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Diz que se moderou. Vê o Pedro Nuno Santos de 2011 -, aquele que dizia que se não pagássemos a dívida aos bancos, até “tremiam as pernas” aos banqueiros alemães – como fruto do tempo. “Todos aprendemos com os erros”. A verdade é que agora mede as palavras, contém-se para não ir longe nas respostas. Em entrevista ao Observador, o deputado, vice-presidente da bancada parlamentar e chefe das equipas negociais com PCP, BE e Verdes, acredita no sucesso do acordo, diz que não lhe passa “pela cabeça” que o Presidente prejudique o país ao não dar posse a António Costa, mas admite a “tensão” que será permanente, pelas negociações que terão de ser feitas. As primeiras têm nomes certos: TAP e Novo Banco. O deputado coordenador do PS na Comissão de Inquérito ao BES admite que o sistema bancário já está sobrecarregado, deixando antever que a solução para o Novo Banco poderá passar por uma injeção de dinheiro do Estado, sem o admitir preto no branco. O seguinte poderá ser a dívida: diz que não se pode “fazer de conta” que o problema não existe e defende uma solução europeia.
O socialista, que muitos apontam como futuro trunfo para liderar o partido, não fala em momento histórico, mas diz que “a esquerda tem uma grande responsabilidade e não a pode desperdiçar”. E avisa: “Não podemos fazer de conta que a dívida não é um problema” e “a rua não é um problema para o PS”.
Não me passa pela cabeça que o Presidente prejudique o seu país só para não dar posse a um Governo do PS
O PS assinou três acordos com os partidos à esquerda, mas não lhes chamou isso, chamou-lhes “posição conjunta sobre a situação política”. Estes são acordos fortes, possíveis ou suficientes?
São os acordos que permitirão ao Governo do PS ter um suporte maioritário e garantem, desde logo, ao Presidente da República e ao país, o apoio maioritário que a solução PSD/CDS nunca teve. É um acordo e uma maioria bem mais forte do que aquela que nem chegou a ser a maioria.
São os acordos que esperavam ou esperavam um acordo mais consistente como, por exemplo, com a entrada do PCP e do BE no Governo?
O que é relevante, mais do que a filiação partidária dos membros do Governo, é saber se o Governo tem um apoio maioritário no Parlamento e isso este Governo do PS terá. Esse era o grande objetivo que nós tínhamos: conseguir apresentar perante o Presidente da República uma solução com apoio maioritário e com as condições necessárias para podermos governar tendo em perspetiva a legislatura. Uma solução duradoura…
Está garantido que é para a legislatura? É que nos textos não diz preto no branco que estes partidos não apresentam moções de cesura, por exemplo. Que garantia de estabilidade dá ao Presidente da República?
Nem era suposto. Ao contrário do CDS que decidiu dissolver-se no PSD, essa nunca foi a intenção do PS em relação ao PCP e ao BE. O PCP, o BE e os Verdes mantêm em pleno a sua autonomia. Nós conseguimos um acordo que permite ao PS formar Governo, conseguir passar no Parlamento o seu programa de Governo e governar com estabilidade. Obviamente que isto vai exigir um esforço de concertação e esse esforço será constante. Trabalharemos com PPC, BE e Verdes durante os quatro anos para assegurarmos que esta solução durará de facto quatro anos e estamos convictos que assim será.
Coloca a hipótese de o Presidente da República não dar posse a António Costa?
Não me passa pela cabeça que o senhor Presidente da República prejudiqueo seu país só para não dar posse a um Governo do PS, que garanta aquilo que Passos Coelho não conseguiu garantir. Passos Coelho foi indigitado mesmo sem ter o apoio maioritário. Ora, por força da razão, o PS, que apresenta uma solução maioritária, terá de ser obviamente indigitado. Isso parece-me óbvio. Também me parece evidente, – não só a mim, arriscaria dizer à maioria da sociedade portuguesa -, que será mau para o país termos um governo de gestão quando na realidade há uma solução maioritária no Parlamento.
Mas Passos Coelho ganhou as eleições, o mesmo não aconteceu com António Costa. Isso não é argumento suficiente para que o Presidente não dê posse, mesmo que com apoio maioritário?
Não. Temos de neste momento, e é obrigação de todos à esquerda e à direita, fazer a pedagogia do que é uma democracia parlamentar. É verdade que nunca tivemos um governo que não fosse liderado por quem ganhou as eleições. E o PS não as ganhou, ficou atrás da coligação PSD/CDS e sobre isso ninguém tem dúvidas e nós também não. A questão é que o PSD e o CDS não conseguiram uma solução maioritária para governar. Temos de ter presente que em 40 anos de democracia – que é recente apesar de muitos invocarem a tradição – que não esgotou todas as possibilidades possíveis da Constituição, desde logo um Governo de esquerda e também um Governo liderado pelo partido que não ganhou. Coisa que acontece em muitas democracias no Norte da Europa, muito mais maduras…
Sim, mas o nosso regime também é semipresidencialista o que pode levar a que o Presidente tenha aqui uma palavra forte…
No essencial é de base parlamentar e é do Parlamento que emanam as soluções governativas, ou devem emanar. A verdade é que há uma solução maioritária e esperamos que essa solução maioritária se possa traduzir num Governo. A configuração parlamentar é exigente e dificulta obviamente as soluções de governação, mas a configuração parlamentar é aquela que saiu das eleições e nós temos de saber viver com ela e no quadro dela saber trabalhar. É isso que o PS está a fazer com os partidos à esquerda.
O PS tem insistido que o que resulta do acordo é que o programa que tem de ser executado é o programa do PS. Mas muitas das medidas do programa do PS não têm o acordo prévio dos partidos à esquerda. E nas contas dos deputados, o PS precisa que os dois partidos as aprovem. Como é que isso ficou garantido? Falo por exemplo do regime conciliatório…
Sobre essa matéria há acordo: que não consta do programa de Governo.
Mas Mário Centeno disse que insistiria na medida…
O programa de Governo tem como base o programa eleitoral do PS, mais as alterações que decorrem das negociações e nós acordámos que não teremos o regime conciliatório no programa do Governo. O que não quer dizer, que nós não possamos estudar soluções, no que diz respeito ao mercado de trabalho, diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social, nos grupos de trabalho que serão criados. Soluções, que estavam no programa eleitoral e que não estão no programa de Governo, poderão ser debatidas com mais cuidado no quadro dos grupos de trabalho.
PS negociará com o consórcio reversão da venda da TAP
Uma outra medida que não está nos acordos de Governo é a TAP. O que é que o PS vai fazer?
Nós conseguimos um acordo com o PCP, BE e PEV em diversas matérias, sobre as matérias em que não chegámos a acordo, o PS, no quadro do Governo, tentará concretizar. O PCP e o BE defendem que o capital da TAP se mantenha público na sua totalidade. Aquilo que o PS defendeu sempre é que o capital devia ser maioritariamente público. Por isso, aquilo que faremos, com toda a serenidade e no quadro legal vigente e em conversação com o consórcio vencedor, é tentar assegurar que ainda seja possível ao Estado português manter a maioria do capital. Não desistimos desse objetivo, agora esse processo será desencadeado com a maior normalidade, serenidade e com o consórcio vencedor…
Independentemente do valor das indemnizações que tenham de ser pagas?
Não queremos prejudicar o país. O objetivo é conseguirmos encontrar a melhor solução para a TAP. E nós acreditamos que isso possa ser feito em conversação com o consórcio vencedor. Não achamos que seja impossível e por isso trabalharemos que a TAP possa ser maioritariamente pública.
Já houve algum contacto? Ou só depois de o Presidente dar posse?
Isso só faz sentido quando o PS for Governo. Neste momento temos um Governo de gestão que infelizmente atua como se tivesse na plenitude das suas funções, mas objetivamente o PS ainda não é Governo.
Novo Banco precisa de dinheiro, e bancos “já estão em tensão”
O Novo Banco precisará de ser recapitalizado. Admite que o Governo pode vir a ter de emprestar mais dinheiro ao Fundo de Resolução [que detém o Novo Banco]?
O Governo, neste caso Maria Luís Albuquerque e o primeiro-ministro – sabe melhor do que nós a situação do Novo Banco. Porventura, não conheceremos as necessidade de capital do Novo Banco independentemente dos testes de stress. Isto é: a par dos testes de stress, foi feita uma reavaliação da qualidade dos ativos do Novo Banco e, se as coisas forem de facto conhecidas, chegaremos à conclusão que a injeção de capital feita o ano passado não era suficiente. Por isso, há um processo muito mal gerido desde o início e provavelmente o Novo Banco estará subcapitalizado. Há um processo da inteira responsabilidade de quem desencadeou e o decidiu. Como todos nós sabemos não é um processo da inteira responsabilidade do Banco de Portugal — é, quando muito, da responsabilidade partilhada entre Banco de Portugal e Ministério das Finanças, para não dizer que é do Ministério da Finanças e do primeiro-ministro.
Por ser uma responsabilidade partilhada é que gostava que me respondesse, mesmo que de maneira geral: o PS admite que o próximo Governo vai ter de injetar dinheiro no Fundo de Resolução?
Tudo indica que o Novo Banco vai precisar [de ser recapitalizado]…
Pelo Estado ou pelos bancos?
Podíamos fazer uma boa entrevista sobre o Novo Banco e a capacidade de os bancos continuarem a injetar capital no Novo Banco. A situação do Novo Banco não é fácil, o sistema bancário português está obviamente com tensão, e portanto, sobrecarregar ainda mais o sistema bancário não será… não será [a solução]…
Por essa visão teria de ser o Estado a assumir essa recapitalização…
A verdade é que a recapitalização foi assumida pelo Estado até agora. Dos 4,9 mil milhões, 3,9 mil são responsabilidade do Estado, que fez um empréstimo desse montante ao Fundo de Resolução. Sobre essa matéria não haveria novidade…
A situação do Novo Banco não é fácil, o sistema bancário português está obviamente com tensão, e portanto, sobrecarregar ainda mais o sistema bancário…
Mas um Governo PS não quererá fazer diferente?
O Novo Banco neste momento, para todos os efeitos e deem-se as cambalhotas que se quiser dar, é um banco que foi alvo de uma intervenção que poderá, para muita gente, ser considerada uma nacionalização. Na medida em que a esmagadora maioria do capital injetado é do Estado, estamos perante uma situação que é difícil. Não quero antecipar nada, nem estar criar qualquer tipo de alarme porque tenho a certeza que a situação será resolvida a prazo e bem resolvida a prazo.
A ideia era só perceber qual a solução que o PS tem em mente…
Mas em primeiro lugar vamos ouvir a solução do Ministério das Finanças, que é responsável pela situação que nós temos e pela solução a que se chegou. Tem de dizer o que aconteceu, dizer se estava ou não subcapitalizado, o que aconteceu entretanto e o que se pode fazer.
Ao contrário da TAP, esta é uma matéria que ainda pode ser decidida por este Governo?
Há um conjunto de informação que nós ainda não temos. Impõe também a responsabilidade, que tenhamos a necessária prudência e cautela nos comentários que fazemos sobre o sistema bancário e sobre o Novo Banco. As necessidades de injeção de capital; como é que deve ser feito; qual o papel que o restante sistema bancário deve ter nessa injeção, etc. Há um conjunto de matérias que exigem que tenhamos um nível de informação que objetivamente nós não temos.
“Não há ninguém que defenda uma rutura com a UE. Ninguém”
O PS apresentou, para aprovar até ao final do ano, diplomas com medidas temporárias para não fazer disparar a despesa. Estamos a falar da reposição do corte nos salários dos funcionários públicos, mas menos graves, e da sobretaxa, também menos grave. Não é simbólico que as primeiras medidas que o PS e a esquerda venham a aprovar sejam na mesma a manutenção de austeridade, mesmo que mais levezinha?
Não é mais levezinha. É mesmo a eliminação dos cortes dos salários da função pública e eliminação da sobretaxa…
Em dois anos…
No caso dos cortes salariais não é em dois anos. O que se pretende com as iniciativas legislativas é que se possa eliminar quer o corte dos salários quer a sobretaxa. Do ponto de vista simbólico é que há a vontade e a intenção determinada por parte do PS em assegurar que o país vai respeitar as metas orçamentais.
Uma das maiores críticas que se ouvem aos acordos de esquerda é que as medidas só aumentam a despesa pública. Como é que serão compensadas para que se respeitem as metas do défice?
De várias maneiras. Desde logo há um ajustamento, no cenário do PS, mais moderado do que aquele que é proposto pela coligação de direita. Enquanto a coligação prevê reduzir o défice em 2015 de 2,7% para 1,8% em 2016 aquela que é a nossa previsão é de 3% em 2015 e a redução para 2,8% em 2016. Queremos que Portugal saia do procedimento por défice excessivo, mas prevemos uma redução de duas décimas. Ao mesmo tempo, temos um conjunto de medidas cujo impacto na economia é diferente do pacote de medidas do PSD/CDS. Não só não reduzimos o IRC, a coligação reduz o IRC e vamos ter um aumento do conjunto de prestações e rendimentos, que permitirão aumentar o consumo – por essa via um impacto na procura e também no crescimento económico. Temos aqui este duplo efeito: um ajustamento mais moderado nos primeiros anos, e por outro lado um conjunto de medidas que tem um impacto na nossa economia diferente. Permite que a economia cresça, como permite ao Estado arrecadar mais receitas, seja por via do IRS, seja do IVA. No modelo com o qual trabalhamos, conseguimos cumprir o défice orçamental, mesmo com o aumento das despesas.
Não está prevista uma negociação das metas?
Temos um ajustamento diferente. Um governo do PS trabalhará com uma grande proximidade com os nossos parceiros europeus, com Bruxelas. O PS tem um compromisso desde sempre com a União Europeia e com a manutenção de Portugal no projeto europeu, seja na UE seja no euro. Da direita à esquerda dentro do PS não há ninguém que defenda uma rutura com a UE. Ninguém. Isto é importante porque pode dar muita confiança a muitas pessoas. Agora temos uma visão diferente daquela que deve ser a evolução do projeto europeu em relação à direita portuguesa e à direita europeia. Se é verdade que houve um consenso entre o centro-direita e o centro-esquerda na Europa para construirmos o projeto europeu, nós hoje temos uma disputa saudável do que devem ser os próximos passos que a UE e a União Económica devem tomar. Sobre esta matéria que não haja dúvidas: não vamos para nenhum governo que ponha em causa esses compromissos ou que ponha Portugal numa estratégia de confrontação com a União Europeia. Não é esse o nosso objetivo, nunca foi e não será. Não há divisões dentro do PS.
Mas há divisões com os parceiros de um futuro Governo do PS…
Como disse e bem, um Governo do PS.
“Não podemos fazer de conta que a dívida externa não é um problema”
BE e o PCP parecem acreditar que não será possível respeitar as metas sem que haja uma renegociação da dívida. Escreveu há uns anos um estudo sobre a renegociação da dívida com Francisco Louçã. Sente-se mais próximo do que defende o Bloco neste campo do que o que defende o PS?
Sobre a matéria da dívida há umas frases que são normalmente reproduzidas, proferidas por mim em 2011 em determinado contexto político. E há dois, três anos a produção de um trabalho académico com mais três economistas em que faz uma proposta técnica e não política de como é que a dívida externa poderia ser reestruturada. Quero relembrar, para que ninguém fique assustado, que só alterava duas variáveis: as taxas de juro e os prazos para as maturidades dos empréstimos. Não mexia no capital. O PS compreende que há um problema com a dívida pública na União Europeia, um problema maior do que o nosso tem a Grécia e a Itália. De alguma maneira a União Europeia deverá encontrar uma solução para este problema, que é um peso enorme para muitos orçamentos de uma parte considerável dos países. É um ponto que não deve ser ignorado. Tenho uma posição conhecida: acho que a dívida pública tem de ter uma resposta no quadro europeu. Um pouco diferente daquilo que se passou em 2011. As coisas entretanto vão mudando…
É também diferente da posição do BE?
Sim, porque o BE considera a possibilidade de a restruturação ser unilateral. Essa não é a minha posição. Em 2011, a dívida pública não era detida pelas instituições europeias e de facto achava que uma estratégia diferente podia ter sucesso, mas fomos todos aprendendo com o tempo. É óbvio que a melhor forma de conseguirmos os ganhos desse ponto de vista não é em confrontação com a UE, mas de negociação.
Essa parece-me um discurso mais moderado…
Nós todos vamos aprendendo. Não uma negociação unilateral, mas multilateral, no quadro da União Europeia. É assim que deve ser. Desse ponto de vista eu digo isto porque não tenho a menor dúvida que seria gravoso para Portugal e para a economia portuguesa uma rutura com a União Europeia.
Mas a verdade é que no acordo que foi assinado está previsto um grupo de trabalho…
Um grupo de trabalho para discutir a sustentabilidade da dívida externa…
Isso não é admitir que ela não é sustentável?
Não, não. Não podemos fazer de conta que a dívida pública não tem um elevado peso no nosso PIB. Tem, é um problema, nós temos encargos anuais com a dívida que são muito elevados e que retiram capacidade ao Estado e à economia de investir, porque há recursos que estão, regularmente, a deixar o nosso país, a deixar a nossa economia. E isso é um problema que tem de alguma forma encontrar resposta e por isso, sim, tem de ser estudado. Há sempre uma grande confusão, entre dívida pública e dívida externa. Nós temos uma dívida externa muito elevada…
Pública e privada…
Pública e privada. Não é um problema só do Estado português – e o problema na dívida privada não foi causado pelo PS… e o da dívida pública -, mas a verdade é que temos uma elevada dívida externa e que deve ser alvo de atenção para todos nós, porque é um travão ao investimento seja ele público seja privado. Como toda a gente sabe, o nosso setor privado está alavancado em dívida…
Sobretudo as empresas…
E isso prejudica o investimento por parte dessas empresas. Nós não podemos fazer de conta que a dívida externa, privada e pública, não é um problema. Isso seria trágico. E por isso o grupo de trabalho visa fazer essa análise e é importante que tenhamos independentemente da liberdade e da autonomia do PCP e do BE em relação à dívida, o PS entende que esse debate deve ser feito no quadro com os nossos parceiros.
A rua não é, como nunca foi, um problema para o PS
O dirigente do BE, Jorge Costa, escreveu que, no futuro, o Governo PS vai confrontar-se com uma realidade: o garrote de Bruxelas vai começar a apertar e aí ou cede à pressão de Bruxelas impondo “novos aumentos de impostos e cortes” ou “respeita os compromissos que o PS assinou”. Mais do que isso, diz que nessa altura a rua poderá ser um fator de pressão. Não é uma marcação de posição do BE quando ainda nem há Governo do PS?
Não, quer dizer… o BE tem uma determinada visão sobre os constrangimentos orçamentais europeus e a dificuldade que esses constrangimentos impõem à prossecução de uma política de esquerda. E por isso há quem à esquerda do PS ache que que haverá uma tensão – e obviamente que ela existe – entre os constrangimentos europeus e a vontade de termos uma política que aumente salários e pensões. Aquilo que nós – e isso é um exercício difícil – sempre dissemos é que acreditamos que no quadro europeu é possível termos uma política que dê resposta aos problemas das pessoas, às necessidades imediatas de curto prazo que todos os cidadãos portugueses vão sentido. É isso que vamos querer trabalhar no quadro das restrições orçamentais europeias mas conseguindo garantir que haja uma valorização de rendimentos da nossa população e que haja ao mesmo tempo a defesa e a valorização do nosso Estado social.
A rua pode ser um problema?
A rua não é, como nunca foi, um problema para o PS. Em democracia temos de conviver com o protesto, com a contestação. Isso faz parte e nós temos de saber viver com essa contestação.
Neste caso poderá ser mais pressão no sentido de tendo o PCP e o BE apoiado um Governo PS, pode dar-se o caso de alguns sindicatos fazerem pressão através da rua para verem algumas das reivindicações aceites pelo Governo.
Ao longo dos anos, desde o início da nossa democracia, tivemos sempre contestação e protesto, pressão, chame-se o que se quiser da parte das organizações sindicais. Sobre essa matéria que não haja ilusões de que as organizações sindicais deixarão de exigir.
A minha questão era no sentido de que nesta frase há um apelo à mobilização. A frase diz: “É indispensável um novo protagonismo popular”…
Não quero estar a fazer um debate sobre o que o Jorge Costa escreveu. Conheço o pensamento do BE sobre os constrangimentos europeus, respeito que eles pensem como pensam. Primeiro queremos trabalhar dentro desse quadro para melhorar a vida dos portugueses, além de que também achamos, ao contrário de muitos à esquerda, que o quadro europeu pode evoluir. Aliás, como tem evoluído e muito nos últimos anos. Seria impensável há uns anos ver o BCE com a política que tem hoje.
Também é verdade que esse cenário pode mudar. O BCE também avisou que poderia largar o Quantitative Easing já não ser tão…
Mario Draghi já disse que a política monetária está praticamente esgotada nas suas possibilidades e que é preciso que a política orçamental assuma a sua responsabilidade. É aquilo que o PS tem sempre dito, não só no quadro nacional como europeu. Acreditamos que o projeto europeu possa evoluir. Acreditar não é uma mera fé — é baseado no que tem acontecido nos últimos anos. Tem sido um processo vivo e dinâmico. A forma atual da União Europeia não é o fim da história.
Esse é o argumento que dão às empresas e aos mercados financeiros para ficarem descansados com o Governo PS?
Não há nenhuma razão para que não estejam descansados com o Governo do PS. O PS foi tendo ao longo dos anos, e tem ainda hoje, do ponto de vista das políticas públicas de desenvolvimento económico, as respostas mais acertadas para modernizarmos a nossa economia. Vejo muitos liberais a falar de empresas e não sabem o que é uma empresa, nunca entraram numa empresa. Eu sou um social-democrata que cresceu no meio de empresas e de empresários e ouço muitas vezes liberais e académicos liberais a falarem e a única coisa que me ocorre é dizer ‘este senhor ou senhora nunca entrou numa empresa, não sabe o que é uma empresa, nem quais as dificuldades de um empresário’. Eu sei! E posso garantir que não há nenhuma razão para que um empresário em Portugal tenha motivos de preocupação relativamente ao programa de Governo do PS.
Há medidas como a redução do IRC que não avança, o regime conciliatório…
[O IRC] nunca foi a questão mais relevante para as nossas empresas. O setor que eu conheço bem é o setor do calçado que exporta a maior parte da sua produção, ou seja, a maioria não vive do mercado interno. Mas a maioria da economia nacional vive do mercado interno e algumas das medidas que nós temos, – de valorização de rendimentos que muita gente à direita se assusta, – permitirão animar a economia nacional. Mesmo sobre a exportações, temos uma percentagem das exportações no PIB que tem vindo a crescer, mas há outra parte da moeda que nunca ninguém refere: é que as nossas exportações têm ainda um nível de incorporação de importações muito elevado…
Está a falar dos refinados?
Não só os combustíveis, – esse é um dos setores com nível de incorporação mais elevado -, mas a maior parte dos nossos setores tem nível de importações muito elevado e por isso reduz o contributo das nossas exportações para o nosso bem-estar e riqueza. Esse é também um desafio: não só exportar mais, mas exportar mais com maior incorporação de produção nacional. E a direita não tem resposta para isso, pelo menos não revela. Nós tivemos nos últimos anos, muitos economistas a achar – mal – que o caminho para aumentar a competitividade da nossa economia era a desvalorização salarial. Nós queremos uma economia capaz de pagar melhores salários.
“Com este PSD e este CDS não será possível entendimento”
António Costa disse numa entrevista recente que a postura de PSD/CDS se vai alterar nos próximos meses. Conta que vão conseguir aprovar no Parlamento alguns diplomas com PSD/CDS que não consigam com o PCP e BE?
Aparentemente, com este PSD e com este CDS não será possível. Eu não tenho é a certeza que esta coligação ainda se mantenha por muito tempo. O próprio CDS procurará a sua autonomia. Temos um apoio maioritário e há um trabalho que queremos fazer de proximidade com o PCP, BE e PEV durante os próximos quatro anos para assegurar não só as condições de governabilidade, mas também para tentarmos atenuar muitas das divergências em muitas das matérias que existem.
Há em algumas em que há uma posição totalmente diferente entre PCP/BE/PEV e PS. Já falámos de algumas, por exemplo no mercado laboral…
Mas também temos uma diferença muito grande em relação à direita nessas matérias. A direita não acha que a precariedade laboral seja um problema, é até uma maneira de contornar aquilo que para a direita é uma legislação laboral rígida. Se falar com muitos empresários deste país – e bons empresários – dirão que o problema não é despedir, o problema é mesmo segurar os melhores funcionários. Um académico liberal não consegue pôr de lado a sua obsessão e tentará sempre desregulamentar sempre o mercado de trabalho. Temos problemas graves no mercado de trabalho, e uma excessiva precarização que coloca as pessoas numa situação de grande instabilidade e insegurança.
Mas há assim tantas diferenças programáticas para o PSD/CDS? No debate do programa de Governo salientou que o que os unia eram os compromissos europeus, mas que havia muito que os separava nas áreas setoriais da saúde e educação. Não são matérias conciliáveis ou é uma posição política e não há concertação possível com o PSD e CDS?
Há hoje uma visão muito diferente daquilo que deve ser o Estado social. Não estou a dizer que o PSD queira desistir de um Estado social, mas quer um Estado social diferente. Não haja aqui dúvidas: o PS defende desde logo um Estado social que seja eminentemente público, universal e tendencialmente gratuito. E isto tem consequências na forma como vemos a escola pública e o Serviço Nacional de Saúde. Começando pela escola pública, desde a década de 80, que têm sido estabelecidos contratos de associação com escolas do ensino particular e cooperativo, com o objetivo de dar resposta em zonas onde não havia oferta pública. Entretanto, houve uma sobreposição em muitas zonas do país. E já há alguns anos que o objetivo era reduzir os contratos de associação. Mas em 2013 há uma alteração do ensino particular e cooperativo que muda [tudo] radicalmente: deixa de ser para suprir necessidades na oferta pública e passa a poder estar prevista a concorrência. Há aqui uma opção ideológica. Não é má por ser ideológica, é má porque permite que haja desperdício de recursos. Aquilo que queremos assegurar é uma escola pública de qualidade para todos. Quando estamos a falar de Estado social, estamos a falar de liberdade. Só teremos todos, e não apenas alguns, uma efetiva liberdade, quando conseguirmos, independentemente de sermos filhos de um patrão ou trabalhador, ter formação com qualidade.
Não estou a dizer que o PSD queira desistir de um Estado social, mas quer um Estado social diferente.
Essa visão diferente não acontece só na Educação…
Acontece também na saúde e na Segurança Social. Assistimos ainda hoje ao primeiro-ministro a dizer que as isenções [na saúde] aumentaram. O que eu quero lembrar é que foram introduzidas isenções parciais. As taxas moderadoras aumentaram significativamente em média em Portugal.
Esse aumento estava no Memorando…
Na campanha houve uma senhora que ficou conhecida por ser a senhora de cor-de-rosa. Ela hoje paga taxas moderadoras bem mais altas do que pagava antes [por ter apenas isenção para a sua doença] e isso tem consequências. O diferencial de custo entre o público e o privado, na saúde, foi reduzido a quase zero para uma parte significativa da população. Nós temos visões diferentes sobre Estado social. Devem ser debatidas com toda a serenidade e inteligência, sem nos ofendermos uns aos outros. Um Estado social em que a prestação é privada e o financiamento é público, não é necessariamente um Estado social mais barato para o contribuinte.
Medidas extraordinárias vão “defender Estado social, salários e pensões
Como é que ficou assegurado que serão aprovadas as medidas extraordinárias para consolidação orçamental? Catarina Martins falou disto numa entrevista, que tinha ficado assente que caso fossem necessárias essas medidas extraordinárias não seriam cortes nos salários e nos rendimentos das pessoas, mas a verdade é que isso não ficou no acordo final…
É óbvio que num prazo de quatro anos podem surgir contingências e circunstâncias com implicações orçamentais, mais ou menos desafiantes do ponto de vista das soluções que temos de encontrar. Aquilo que podemos dizer é que as soluções que vamos encontrar vão respeitar esta dupla restrição: as metas orçamentais compatíveis com a nossa participação do projeto europeu; e a defesa do Estado social e dos salários e pensões. Não cortaremos salários, não queremos cortar pensões e por isso teremos de encontrar soluções orçamentais que cumpram esta dupla restrição. Não podemos voltar a atacar pensões, salários, atacar a tributação sobre os rendimentos de trabalho, nomeadamente o IRS, que já atingiu patamares elevadíssimos – não com um Governo PS, mas com um governo de direita.
Aumentar impostos? Portanto as soluções poderão por outro aumento de impostos? IVA?
Não quero estar a antecipar, não faria sentido. Só perante a questão concreta é que poderemos avaliar quais as soluções orçamentais mais adequadas para cumprir estas restrições que nos impomos.
“A esquerda tem uma grande responsabilidade e não a pode desperdiçar”
Esta será uma camisa-de-forças permanente. Se isto correr mal, o que vai ser feito da esquerda portuguesa? Não há o risco de desaparecer?
A esquerda tem uma grande responsabilidade: conseguir que o país e os portugueses consigam ter mais e viver melhor, do que aquilo que tivemos e daquilo que a direita tem para oferecer ao país. Temos essa obrigação e essa responsabilidade. Julgo que nenhum de nós a pode desperdiçar. Não acredito que as coisas vão correr mal e tenho a convicção de que nós vamos conseguir trabalhar bem e conseguir com sucesso responder aos problemas que o país tem pela frente. A direita conseguiu convencer uma boa parte do povo português de que ele não tinha direito a mais. E nós temos a certeza de que é possível mais e vamos prová-lo com a nossa governação.
Estes acordos calam a oposição interna no PS?
O PS é um partido plural com uma vida de debate muito intensa que não vai desaparecer, que vai continuar. Mas é evidente hoje, e isso ficou espelhado nos órgãos internos do partido, que a esmagadora maioria do PS apoia esta solução. O que os militantes do PS nunca aceitariam, era que o PS se transformasse numa muleta do PSD/CDS. Não foi para isso que criámos o nosso partido, não foi para isso que fomos a eleições. Se alguma coisa o António Costa disse durante a campanha é que não viabilizaria um governo minoritário de direita.
No PS há quem o defenda, como Francisco Assis que não pôs de parte uma candidatura à liderança do PS no congresso depois das presidenciais.
Só posso respeitar a posição do Francisco Assis como ele sempre respeitou a minha e é dessa diferença dentro do PS que nós conseguimos a nossa força, não a nossa fraqueza.
Este momento marca uma diferenciação ideológica no PS?
Este é um debate importante não só para o PS português, mas para toda a social-democracia europeia. É um momento desafiante. Temos várias diferenças no quadro europeu. O SPD [partido alemão], um dos partidos mais antigos da social-democracia europeia, e que integra um governo com a CDU, tem tido dificuldades em destacar-se nas sondagens e a aparecer como uma alternativa. É um problema que hoje enfrentamos: somos ou não capazes de apresentar uma alternativa clara face ao centro-direita? Há matérias de consenso e de encontro que se devem manter, e nós não rejeitamos isso, mas tem de haver alguma diferenciação. Esse debate de reposicionamento é um debate que se está a ter. Não sabemos como vai terminar, mas a verdade é que está a acontecer, não só no PS como em toda a Europa. A social-democracia vive uma crise há vários anos – uma crise do ponto de vista ideológico e de alternativa e vai encontrando o seu caminho. Há à esquerda quem acalente com divisões na social-democracia e também no PS português. Isso não vai acontecer.
Divisão entre ala esquerda e ala direita do PS?
Nunca acontecerá uma divisão do PS nem pela direita nem pela esquerda.
Nem o aparecimento de um novo partido ao centro?
O nosso entendimento é que o PS não abandonou o centro, bem sei que há quem pense diferente. O PS mantém-se no consenso europeu, com posições sobre a Europa diferentes da direita, isso nem é novo, e no consenso do Estado social. Não mudamos a nossa posição sobre essa matéria. Agora se forem acompanhar as posições do PSD nos últimos anos, vão perceber rapidamente que o PSD se encostou à agenda do CDS. Em muitas matérias, o PSD foi assumindo o programa mais liberal do CDS. Acho mesmo que a linha hoje do centro atravessa o PS e que o PSD se afastou desse centro.
Também é verdade que essas opiniões diferentes saem dentro do próprio PS. Há uma oposição interna que diz que o PS está encostado à esquerda. Sente-se o alvo dessas críticas por fazer pressão por um PS mais à esquerda?
A minha questão não é ter um PS mais ou menos à esquerda. Aquilo que quero é um PS assumidamente social-democrata, que seja capaz de construir uma sociedade com menores níveis de desigualdade e de pobreza e com mais liberdade. Ao contrário do que muita gente pensa, é de facto um Estado social forte que nos permite ser mais livres enquanto homens e mulheres e esse é o grande projeto da esquerda social-democrata: conseguir uma sociedade com elevados níveis de igualdade, mas sobretudo com liberdade.
Estou disponível para colaborar com o PS naquilo que o secretário-geral do PS bem entender
António Costa convidou-o para chefiar as equipas de negociação técnicas. Esta foi uma prova de confiança ou de preparação para o futuro?
Estou disponível para trabalhar em nome do PS, ajudar o PS. A solução que António Costa defendeu desde o início ao nível das negociações, era uma solução que eu apoiava também. Por isso, tendo-me sido dada a oportunidade de colaborar nela, empenhei-me com tudo o que sabia e sei para que a solução tivesse sucesso. Obviamente que quero que ela não só tenha sucesso hoje, como nos próximos anos. É para isso que eu quero continuar a trabalhar a ajudar o PS e a ajudar o país.
E já sabe se fica na AR ou se vai para o Executivo?
Não.
Mas está disponível para as duas tarefas?
Estou disponível para colaborar com o PS naquilo que o secretário-geral do PS bem entender.
Na campanha eleitoral houve uma brincadeira em que António Costa lhe passou a bola. É possível que António Costa lhe passe a bola no futuro para a liderança do partido?
Sou sincero. Espero que não passe mais nenhuma vez a bola porque sou um péssimo jogador de futebol. Naquele momento correu bem e fiz boa figura, nada garante que a possa fazer no futuro e portanto espero que não tenhamos muito mais oportunidades para jogar futebol…
Isso em termos futebolísticos ou também políticos?
Em termos políticos, a única coisa que posso dizer é que eu quero que o presente corra bem. E que a solução que encontrámos tenha sucesso e que muita gente que não acredita nela, possa um dia assumir que estava errada. O que me preocupa é que as coisas corram bem e que isso signifique que os portugueses possam viver melhor.
Portanto, não põe de lado poder vir um dia a candidatar-se à liderança do partido?
Essa questão não tem sentido ser colocada hoje e por isso não vou responder por mais vezes que a faça.
A entrevista na íntegra
Nota: A entrevista realizou-se na sexta-feira, antes de conhecidos os resultados dos testes de stress ao Novo Banco. Contudo, as perguntas foram feitas tendo em conta o cenário e apenas foram retiradas as referências temporais.