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Partidos do centro: O ano de todos os perigos na Europa

A Grécia é caso extremo, mas em vários países da UE o centro-esquerda e o centro-direita reúnem cada vez menos votos. Este ano há várias eleições que vão testar a sua resiliência face aos eurocríticos

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2015 vai ser um ano decisivo para muitas democracias europeias que têm eleições à porta. O cenário político já mudou na Grécia e há perspetivas de mudar noutros países como Dinamarca, Reino Unido, Espanha, Estónia, Finlândia, Polónia e Portugal tendo em conta as sondagens disponíveis a este ponto. Mas há uma tendência que se deve manter: em muitos países europeus, os partidos de centro-direita e centro-esquerda – os que têm governado e sido responsáveis pela construção da União Europeia – estão a perder cada vez mais apoio. Mas há exceções, velocidades diferentes e até causas díspares para justificar este desgaste.

Em comum, segundo o politólogo e investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS), António Costa Pinto, os eleitorados dos países europeus manifestam “uma desconfiança progressiva em relação aos partidos”. Há “uma crise de representação entre o partido do Governo e os seus eleitores” e “a ausência de fatores que distingam os dois principais partidos que alternam no poder”. Este fatores pesam cada vez mais na escolha dos votantes e o Observador escolheu oito (dos 28) Estados-membros da União Europeia, somando os resultados do chamado centrão político nas respetivas três últimas eleições legislativas – presidenciais em França. A tendência de erosão é clara, mas não homogénea.

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Infografia: Milton Cappelletti

Fora a exceção das eleições em França em 2002, onde o fenómeno Jean-Marie Le Pen – que chegou mesmo à segunda volta das presidenciais com Chirac – levou a uma votação atípica, Reino Unido, Áustria, Dinamarca e Grécia revelam uma tendência decrescente no apoio dos eleitores aos maiores partidos do centro ou revelam uma erosão no apoio aos partidos do centro que têm alternado na governação destes países.

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Mesmo em Portugal, apesar de uma ligeira subida em 2011, os números já estão longe dos quase 74% alcançados em 2005 pelo PSD, PS e CDS. O mesmo desgaste também se verifica em Espanha e, na última eleição em Itália, o fenómeno Beppe Grillo foi uma das principais razões para o centrão ficar abaixo dos 50% de preferência do eleitorado.

Emmanouil Tsatsanis, investigador no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) da Universidade de Lisboa, aponta como outra característica comum a este desgaste “a componente geracional”. “As gerações mais novas são mais desconfiadas da política convencional e das elites políticas e identificam-se menos com partidos políticos. Votam menos e quando o fazem, confiam mais em partidos não-convencionais”, afirma o investigador grego, acrescentando que esta desconfiança levou a uma maior “volatilidade” nas eleições na Europa, “beneficiando os partidos mais pequenos”. Contra si, os partidos do centro têm ainda a imagem de serem povoados por pessoas que fizeram da política uma carreira, o que de alguma forma, segundo Tsatsanis, faz com que a opinião pública “deixe de acreditar” na política convencional.

Para sobreviverem, os partidos do centro têm consistentemente, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, incorporado nas suas agendas diferentes influências políticas e sociais para se adaptarem. Um passo que atualmente tem levado em França a que a UMP de Sarkozy adote uma linha mais dura em relação à imigração à semelhança do que propõe a Frente Nacional de Le Pen, ou aproximado algumas propostas dos conservadores britânicos de Cameron aos eurocéticos do UKIP de Nigel Farage e, em Portugal, aproximado o próprio líder do PS, António Costa, da linha do Governo de Alexis Tsipras na Grécia. Algo, que segundo o investigador grego, não afasta a ideia destes partidos de centro serem olhados como “insiders” ou fazendo já parte do sistema.

No entanto, estes fatores não explicam totalmente as especificidades de cada país e de cada sistema eleitoral, nem permitem generalizações sobre o impacto que a crise das dívidas soberanas da zona euro já está a ter (e vai continuar) nos vários ciclos eleitorais que se aproximam, assim como o crescimento nas intenções de votos nos partidos de extrema-direita, nos partidos eurocéticos e nas alternativas à esquerda.

"Numa altura em que há muito antagonismo em relação aos partidos e um sentimento generalizado contra a política, os partidos do centro são vítimas do seu próprio sucesso no passado"
Emmanouil Tsatsanis, investigador CIES

Polarização de voto é mais comum no Centro e no Norte da Europa

Embora fenómenos eleitorais como o Syriza, na Grécia, o Podemos em Espanha e, de forma diferente, o Movimento 5 estrelas em Itália, tenham vindo agitar os sistemas políticos do Sul, onde a erosão do centro existia, mas não era significativa, no Centro e no Norte da Europa, a polarização de votos acontece com muito mais frequência. No entanto, acontece por razões diferentes. Se o Sul está mais afetado por questões financeiras, austeridade e dificuldades de crescimento, as preocupações a Norte e no Centro, tal como acontece na Dinamarca, na Holanda ou na Áustria, têm sido muito mais marcadas pela contestação à imigração e pelo nacionalismo exacerbado.

“Estes partidos populistas que vão contra o sistema pré-estabelecido estão muito mais focados em questões culturais como a imigração ou a alegada islamização da sociedade e atacam a globalização ou as elites como fenómenos ou intuições que não representam o cidadão comum”, diz Emmanouil Tsatsanis, acrescentando que estes partidos, ao falarem para as classes mais baixas, são também um dos motivos para o declínio dos partidos sociais-democratas nos últimos 15 a 20 anos.

Na Dinamarca, o Partido Popular (Dansk Folkeparti), um partido eurocético e com posições duras em relação aos imigrantes, é há várias eleições a terceira força política, tendo já integrado governos de coligação com vários partidos – a opção mais usual na governação dos países nórdicos. Durante os anos em que esteve no Governo este partido suavizou o seu discurso, mas em 2011 propôs a reintrodução das fronteiras na União Europeia.

Nas últimas eleições europeias em 2014, o Partido Popular foi mesmo o partido mais votado na Dinamarca, elegendo quatro eurodeputados, enquanto o partido liberal Venstre – principal força política – elegeu dois e os sociais-democratas, que alternam no poder com os liberais, elegeram três. As sondagens para a eleição de 2015 – que deverá acontecer até setembro – dão ao Partido Popular a liderança nas sondagens, mas muitos dinamarqueses dizem que votariam num partido ainda mais restritivo no que diz respeito à imigração. O movimento alemão PEGIDA que protesta contra a islamização da sociedade todas as segundas-feiras já chegou à Dinamarca, percorrendo cidade como Copenhaga e Aarhus.

Morten Messerschmidt é eurodeputado do Partido Popular desde 2009. Em 2014, duplicou o número de votos.

AFP/Getty Images

Também na Finlândia, há um partido empenhado em combater a imigração e que se opôs de forma veemente aos programas de resgate que financiaram países como Portugal e Grécia. O Partido dos Finlandeses (Perussuomalaiset) tornou-se nas eleições de 2011 a terceira força política, defendendo que o dinheiro dos finlandeses não deveria ser gasto a financiar outros Estados-membros. Mas em 2015, o partido parece estar a cair nas sondagens, já que a segurança do país se tornou um dos pontos centrais da campanha – o facto de o líder do partido, Timo Soini, se ter ausentado em férias em vez de se aplicar na pré-campanha será outro dos motivos.

O conflito entre a Ucrânia e a Rússia e a pertença à NATO estão agora no topo das preocupações dos finlandeses, devido à proximidade do país com o gigante liderado por Vladimir Putin. Prevê-se a vitória dos liberais nas próximas eleições, que vão acontecer já em abril.

O investigador grego considera que, apesar da erosão do centro político europeu, a crise veio acrescentar mais um ponto ao discurso político e à própria estrutura dos sistemas políticos: a Europa. “Esta dimensão é muitas vezes indiferente à dimensão esquerda/direita e a posição dos partidos nas questões europeias até pode ser agora mais importante do que uma posição de direita ou de esquerda”, afirma Tsatsanis.

Uma importância que dá cada vez mais relevo a partidos eurocéticos como o UKIP no Reino Unido ou a AfD na Alemanha. No Reino Unido, onde as eleições estão marcadas para dia 7 de maio de 2015, o UKIP é a terceira força política, com uma sondagem levada a cabo pela plataforma YouGov para o jornal Sunday Times a revelar este domingo que o partido tem 15% da intenção de votos dos inquiridos. Os Trabalhistas estão com 33% e os Conservadores – que atualmente estão no Governo em coligação com os liberais – têm 32% da intenção dos votos.

As sondagens mais recentes dão 15% de votos ao UKIP nas eleições de 2015

Getty Images

Um salto para o UKIP que em 2010 teve 1,7% dos votos, mas que não chega à votação que o partido atingiu nas eleições europeias e que fez que ganhasse essa votação no Reino Unido com 26,77% dos votos.

“Na Finlândia e na Suécia, estes partidos já estão presentes no sistema, o problema que se coloca é a dificuldade de governabilidade quando estes partidos chegam ao poder”, diz Costa Pinto, que sobre as eleições este ano no Reino Unido questiona a posição do partido liberal – que já se encontra em perda nos últimos anos. “Nas democracias governadas há 50 anos por um sistema bipartidário, é natural que exista algum cansaço”, admite.

Em Portugal, onde a democracia é mais jovem, é a cultura política que impede este tipo de fenómenos, acredita Costa Pinto. “A nossa cultura política é mais elitista, assenta num modelo de personalização e onde o eleitorado está relativamente distante dos seus eleitos, por isso creio que um fenómeno como Beppe Grillo não funcionaria”, afirma o politólogo. Quanto ao euroceticismo, Costa Pinto diz que estudos recentes mostram que há cerca de 30% de portugueses que têm dúvidas em relação à Europa, “mas é preciso mobilizá-los”.

"Nas democracias governadas há 50 anos por um sistema bipartidário, é natural que exista algum cansaço"
António Costa Pinto, investigador do ICS

Espanha e Portugal, duas realidades políticas distantes

Em Espanha, o fenómeno Podemos, um partido de esquerda radical constituído pouco tempo antes das eleições europeias e com um líder carismático, está a incendiar a cena política e é atualmente o primeiro partido nas sondagens para as legislativas que deverão acontecer entre o fim de outubro e novembro deste ano.

Uma das previsões mais recentes levadas a cabo pelo jornal espanhol El Pais mostra que o Podemos ultrapassou o PP e tem agora 27,7% das intenções de voto no país vizinhos. O centro-direita tem agora 20,9% das preferências e o PSOE fica-se pelos 18,3%. Uma das maiores subidas foi também da candidatura Cidadãos, com 12,2%, uma votação que permitiria em tese, que o Podemos e os Cidadãos governassem em conjunto em coligação. A primeira vitória política do Podemos foi logo em maio quando conseguiu eleger cinco eurodeputados com apenas quatro meses de existência. A mais recente foi ter reunido milhares de pessoas no fim de semana passado nas ruas de Madrid numa manifestação contra a austeridade.

O contexto é fácil de lembrar: Espanha atravessou dois anos de recessão, bateu recordes de desemprego (sobretudo entre os mais jovens) e sentiu uma implosão do setor imobiliário (antes central na economia) e financeiro, com a queda de vários bancos. Não houve resgate formal, mas houve assistência da troika ao setor bancário.

Foi terreno fértil, mas a crise não é a única explicação para estas mudanças. Costa Pinto salienta os escândalos de corrupção – há duas centenas de políticos com processos abertos, sobretudo nas regiões – e a fraca alternativa por parte dos partidos regionais, que por um lado dificultam a ascensão de partidos nacionais, mas por outro criam frustração em muitos espanhóis. “O Podemos representa uma inovação porque não podemos falar num colapso do sistema político, mas sim o resultado de uma erosão, em grande parte do PSOE, mas também do PP”, refere o politólogo.

A situação política atual em Espanha é “similar” à que aconteceu na Grécia em 2012 antes da “implosão do sistema político”, afirma Emmanouil Tsatsanis. “Há uma maior clivagem dos partidos na periferia do centro e não só no que diz respeito ao Podemos, mas também ao aparecimento de novos partidos nacionalistas nas regiões autónomas, particularmente na Catalunha, que desafiam cada vez mais a hegemonia dos dois principais partidos”, assume.

Pablo Iglesias esteve recentemente em Portugal para participar na convenção do Bloco de Esquerda

AFP/Getty Images

Desde a vitória do Syriza na Grécia e a ascensão meteórica do Podemos, António Costa Pinto diz ao Observador que tem recebido inúmeros pedidos de jornais estrangeiros para explicar porque é que em Portugal não há um partido catapultado para as sondagens com a mesma relevância e as mesmas intenções de votos que o de Alexis Tsipras. “As culturas políticas nacionais existem. A União Europeia não é só um mosaico de Estados, mas de culturas e sistemas políticos muito diferentes e a mesma crise não tem um único efeito em todos os países”, afirma o politólogo, explicando que o que aconteceu na Grécia foi o “colapso” do sistema político e que apesar de abanarem, alguns sistemas políticos vão conseguir sobreviver à crise.

“As culturas políticas nacionais existem. A União Europeia não é só um mosaico de Estados, mas de culturas e sistemas políticos muito diferentes e a mesma crise não tem um único efeito em todos os países”, diz Costa Pinto.

Em Portugal há também sinais de mudança mas longe do que se vê noutros países. A mais recente sondagem do semanário Expresso dá 37.4% dos votos ao PS e 34,6% ao PSD e CDS em conjunto, mantendo os partidos do centro-direita e do centro-esquerda no topo das preferências dos portugueses, enquanto as possíveis alternativas como PCP (9,3%), Bloco de Esquerda (3,5%) ou novo Partido de Marinho e Pinto, o PDR (2,5%) e o Livre (2%) continuam sem um crescimento exponencial.

Também Emmanouil Tsatsanis concorda que a alternância nalguns países vai continuar. Para as legislativas de 2015, o grego antevê que em Portugal os partidos mais votados continuem a ser o PS e o PSD, já que ao contrário dos gregos ou dos espanhóis, os portugueses parecem não confiar em nenhuma alternativa. Nos últimos anos, “tanto PCP como Bloco de Esquerda têm perdido apoio — e novos partidos como o Livre ou PDR ainda não ganharam força suficiente junto do eleitorado”.

O facto de o PCP se manter em Portugal sem grandes renovações ideológicas — um fenómeno raro nos partidos comunistas europeus — e com um eleitorado fiel; e do PS estar atualmente na oposição, recebendo potencialmente grande parte do voto de protesto de quem está descontente com a política levada a cabo pelo Governo de centro-direita, também cria, segundo Costa Pinto, condições que diferenciam Portugal de outros países onde a crise levou ou pode levar a profundas mudanças no puzzle das forças políticas.

"O Podemos representa uma inovação porque não podemos falar num colapso do sistema político, mas sim o resultado de uma erosão, em grande parte do PSOE, mas também do PP"
António Costa Pinto, investigador do ICS

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