Pedro Nuno Santos entrou para a reunião com os deputados do partido ainda Luís Montenegro estava em direto numa entrevista à SIC a dizer que tinha fechado o Orçamento do Estado sem o acordo do PS. Tinham falado minutos antes e o líder socialista confirmou que não tinha dado acordo e que só avança com uma decisão final depois de ver a proposta de Orçamento. Por agora, tem um partido muito dividido sobre o voto contra e a favor, embora quanto mais próximos sejam do líder maior seja a inclinação para o voto contra — a bancada parlamentar esteve até depois das três da manhã reunida (mais de cinco horas) e sem chegar a qualquer conclusão.

No final falou a líder parlamentar, para dizer apenas que foi um “debate construtivo, muito franco e muito útil”. “O partido é muito plural”, disse ainda Alexandra Leitão que garante que a reunião “confluiu numa grande confiança na decisão do secretário-geral” e que a entrevista que o primeiro-ministro deu antes dela começar “não altera ou condiciona o debate interno do PS”.

No arranque da reunião, o secretário geral do partido passou em revista o processo negocial e dedicou parte da intervenção a explicar a recusa de ir além de uma descida de um ponto percentual no IRC em 2025. Para o PS não basta que a trajetória de descida até aos 17% não esteja na proposta de Orçamento apresentada pelo Governo, é preciso que exista um acordo (verbal ou escrito) para que não desça além de um ponto no próximo ano — o que o Governo não se comprometeu a fazer.

Entre as duas partes continua, assim, tudo bloqueado, com Pedro Nuno Santos a dizer aos deputados que a sua intenção continua a ser negociar “com firmeza” até ao fim. Da bancada ouviu de tudo, incluindo Fernando Medina, ex-ministro das Finanças a deixar críticas à estratégia negocial e a defender que, aqui chegado, a decisão deve ser tomada rapidamente, isto depois de também dizer na reunião que eleições antecipadas seriam prejudiciais para o PS. Mas o líder do partido saiu sem nada dizer e nos próximos dias ainda vai reunir a Comissão Política Nacional do partido — que em julho o mandatou para negociar — antes de fechar a posição.

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Praticamente metade dos 78 deputados quis falar na reunião com o líder e o primeiro foi logo Sérgio Sousa Pinto, que foi especialmente incisivo, segundo apurou o Observador, sobre a necessidade de ser o PS a chegar-se à frente mantendo o Chega fora da viabilização e também enfatizando a necessidade de o partido se afastar da esquerda.

A intervenção irritou o líder socialista, que elevou o tom de voz e garantiu que o Chega não condiciona a posição do PS. Também respondeu a uma tirada que Sousa Pinto, um anti-geringonça confesso, que disse estar “farto de convicções” aproveitando uma frase recente de Pedro Nuno Santos sobre preferir eleições do que “abdicar de convicções”. O líder não gostou e na resposta atirou à atitude de Sousa Pinto, subiu o tom de voz, e disse ter muito orgulho nas suas convicções, garantindo também que a posição do PS não era condicionada pelo Chega.

Sousa Pinto foi um dos muitos deputados a pedirem a viabilização do Orçamento do Estado, uma frente onde também se colocou — sem surpresa — o adversário de Pedro Nuno nas diretas do partido, José Luís Carneiro. Mas também Fernando Medina, Marcos Perestrello, Mariana Vieira da Silva (estes dois últimos são membros do secretariado de Pedro Nuno), Filipe Neto Brandão, Paulo Pisco ou Edite Estrela.

Neste grupo, o argumento mais usado foi a falta de motivação em geral para novas eleições num tão curto espaço de tempo. Nos relatos feitos ao Observador, entre os argumentos usados para justificar esta via estiveram frases como “o país não quer eleições nem crises” ou que “as pessoas estão saturadas” de atos eleitorais. Mas também há outra tese que tem a ver com a entrega dessa responsabilidade ao Chega. Sousa Pinto disse mesmo que seria “um crime” deixar a viabilização de um orçamento ao partido de André Ventura.

Mas entre os socialistas que defenderam o voto contra o Orçamento (e também foram muitos e sobretudo os mais próximos do líder) o Chega também acabou por ser utilizado como argumento. Afinal, se o PS viabilizar o Orçamento, deixa o espaço da oposição todo para o partido liderado por André Ventura. O próprio secretário-geral chegou a intervir para alertar para os perigos de um cenário em que o Chega ganhe um protagonismo ainda maior, mencionando França e a erosão do Partido Socialista francês como exemplo.

Já a reunião decorria há cerca de duas horas quando começaram a surgir mais posições nesta linha. Isabel Moreira foi uma das vozes que defendeu o voto contra, bem como a deputada Joana Lima, Ricardo Lima. João Paulo Correia, mas também Marina Gonçalves, João Paulo Rebelo, Tiago Barbosa Ribeiro ou João Torres — estes últimos, todos nomes próximos de Pedro Nuno Santos e quase todos membros do secretariado nacional.

Entre estes nomes foram dados vários argumentos pelo voto contra, muitos deles comuns: houve quem frisasse que o PS já fez o suficiente para ‘salvar’ o PSD da imprevisibilidade do Chega noutras ocasiões em que quis mostrar sentido de Estado, como a eleição de José Pedro Aguiar-Branco como Presidente da Assembleia da República, e quem considerasse que os dois partidos do centro político precisam de se distinguir um do outro, para assegurar que o regime democrático oferece alternativas aos eleitores. Para este setor, é essencial preservar a “autonomia estratégica” do PS e uma viabilização do Orçamento poderia colocar esse objetivo em causa.

Além disso, houve deputados que se mostraram irritados com a postura do PSD nas últimas semanas de negociação, argumentando mesmo que o partido de Pedro Nuno Santos tem sido “maltratado” no diálogo com o PSD — sobretudo durante o último debate quinzenal, em que o clima aqueceu entre o líder do PS e o primeiro-ministro — e que, não tendo o PSD cedido às propostas do PS no IRC, os socialistas devem manter as linhas vermelhas que tinham definido.

Pedro Nuno Santos ainda interveio pelo meio, para voltar a garantir que o PS não quer eleições, mas que nem essa perspetiva nem os posicionamentos do Chega devem condicionar a tomada de posição perante o Orçamento do Estado para o próximo ano. O líder repetiu a ideia de não querer abdicar de convicções e não deu sinais sobre a sua própria inclinação. À tarde, na reunião que já tinha tido com os presidentes das federações distritais socialistas, o alinhamento tinha sido mais tranquilo, com os presidentes eleitos há duas semanas a declararem apoio à “posição negocial do líder”, qualquer que fosse o contexto.

A decisão final será sempre de Pedro Nuno Santos que a comunicará, em primeira mão, à Comissão Política nacional do partido, numa reunião que ainda não tem data marcada. Uma coisa é certa, o que vier a ser decidido só surgirá depois de conhecida a proposta do Governo.