ainda era gerente, uma vez que o cargo não era renumerado.

No atual e no anterior mandato, a questão de Hortense Martins ser gerente da Investel não se colocou para a subcomissão de ética, uma vez que a deputada já tinha comunicado no registo de interesses que deixara de ser gerente em junho de 2011. No entanto, essa cessação de funções só foi comunicada pela empresa ao registo comercial em março de 2019, quase oito anos depois da informação prestada ao Parlamento. Ou seja: legalmente e a título oficial — como vários especialistas defenderam quando o ministro Pedro Siza Vieira enfrentou uma situação similar — Hortense Martins só deixou de ser gerente da empresa proprietária do hotel a 8 de março de 2019, cerca de três semanas antes da estadia dos deputados.

Além do documento de cessação de funções no último mês, há mais documentos no registo comercial que indiciam que Hortense Martins continuou, depois de 2011, a ser gerente para efeitos legais. A 31 de outubro de 2013 são comunicadas alterações quanto à forma de obrigar a sociedade (tomar decisões em nome da empresa), que passa a ser “pela assinatura de apenas um gerente“. Nesse mesmo documento (de 2013, mais de dois anos depois da alegada saída de gerente) é comunicado ao registo que “a gerência pertence ao sócio Joaquim Martins e a Maria Hortense Nunes Martins“.

O especialista em Direito Administrativo Paulo Veiga e Moura explica que “o que conta, perante a sociedade, é o momento do registo comercial”. Nesse sentido, explica o advogado, entre 2011 e 2019 a deputada “continuou a ser gerente da empresa perante todos”. Hortense Martins, aponta o especialista, “quando comunicou à Assembleia da República, devia ter de imediato assegurado que era comunicado ao registo”.

Assim, “caso houvesse incompatibilidade com esse cargo, violou essa situação, pois continuou gerente”. O advogado dá um exemplo para se entender o porquê de não chegar a comunicação interna da empresa: “É o mesmo que vender uma casa e se comunicar ao cônjuge. Só tem validade quando se comunica ao registo predial. Até lá, a casa e todas as responsabilidades a ela inerentes, são suas.”

Hortense põe culpas de falhas na empresa que é dela e do pai

Hortense Martins garante, em respostas enviadas ao Observador, que não prestou informações falsas à Assembleia da República já que “renunciou à gerência da empresa Investel Lda em 21-06-2011”. Segundo a deputada, “se tal renúncia não foi desde logo objeto de registo na conservatória do registo comercial é assunto que cabe à empresa e não à signatária, assim como outras questões administrativas, nomeadamente registos comerciais, posteriores a essa data, nas quais a signatária não teve participação nem responsabilidade”.

"Se tal renúncia [do cargo] não foi desde logo objeto de registo na conservatória do registo comercial [foi quase oito anos depois] é assunto que cabe à empresa"
Hortense Martins, em declarações ao Observador

A deputada culpa, assim, a empresa Investel pelo atraso. Mas quem são os donos da Investel? O pai de Hortense Martins (74%) e a Martinurb (empresa na qual a própria é detentora em 24%). O caso é muito idêntico ao do ministro Pedro Siza Vieira, que era sócio de uma empresa imobiliária quando tomou posse, mas garantiu que tinha abdicado do cargo (em carta enviada à mulher, sócia na empresa) a 15 de dezembro de 2017. No entanto, essa renúncia só foi comunicada depois das notícias sobre o assunto, a 22 de maio de 2018. Nessa altura, Siza Vieira culpou uma advogada do seu escritório, a Linklaters, a quem atribuiu o erro de não ter comunicado a renúncia ao registo comercial.

O “lapso” de Luís Correia que beneficiou o pai e o sogro

Joaquim Martins, que é pai de Hortense Martins, já tinha sido referenciado noutro caso. Desta vez, por culpa de adjudicações do genro. Em maio de 2018, o jornal Público noticiou que o presidente da câmara de Castelo Branco, Luís Correia, assinou — como representante do município — pelo menos dois contratos com uma empresa de estruturas de alumínio da qual são sócios o próprio pai, o sogro (Joaquim Martins) e ainda um tio de Hortense Martins, Adriano Martins. Alargando a todos os contratos com a autarquia — incluindo os que não tinham a assinatura de Luís Correia — a empresa beneficiou de sete contratos por ajuste direto.

O presidente da câmara de Castelo Branco, Luís Correia, é marido de Hortense Martins. Foto: Página de facebook de Hortense Martins

A empresa em questão (Strualbi – Estruturas de Alumínio Ldª) era detida por Joaquim Martins (20%), Adriano Martins (outros 20%) e Alfredo Correia (20%) e os restantes 40% eram de outros dois sócios. Esta empresa estabeleceu dois contratos por ajuste direto (um de 54 mil euros, outro de 39,9 mil euros) em que foi o próprio presidente da câmara a assinar os contratos. Luís Correia disse na altura ao Público que se tratou de um “lapso evidente e ostensivo” e que, na sequência disso, chegou a anular um dos contratos.

Mais uma vez a lei n.º 64/93 impede os titulares de cargos políticos de terem interferência em contratos em que os familiares estejam envolvidos e tenham interesse. Os titulares de cargos públicos que violem esta norma podem incorrer na pena de perda de mandato.

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