Por Braga, Porto, Coimbra, Lisboa. Pedro Nuno Santos dedicou o fim de semana a espalhar a palavra a algum país socialista num momento de especial nervosismo interno. À cabeça levou o aviso aos socialistas que ocupam o “espaço mediático” para que tenham “respeito pelo partido”, que não alimentem a “discórdia” interna, ou seja, que se não podem alinhar com o líder se remetam ao silêncio no espaço público. Um aviso que caiu mal no partido.

Era um dos pontos principais que o líder do PS levava para dizer em cada um dos palcos do partido, nos congressos federativos do fim de semana, sempre no mesmo tom de aviso. “É bom que ninguém se engane sobre isto, nem fora nem dentro do PS. Aqueles que no nosso partido têm acesso à televisão precisam mais vezes de descer do pedestal e de estar com o partido, sentir o partido, com os militantes. Se o fizerem vão perceber rapidamente que não há um único militante do PS que goste de ver dirigentes do PS a fazer o jogo da direita, o jogo do Governo”, afirmou no Porto no sábado.

Em Braga, também no sábado, já tinha avisado que “é bom que nenhum socialista e dirigente do PS se engane de qual é o seu partido e quais são os nossos adversários”, dirigindo-se igualmente aos socialistas que comentam nas televisões. E no domingo votou à carga em Coimbra, para dizer que “é importante que os militantes, sobretudo os que têm acesso ao espaço mediático, tenham sentido de responsabilidade e dever de ter a consciência de pertencer ao partido.”

Pedro Nuno quer que cada um assuma a “responsabilidade de unir e intervir a uma só voz publicamente”, depois de na última semana ter ouvido destacados socialistas a tornarem pública a sua posição sobre o que fazer em relação ao Orçamento do Estado para 2025. Quando o líder ainda não decidiu e empurrou o assunto mais para a frente, figuras como Fernando Medina, Francisco Assis, José Luís Carneiro, Sérgio Sousa Pinto ou José António Vieira da Silva vieram defender a viabilização do Orçamento do Estado.

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“Estupefação” e um líder que já foi o enfant terrible de outras lideranças

À Rádio Observador, Vieira da Silva disse este domingo estar “estupefacto” com as intervenções do líder. “As pessoas que falam não falam em nome do partido. Quando falam em nome do partido têm que o dizer como tal. Agora, os militantes do Partido Socialista não estão impedidos. Não pende sobre eles nenhuma espécie de norma de silêncio, isso não é próprio na democracia”, afirmou o ex-ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social: “A minha opinião é livre, sempre foi e sempre continuará a ser, e sempre continuarei a ser militante do Partido Socialista.”

Vieira da Silva “estupefacto” com comentários de Pedro Nuno Santos sobre PS apresentar uma “voz única publicamente”

“É uma atitude de radicalismo“, comenta um socialista ao Observador que questiona a “autoridade” de Pedro Nuno Santos para fazer estes avisos. “Demonstra insegurança e fragilidade”, acrescenta outro. E no partido também se questiona: “Ele não estava na televisão a comentar com Costa no Governo e não criticou a TAP? E também o uso do saldo orçamental?“. “Que lealdade tem quando andou no terreno a preparar o partido? Não tem autoridade nenhuma”, considera a mesma fonte.

Quando regressou ao Parlamento, depois da travessia do deserto pós-saída do Governo (no caso da indemnização a Alexandra Reis), o líder socialista também divergiu publicamente do seu partido no Parlamento. Quando o PSD apresentou uma proposta para a recuperação do tempo de serviço dos professores, o PS votou contra e Pedro Nuno não quis furar a disciplina numa “matéria orçamental”. No entanto fez uma declaração de voto onde dizia “concordar genericamente com o espírito da proposta” social-democrata.

Já durante a liderança de António José Seguro, Pedro Nuno Santos foi um dos opositores internos à estratégia seguida, chegando mesmo a romper publicamente com o líder ao renunciar ao cargo de vice da bancada parlamentar, em abril de 2012, em desacordo com o voto a favor do PS sobre o Tratado Orçamental da União Europeia, que impunha regras de disciplina financeira aos Estados-membros em termos de dívida e défice.

Foi durante essa mesma era que, num jantar do partido, Pedro Nuno Santos fez declarações polémicas, que foram tornadas públicas, a defender que o país não pagasse a dívida. O episódio foi aproveitado pelo então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, que, durante um debate parlamentar, explorou as divergências dentro do do partido sobre o alinhamento com compromissos internacionais do país. Seguro teve de garantir que o PS “sempre foi a favor da disciplina orçamental, de pagar a dívida e honrar compromissos”. A direção de Seguro caiu em 2014, depois de desafiada por António Costa que, nas suas fileiras, já contava com Pedro Nuno.

Pedro Nuno Santos diz agora que o momento que o partido atravessa “é duro e difícil” e que o PS “tem de ser apresentar unido publicamente“, já que este “é um processo difícil de gerir“, disse referindo-se ao processo relativo ao Orçamento para o próximo ano. Ao mesmo tempo garante que o PS é “um partido aberto, de liberdade, onde cada um diz o que entende”, acrescentando logo de seguida: “Incluindo o secretário-geral”.

Recusa estar a “coartar a liberdade”, mas diz ao mesmo tempo que “promover e alimentar a falta de alternância política isso sim é um grande mal e dano à democracia”. Isto quando a pressão interna maior tem vindo dos socialistas que defendem a viabilização da proposta de Orçamento do Estado que o Governo entregou esta semana.

Alinhar a tal “voz única” e  acalmar hostes autárquicas

Mas na volta ao partido deste fim de semana levava outros assuntos em mãos e um deles tinha a ver com o processo orçamental e como deve o partido falar “a uma só voz” nestes dias em que o PS se mantém no limbo entre a viabilização ou chumbo do Orçamento. Quer vá para um lado ou para o outro, o líder socialista quer ver o partido alinhado no combate a um Orçamento que é “mau” e que “não é nem nunca será um orçamento do PS. Pelas medidas que tem e pelo que não tem”, seja ou não viabilizado com a ajuda do PS.

Isto além de ser uma proposta de um “Governo que não é de confiança”, nas palavra do líder que voltou à argumentação da campanha eleitoral de colocar a direita toda no mesmo saco. Aliás, entre André Ventura e Luís Montenegro, Pedro Nuno disse mesmo não arriscar sobre quem está a mentir no episódio das reuniões que os dois terão mantido sobre o Orçamento do Estado — Ventura aponta cinco, Montenegro desmente acordos, mas ainda não falou do número das reuniões.

O outro objetivo que levou neste périplo por alguns dos congressos federativos do partido foi a mobilização autárquica. O processo orçamental tem colocado especial peso sobre quem se preparar para essa corrida, que ocorrerá entre setembro e outubro do próximo ano, com o calendário para apresentar candidato a começar a apertar. O partido tem mais de cinquenta autarcas com mandato limitado (por já terem cumprido o terceiro e último consecutivo),  que torna esta uma batalha especialmente intensa, decisiva e que ninguém sabe se não terá legislativas antes.

As capitais dos distritos que escolheu para pisar este fim de semana são todas social-democratas (Braga, Coimbra, Lisboa), à exceção do Porto, liderada pelo independente em fim de mandato Rui Moreira. Em todas, o líder socialista declarou a ambição de reconquistar o poder, mas sempre sem revelar candidatos.

“Nós vamos vencer a Câmara Municipal do Porto, nós vamos vencer a capital do distrito do Porto, a cidade mais importante do país”, afirmou, no encerramento do congresso federativo do PS distrital, em Penafiel. Já em Coimbra, no dia seguinte, disse que “o PS vai vencer a Câmara Municipal de Coimbra. Nós vamos ganhar esta câmara municipal”, reafirmou sem explicitar qual será o “candidato ou candidata” — disse assim para “evitar especulações”. O mesmo em Lisboa, onde a resposta sobre quem melhor se qualifica no partido para concorrer à autarquia se assemelhou a todas as outras que deu durante o fim de semana, garantindo sempre que o partido tem quadros com nível para responder a esses desafios.