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O futuro Pavilhão de Portugal na Exposição Mundial de Osaka 2025, projectado pelo arquiteto japonês Kengo Kuma
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O futuro Pavilhão de Portugal na Exposição Mundial de Osaka 2025, projectado pelo arquiteto japonês Kengo Kuma

Atelier Kengo Kuma (KKAA)

O futuro Pavilhão de Portugal na Exposição Mundial de Osaka 2025, projectado pelo arquiteto japonês Kengo Kuma

Atelier Kengo Kuma (KKAA)

Pavilhão de Portugal em Osaka: arquitetos portugueses falam em "sensação de favorecimento" no concurso. Comissária diz ter sido "rigoroso"

Projeto do japonês Kengo Kuma foi o escolhido para o pavilhão na Expo2025. Ordem lamenta oportunidade perdida. Comissária-geral recusa críticas ao processo que diz ter sido "exigente".

Pela primeira vez, o Pavilhão de Portugal numa exposição mundial não vai ser criado por um arquiteto português. O japonês Kengo Kuma será o autor do espaço português na Expo 2025, que acontece de 13 de abril a 13 de outubro do próximo ano em Osaka, Japão, na sequência de um concurso internacional que deixou para trás seis candidaturas, algumas de arquitetos e ateliers portugueses que denunciam ao Observador uma sensação de “favorecimento” no processo a uma “escolha prévia”. A Ordem dos Arquitetos lamenta a oportunidade perdida para dar visibilidade internacional à arquitetura portuguesa.

A escolha do reputado arquiteto japonês para projetar o Pavilhão de Portugal em Osaka 2025 foi avançada na semana passada pelo jornal Público. O concurso foi lançado pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), entidade responsável pelas representações do país em exposições internacionais e a quem compete a decisão sobre o concurso destinado à conceção, construção, manutenção, desmontagem e demolição do pavilhão, que recebeu sete candidaturas. Trata-se de um investimento de 13,6 milhões de euros e que recebeu luz verde do Tribunal de Contas no início do mês.

Mas são os contornos do processo que estão a suscitar acusações de “falta de transparência” e uma “sensação de que havia uma escolha prévia”. “Da primeira vez havia irregularidades burocráticas. Depois, eram outras questões. Ficámos sempre com a sensação que a ideia era excluir as propostas todas até que houvesse uma que fosse aperfeiçoada”, começa por dizer Pedro Appleton. “Na realidade, foi o que aconteceu”, continua o arquiteto do Promontório, atelier lisboeta que também submeteu uma proposta ao concurso, desta feita com a construtora suíça Kpm3 ag. O projeto, intitulado A Casa do Diálogo, incluía o artista Alexandre Farto (Vhils). “Era uma aposta de um atelier de arquitetura e de um artista português, em que levávamos material de construção português”, explica ao Observador.

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Lançado a 13 de março de 2023, o concurso internacional para projetar o pavilhão nacional recebeu sete propostas de sete empresas: a Kpm3 ag (Suíça), a SPI/Finasi (Dubai), a ES Global (Reino Unido), a Siteless Group (Coreia do Sul), a Rimond (Itália) e as portuguesas GEMA e Unloop. A escolhida pela AICEP, presidida por Filipe Santos Costa, foi a da construtora italiana com o atelier de arquitetura KKAA, do japonês Kengo Kuma, após todas as outras propostas terem sido desclassificadas.

O futuro pavilhão de Portugal visto de cima, revelando o passadiço desenhado por Sou Fujimoto. A Expo 2025 decorrerá em Yumeshima, uma ilha artificial na baía de Osaka

Atelier Kengo Kuma (KKAA)

“É muito sintomático ser uma proposta ganhadora a partir da exclusão de todas as outras”, comenta Appleton. “No final de contas, eles tinham mais irregularidades do que as nossas para serem excluídos, mas nós é que fomos excluídos. Ficámos muito insatisfeitos com o investimento todo que fizemos no concurso para a sensação de que havia uma escolha prévia cuja razão não sabemos muito bem sequer.”

Só que o projeto do gabinete KKAA, que convida a que o visitante “mergulhe” no oceano e descubra “a beleza do “mar português” (lê-se na memória descritiva a que o Observador teve acesso), também acabaria por ser contestado por um concorrente, que faria o júri da AICEP notar que, afinal, a proposta eleita também tinha irregularidades, como o edifício concebido ligeiramente fora da área de intervenção. Visto que a única proposta que era elegível também tinha razões de exclusão, o concurso acabou por ser anulado com todas as propostas desclassificadas.

Um novo concurso foi publicado em Diário da República a 3 de agosto, com um prazo de 15 dias e a proposta da Rimond voltou a ser escolhida, como se verifica pela publicação do contrato no Portal Base a 3 de novembro. “Ao fazerem o novo [concurso], deram a oportunidade a essa proposta que tinham eleito como elegível de fazer as correções que tinham sido plasmadas na contestação desse primeiro concorrente. Tudo isto ajudou a construir o caminho para aquilo que queriam, no fundo”, diz Pedro Appleton, que tornou a sujeitar-se ao novo concurso.

"Da primeira vez havia irregularidades burocráticas. Depois, eram outras questões. Ficámos sempre com a sensação que a ideia era excluir as propostas todas até que houvesse uma que fosse aperfeiçoada"
Pedro Appleton, arquiteto do atelier Promontorio

“No primeiro procedimento todas as propostas acabaram excluídas por questões burocráticas e depois foram encontrando outras formas de excluir as propostas. Ao segundo, corrigimos tudo, mas acabámos excluídos por não termos nomeado a ‘casa dos lixos’ na cozinha. Que é como quem diz que estávamos ali a mais, não era para participar”, acusa sobre o que diz ser “uma resposta completamente insatisfatória”, ainda mais “quando a proposta de Kengo Kuma e da Rimond [a candidatura vencedora] veio sempre com imensas irregularidades a que a comissão foi fechando os olhos ou foi dando a oportunidade de aperfeiçoar”, aponta.

E continua: “A nossa proposta teve audiência prévia, fomos sempre responder a todas as questões que nos foram postas, para no fim recebermos um parecer ultrajante a dizer que a nossa proposta não é elegível porque não encontravam a nomeação da ‘casa dos lixos’ da cozinha. Isso é uma questão puramente formal. Não era razão para excluir. É um desrespeito enorme para com um grupo de empresas que está a investir milhares e milhares de euros numa proposta. É ultrajante e esconde a pior sombra de pecado.”

Appleton sublinha que a proposta vencedora “continuou a ter irregularidades em relação ao programa de concurso, mesmo tendo sido a proposta ganhadora”. Mas tomar medidas para uma nova contestação acarretaria custos. “Já tínhamos gastado dinheiro no concurso, ainda mais dinheiro em advogados para fazer essa contestação [inicial]. Percebemos que o AICEP estava determinado naquela decisão, ao ponto de ter excluído todas as outras propostas para fazer aquela ganhar”, crê o arquiteto. Sobre as motivações para o alegado favorecimento, sugere: “Somos deslumbrados, sempre fomos provincianos e deslumbrados por esta coisa dos arquitetos e dos arquitetos-estrela. Deve ser essa a motivação”.

O Pavilhão de Portugal projetado pelo gabinete de arquitetura Promontório e que incluía o artista plástico Vhils (Alexandre Farto). "A Casa do Dialogo" era o titulo do projeto, que acabou excluído

Cortesia Promontório

Também o arquiteto Sérgio Rebelo, do atelier homónimo, encarou com estranheza “os moldes em que o concurso foi elaborado”, que lhe deixaram a sensação de “estarem muito talhados para uma das propostas”. O arquiteto do gabinete nortenho apresentou uma candidatura com a construtora ES Global (Reino Unido) e elenca um detalhe: “O facto de os orçamentos terem percentagens muito definidas significa que à partida o projeto já estava escolhido. As percentagens estipuladas para cada momento do projeto são de tal forma precisas que o projeto tinha que estar definido antes”.

No caderno de encargos do concurso da AICEP lê-se que “o preço devido pelos serviços incluídos na ‘Fase de Conceção’ deve corresponder a 9% do preço global”, que os “serviços e fornecimentos incluídos na ‘Fase de Manutenção’ deve corresponder a 2,4% do preço global” ou ainda que “os trabalhos de empreitada incluídos na ‘Fase de Desmontagem e Demolição’ deve corresponder a 16% do preço global”.

“É porque, de facto, existe um conhecimento muito aprofundado do que é que vai ganhar, do que é que estão à procura”, torna o arquiteto, que não tem dúvidas que este “não é um procedimento muito normal, muito menos quando se desclassifica toda a gente para reabrir o concurso e selecionar o único que não tinha sido desclassificado”.

Habituado a responder a vários concursos internacionais, Sérgio Rebelo admite surpresa também sobre o reduzido número de propostas apresentadas. “É no mínimo estranho que, primeiro, apareçam só sete propostas para um projeto destes, de muitíssimo interesse nacional e que, segundo, apesar de terem havido só sete propostas, sejam as sete desclassificadas”. Rebelo nota também o prazo e nível de detalhe do procedimento. “O concurso era de três meses, o que é um prazo extremamente curto para fazer conceção do edifício, conceção da exposição, apresentar proposta de honorários para tudo, tanto para a conceção como para a execução, a proposta de como é que se desmonta o edifício, como é que se recicla todo o edifício. Tudo isto em três meses. Já fiz muitos concursos internacionais, mas nunca vi nada com estes prazos e com este nível de ambição. Daí está explicado o facto de aparecerem apenas sete propostas”, conclui.

“Um Mundo de Muitos Mundos” era o título da proposta do Atelier Sergio Rebelo, cujas "referências arquitetónicas são inspiradas na paisagem natural de Portugal", lê-se na memória descritiva do projeto

Cortesia Atelier Sergio Rebelo

A desclassificação da sua proposta em particular deveu-se precisamente à especificidade das percentagens do orçamento. “Fomos desclassificados porque o nosso projeto estava dentro do orçamento estipulado, só que as proporções às quais atribuímos o valor do orçamento, no projeto geral, não eram exatamente as estipuladas pelo concurso”.

No segundo procedimento, o Atelier Sergio Rebelo já não concorreu. “Primeiro, porque percebemos que o concurso não parecia ser transparente. Segundo, porque ter uma resposta em 15 dias de um concurso que demorou 3 meses era de facto difícil de fazer”, assume o arquiteto, sobretudo, lembra, tratando-se de “equipas multidisciplinares distribuídas por todo o mundo” que implicam coordenação.

Por isso, resume, “a única proposta que foi avaliada foi a única proposta que não foi desclassificada” pelo júri interno da AICEP, que, de acordo com documentos consultados pelo Observador, foi constituído por Bernardo Maria de Sousa, Cláudia Isabel Glória do Carmo, e José Manuel de Sousa Viegas Madeira Fragoso.

“O júri era a própria organização. O júri foi o AICEP. O AICEP escreveu as bases do concurso e julgou as propostas de acordo com as bases que escreveu, sem mais consultoria externa nenhuma”, nota Sérgio Rebelo. “Faço concursos há 20 anos e nunca vi um júri de uma entidade que não tem as credenciais sobre arquitetura, um júri diverso. Pode haver um júri multidisciplinar a avaliar as propostas, agora, que a mesma entidade escreva as bases e julgue a proposta, parece-me estranho”, comenta.

“Parece-me mais estranho ainda o facto de, por causa destas particularidades dos projetos, haver desclassificação. O que é normal, pelo menos no resto do mundo, é que, quando existe algum incumprimento na proposta, haja uma penalização nos pontos de avaliação dessa proposta. Não pode haver uma desclassificação. Cada concorrente deve ter investido dezenas de milhares de euros na elaboração de uma proposta destas. São equipas com dezenas de pessoas, muito diversas, em países diferentes, com know-hows diferentes. É até um desrespeito ao trabalho das pessoas as propostas não serem avaliadas sequer”.

A proposta avaliada e escolhida foi a da construtora italiana Rimondi, que se apresentou a concurso com a Muse – Museums & Expos (Portugal/Reino Unido), empresa com experiência no design expositivo de museus e de pavilhões desta natureza. O pavilhão é concebido pelo arquiteto japonês Kengo Kuma e o seu atelier, KKAA, numa equipa que inclui Minoro Yooko, Andrea Toccolini, Romeo Chang, Roger Villanueva e a portuguesa Rita Topa. Parte da equipa científica da proposta vencedora inclui também dois ex-ministros do Mar: Assunção Cristas (CDS-PP), ministra com a pasta entre 2011 e 2013, “especialista em economia azul”, pode ler-se no documento do projeto a que o Observador teve acesso, e Ricardo Serrão Santos (PS), ministro entre 2019 e 2022, este designado como “especialista em oceanografia”.

Ricardo Serrão Santos era ainda ministro do Mar quando, a 12 de outubro de 2021, chega ao Parlamento o relatório que acompanha a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2022, em que se procede à quantificação das medidas e fontes de financiamento para a AICEP: “28,9 milhões de euros, que integra quadros especializados para a preparação de OSAKA EXPO 2025 e respetiva contratação local (África do Sul, Índia, Nova Iorque e Japão)”.

Quando António Costa toma de posse do novo Governo, a 30 de março de 2022, Ricardo Serrão Santos é substituído pelo atual ministro, António Costa Silva. É nos seus últimos dias enquanto ministro do Mar, no final de março, que Serrão Santos participa num painel sobre água na Expo Dubai (que deveria ter decorrido em 2020, mas foi adiada 2022, devido à pandemia de Covid-19). Sete meses depois, a CNN noticia que o tema “Oceano” era o escolhido para a representação portuguesa.

Arquitetura portuguesa não está representada, diz Ordem dos Arquitetos

Tem sido tradição das participações passadas de Portugal em exposições mundiais que o pavilhão nacional seja desenhado por arquitetos portugueses e a decisão da AICEP optar por delegar a responsabilidade a um japonês não é pacífica. “Acho que o pavilhão de Portugal deve ser desenhado por um arquiteto português”, pensa Sérgio Rebelo. “Acho que existe massa crítica e talento em inúmeras gerações de arquitetos em Portugal que precisa e poderia ser exposta num palco internacional. As feiras servem exatamente para isso, para divulgar o talento que têm em casa. Portanto, estar a convidar um arquiteto japonês para fazer um pavilhão português no Japão passa a mensagem errada”, sublinha.

"Existe massa crítica e talento em inúmeras gerações de arquitetos em Portugal que precisa e poderia ser exposta num palco internacional. Estar a convidar um arquiteto japonês para fazer um pavilhão português no Japão passa a mensagem errada"
Sérgio Rebelo, arquiteto do Atelier Sergio Rebelo

Tal como Pedro Appleton, Rebelo reconhece o mérito de Kengo Kuma, “um arquiteto que todos respeitamos muitíssimo”, mas considera que “um público japonês estar a ver outro edifício do Kengo Kuma no Japão não só é pouco interessante, como se perde a oportunidade de divulgar e promover o talento que temos, de arquitetos jovens com trabalho reconhecido”. Lembrando a geração de Siza Vieira e Souto Moura (ambos Pritzker), “que já fizeram vários pavilhões”, o arquiteto reforça que “a oportunidade de apresentar trabalho numa feira deste calibre é um primeiro passo para que estes arquitetos consigam internacionalizar-se e chegar a fazer trabalho fora internacionalmente”. “É uma grande oportunidade que se perde de promover o talento do nosso país”, alerta, lembrando que “esta no fundo também é a missão do AICEP, promover e divulgar o talento que temos e internacionalizar os serviços bons que temos em Portugal”. E finaliza: “Parece-me um desperdício no investimento que o país faz no palco internacional”. Seis das sete candidaturas ao concurso da AICEP apresentavam arquitetos ou consórcios portugueses associados.

Foi precisamente a escolha de um arquiteto japonês que levou a Ordem dos Arquitetos a, esta segunda-feira, emitir uma nota sobre a decisão da AICEP. “É lamentável que, considerando o prestígio e reconhecimento dos arquitetos nacionais no panorama internacional, Portugal se apresente com um edifício que não tenha a autoria ou, pelo menos, a coautoria portuguesa”, lê-se no texto publicado no site da Ordem.

“Muitos se interrogarão sobre as razões que levaram a que o arquiteto do Pavilhão de Portugal na Exposição Mundial OSAKA 2025 seja japonês. A resposta é simples, porque Portugal assim o desejou, realizando um concurso com parâmetros que induziram a que isso acontecesse”, continua, no texto que assinala como o autor do Pavilhão de Espanha é Nestor Montenegro, de Madrid, o autor do Pavilhão Italiano é Mario Cucinela, de Palermo, os coautores do Pavilhão de França são o estúdio CAAU — Coldefy & Associés, de Lille, os autores do Pavilhão Holandês são o estúdio RAU Architects, de Amesterdão, o autor do Pavilhão da Bélgica é Cyril Rousseaux, de Charleroi, o Pavilhão da Suíça é do grupo NUSSLI e da autoria de Manuel Herz, de Basileia, o Pavilhão dos EUA é do estúdio Trahan, de Nova Orleães, o Pavilhão da China é da autoria do estúdio CADG, de Pequim, e o Pavilhão do Brasil é da autoria de Marcio Kogan, de São Paulo.

Ao Observador, Avelino Oliveira, presidente da Ordem dos Arquitetos, diz não ter dúvidas que o concurso “foi mal feito”. “O Tribunal de Contas validou, não estamos a questionar a legalidade do procedimento. O que estamos ali a questionar é o resultado”, diz. “O procedimento do concurso é também uma manifestação de vontades e de afirmação estratégica da cultura portuguesa internacionalmente. Esse planeamento e essa estratégia falhou”, crê. “A pretexto de um modelo de concurso, foi permitido que a arquitetura portuguesa esteja representada por um arquiteto japonês. Não foi acautelado que tivesse uma mais forte presença portuguesa”, lamenta, esclarecendo que a Ordem não foi chamada a participar no processo — frisando que só pode responder pelo seu mandato, que teve início em outubro.

Uma das exigências do concurso público era “experiência de mais de 6 anos como responsável técnico pela conceção e construção de edifícios no Japão”, nos “últimos 10 anos”, e “com valor de construção superior a dois milhões de euros”, lê-se no programa do procedimento.

Para a Ordem dos Arquitetos, “com este critério, o arquiteto Keil do Amaral não poderia ter feito o Pavilhão de Portugal na Exposição de Paris em 1937, porque não tinha seis anos de experiência na Cidade Luz”. “E é assim que Portugal como membro do Bureaux desde 1932 preparou a sua presença em Osaka, tornando este processo não só num modelo de conceção construção como também dispondo as regras de forma que a escolha recaísse num arquiteto japonês”, nota o organismo.

“É pela primeira vez numa exposição mundial o pavilhão de Portugal não é realizado por um arquiteto português. Se tivermos uma companhia de dança e quisermos representar a dança portuguesa, devemos ou será lógico fazê-lo com uma companhia de dança japonesa?”
Avelino Oliveira, presidente da Ordem dos Arquitetos

“É pela primeira vez numa exposição mundial o pavilhão de Portugal não é realizado por um arquiteto português”, lamenta Avelino Oliveira. “Se tivermos uma companhia de dança e quisermos representar a dança portuguesa, devemos ou será lógico fazê-lo com uma companhia de dança japonesa?”, compara. “A pretexto do modelo da empreitada, acabou porque se condicionaram um valor cultural fundamental em Portugal, que é o da arquitetura. A arquitetura portuguesa não está representada. O concurso estava mal feito, induzia, a forma como estava feito, a que se traduzissem vantagens com um arquiteto local. Não há dúvida.”

Para que serve uma exposição mundial? O presidente da Ordem dos Arquitetos responde: “É para traduzir a amostra de inovação e desenvolvimento da indústria e daquilo que são os elementos culturais de cada país. Quer no conteúdo, quer nos seus próprios pavilhões. Pelo menos as exposições que visitei, foi sempre assim”.

Sem prejuízo da admiração por Kengo Kuma, “arquiteto de referência, de grande qualidade”, notando que “tem duas grandes obras em Portugal”.

Uma delas é a renovação e reconversão do antigo Matadouro do Porto, no antigo complexo industrial de Campanhã. O projeto é da autoria do arquitecto japonês em colaboração com os arquitectos portugueses da Oporto Office for Design and Architecture (OODA), num consórcio liderado pela Mota-Engil. A proposta venceu o concurso em 2018, mas foi sendo adiada por discordâncias do Tribunal de Contas quanto às condições do empreendimento. A conclusão da empreitada está agora prevista para o final de 2024. A outra obra de grande envergadura nas mãos de Kengo Kuma é a ampliação do jardim da Gulbenkian e do CAM — Centro de Arte Moderna, da Fundação Calouste Gulbenkian, que fechou em 2019 e abre portas a 20 de setembro.

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O arquiteto japonês Kengo Kuma, de 69 anos, foi eleito pela revista "Time" uma das 100 personalidades mais influentes do mundo em 2021

Bloomberg via Getty Images

Conceituado arquiteto japonês, um dos mais seus célebres projetos é o estádio que acolheu os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, na sequência de uma polémica em torno do projeto de Zaha Hadid (1950-2016), arquiteta britânica de origem iraquiana que venceu o concurso para fazer o estádio nacional no Japão. Kuma foi um dos signatários de uma carta aberta a protestar contra o projeto concebido por Hadid, que chegaria a responder numa entrevista à revista , descrevendo os arquitetos em protesto como “hipócritas”. “Não querem uma estrangeira a construir um estádio nacional em Tóquio. Por outro lado, todos eles trabalham lá fora. Seja Sejima, Toyo Ito, Maki, Isozaki ou Kengo Kuma”, nomeou. O governo do Japão acabaria por dar razão ao manifesto, alimentado sobretudo por arquitetos japoneses, “porque os arquitetos japoneses conheciam muito bem o lugar”, justificou Kengo Kuma numa entrevista ao jornal Público aquando da apresentação do projeto para a Fundação Gulbenkian, em 2019. “Todos os projetos podem ter uma identidade que lhes é emprestada pelo lugar. Acho que a identidade do arquiteto não é importante no século XXI”, dizia então. “O mais importante para a arquitetura no futuro é a identidade do lugar”, “Os arquitetos têm de colaborar com o lugar. Alguns tentam trazer o seu próprio estilo e aplicá-lo a diferentes locais. Para mim, trabalhar com o lugar é mais excitante.” Questionado pelo jornal sobre a reação dos arquitetos portugueses ao seu projeto em Lisboa, contestava: “Não sei de nada”.

Tribunal de Contas validou o concurso. “Isso fala por si”, diz comissária-geral

“Houve um concurso público rigoroso e exigente, sujeito a regras de transparência, conduzido por uma equipa experiente da AICEP, altamente escrutinado pelo Tribunal de Contas que o validou. Isso fala por si”, defende a comissária-geral do Pavilhão de Portugal na Exposição Mundial de Osaka 2025, Joana Gomes Cardoso, numa declaração por escrito enviada ao Observador.

Lembrando que “há países que organizam as suas participações nas Expos através de um regime de exceção que permite evitar concursos e fazer uma contratação direta”, a comissária-geral salienta que “Portugal, pelo contrário, entendeu seguir os trâmites normais do Código de Contratação Pública”, um “enquadramento legal [que] automaticamente abre o concurso a participantes internacionais, impedindo qualquer discriminação contra concorrentes pela sua nacionalidade”.

Sublinha também que o concurso em causa “não abrangia unicamente a arquitetura, mas também o design expositivo e a construção do Pavilhão” e que “a candidatura vencedora é composta por diversas pessoas de nacionalidade portuguesa, inclusivamente arquitetos, e estão envolvidas neste processo diversas personalidades e entidades nacionais”.

Nomeada em Conselho de Ministros em setembro, Joana Gomes Cardoso esclarece ainda, por telefone, que quando chegou ao cargo o processo já estava concluído e que não teve, por isso, qualquer “margem de apreciação”.

Questionada pelo Observador se não vê incompatibilidade no facto de ser consultora do Gabinete do Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, cujo Centro de Arte Moderna foi renovado pelo mesmo arquiteto, Joana Gomes Cardoso contesta alegando que é consultora independente para diversas entidades. “A escolha deste projeto, quando tive conhecimento dela, foi uma surpresa para mim também. Não tive nenhum envolvimento na seleção do processo”. Numa resposta posterior, por e-mail, Joana Gomes Cardoso clarifica: “não estava na Gulbenkian quando decorreu a escolha do Centro de Arte Moderna” e “não estava em funções de Comissária quando decorreu o concurso para o Pavilhão de Osaka”. “Cheguei na fase final e não tive qualquer intervenção conforme é possível ver nas atas do processo”, remata.

O Observador contactou o gabinete de comunicação da AICEP, que remeteu para questões por e-mail, mas que acabaria por negar responder.

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