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Pensa como o Padrinho, foi um Gladiador sem joelho e até entrou no Star Trek: Carlo Ancelotti, o "líder tranquilo" que dava um filme

Produziu muito queijo parmesão, fez história como jogador, é o único campeão nos top 5. A isso, encolhe os ombros e franze a sobrancelha marcada pelo acidente de Vespa. Mas quem é este treinador cool?

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– Era um profissional perfeito, um grande armador de jogo, o condutor da nossa orquestra e a espinha da nossa equipa com o Baresi e o Gullit”, escreveu num livro o mestre Arrigo Sacchi.

– Oh, é condutor mas nem sabe ler pautas de música…”, respondeu um dia Sílvio Berlusconi.

O antigo presidente nos anos mais míticos e gloriosos do AC Milan até podia fazer coisas contrariado para agradar a um treinador. Neste caso, “o” treinador. No entanto, não perdia nem uma oportunidade sempre que podia para deixar aquela boquinha em tom jocoso, mesmo que essa decisão tenha sido a mais acertada – ou, neste caso, das mais acertadas do seu longo reinado, porque mesmo que o joelho desse tal jogador estivesse a 20% ele compensava com 120% de um trabalho que só treinadores como Sacchi tinham a capacidade de projetar. Esse tal elemento, que após cinco épocas até terminaria a carreira à beira dos 33 anos, ganhou sete títulos entre 1987 e 1992 e sagrou-se bicampeão italiano e europeu, somando ainda uma Supertaça Europeia e uma Taça Intercontinental. Esse tal elemento chamava-se Carlo Ancelotti.

Há qualquer coisa em Carletto, como também é carinhosamente tratado, que remete para a imagem de um tenor italiano que recebe os aplausos e elogios para depois distribuir por todos os músicos que lidera como se quase não tivesse nada a ver com aquilo. Como dizia Sílvio Berlusconi, até podia não saber ler pautas de música como jogador (que sabia porque também ele era sábio à sua maneira e todos sabiam que ele sabia) mas decorou ensaios a fio enquanto técnico. Mais: não tendo propriamente a voz mais afinada do mundo, tem como tradição cantar à capela após cada conquista. Hits em campo = serenatas fora dele. E tudo sem nunca ter sentido a necessidade de gritar a jogadores até quando as coisas parecem fugir do controlo.

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Um dia, Zlatan Ibrahimovic, com quem se cruzou uma época no PSG, perguntou-lhe isso mesmo. Ancelotti respondeu apenas que não fazia parte da sua maneira de ser. Mas o técnico era humano. “Alguns dizem que tenho uma paciência ilimitada mas há um limite”, frisou um dia. Tinha (agora não tanto) os seus ataques de fúria, falando sempre em italiano, neste caso estando em França, com a cara mais vermelha a ameaçar rebentar. Foi assim que entrou uma vez no balneário dos parisienses devido ao rendimento da sua equipa. E foi assim que, no meio do descontrolo, pontapeou uma garrafa vazia. A mesma foi parar à cabeça do sueco. O excêntrico e para alguns incontrolável jogador baixou a cabeça, a olhar para as botas.

O italiano nascido em Reggiolo há 62 anos nunca sentiu necessidade de impor respeito dentro e fora de campo porque conquistava-o de forma natural. Com os jogadores, através do trato, das relações pessoais e dos segredos que o fizeram ganhar em várias peles; com os dirigentes, ou não fosse ele um gentleman com umas quantas costelas de bon vivant que gosta de aproveitar o melhor da vida, recebendo-os de uma forma que poucos esquecem. “Em casa do Ancelotti sabemos sempre que vamos comer bem”, recordou Adriano Galliani, antigo diretor do futebol dos rossoneri. Umas boas entradas, um ainda melhor queijo, um prato principal preparado de forma ainda mais cuidadosa. Carletto é o mais sincero dos atores no futebol em todos os gestos que faz. Literalmente. Ou não tivesse entrado mesmo num filme.

Carlo Ancelotti cresceu numa quinta a fazer queijo parmesão e sempre gostou de viver em locais mais calmos que lhe fizessem recordar a juventude

Barbara Rombi Serra

Em alguns perfis feitos por publicações internacionais, Ancelotti é visto à luz do Padrinho, como se fosse um Marlon Brando dos bancos e dos balneários que tem como mandamento a necessidade de estar perto daquela que é a sua família: os jogadores e o plantel. Ou, como aconteceu quando estava em Londres e orientava o Chelsea, da verdadeira família, o que fez com que durante alguns tempos viajasse todos os dias da capital inglesa para Itália a seguir aos treinos para fazer companhia ao pai que estava doente. Todavia, já participou também num dos filmes do Star Trek. O Star Trek. Foi uma breve aparição mas foi.

Aconteceu quase como piada mas não foi esquecido sobre o ator-a-fazer-de-cientista-mais-conhecido-do mundo. O técnico é amigo do marido da atriz Zoe Saldana e essa acabou por ser uma assistência para golo na baliza que menos esperava. “Quando a família da Zoe Saldana foi para Vancouver para rodar um filme perguntou-me se queria ir para ver como era. Fui lá. Depois falei com o diretor e ele disse-me ‘Vou ter de te colocar num papel pequeno”, contou em entrevista à Sky Sports. “Mas sou um péssimo ator. Adorava o Star Trek quando era miúdo e foi fantástico ver agora o filme”, acrescentou à FourFourTwo.

"Em casa do Ancelotti sabemos sempre que vamos comer bem"
Adriano Galliani

Agora, o seu papel é outro e, depois de se ter tornado o primeiro treinador de sempre a sagrar-se campeão nas cinco principais ligas europeias (Inglaterra, Espanha, Itália, França e Alemanha), tenta chegar à quarta Liga dos Campeões como treinador. Ganhou duas em 2003 e 2007 pelo AC Milan, ganhou uma em 2014 pelo Real Madrid. A que mais pesa até hoje foi aquela que não levou, na única final em que saiu a perder frente ao Liverpool no ano de 2005. Em Paris, serão os reds de novo a estarem do outro lado do campo e dificilmente voltarão a marcar três golos em seis minutos para dar a volta a um jogo perdido.

O acidente de Vespa, o charuto na festa entre amigos e a definição de “controlo”

Uma das imagens de marca é a sobrancelha esquerda sempre arqueada como quem está a reagir a algo que se passou. Não é o caso. Carlo Ancelotti teve um acidente aparatoso com uma Vespa quando era mais novo que não só “criou” essa expressão como o fez repensar na vida como um todo. Em parte, foi a partir daí que a ponderação e a aparente acalmia nas situações mais stressantes que hoje demonstra, como quando estava a mascar pastilha na zona técnica com aquele ar convencido de quem vai dar a volta quando o Manchester City andava a espreitar o 3-0 em menos de meia hora na primeira mão das meias-finais da Champions no Etihad Stadium. No final da eliminatória, e mais uma vez, Carletto tinha a sua razão.

A fotografia que acompanha este especial ficou como a referência do sucesso do Real Madrid esta época, quando a equipa festejava com os adeptos a conquista da Liga com três jornadas ainda por disputar. “Não fumo charutos, fumei apenas para a fotografia com os meus amigos. Sim, os jogadores são meus amigos”, explicou o técnico italiano perante a imagem de óculos escuros e charuto para delírio de Vinícius, Rodrygo, Alaba e Eder Militão. Desde que deixou de jogar que Ancelotti fuma, agora de uma forma mais ocasional e a garantir que vai deixar de vez. Ainda assim, o mais surpreendente na imagem foi mesmo a parte da festa. Com apenas um reforço a entrar para titular indiscutível (Alaba) e outro que está ainda a ser trabalhado para o futuro (Camavinga), poucos acreditavam no sucesso do Real Madrid com o regresso do transalpino para o lugar deixado em aberto pelo seu ex-adjunto Zinedine Zidane. Mas aconteceu.

"Não fumo charutos, fumei apenas para a fotografia com os meus amigos. Sim, os jogadores são meus amigos"
Carlo Ancelotti

O The Guardian foca-se num pormenor antes do início do prolongamento das meias-finais frente ao City para explicar parte do sucesso de Ancelotti: enquanto Pep Guardiola juntou todos os jogadores numa roda mais apertada dizendo o que cada um teria de fazer depois daquele rombo de dois golos em 90 segundos que tirou nova decisão aos ingleses, o italiano de 62 anos mostrou que nunca há idade para deixar de ter dúvidas e foi até ao banco perguntar a Marcelo e a Toni Kroos o que achavam que se podia fazer para o tempo extra. “Esse foi um momento que o descreveu na perfeição enquanto treinador”, disse o alemão.

O mundo de todos os técnicos da atualidade gira em torno de uma só palavra: controlo. Controlar o jogo, controlar a bola, controlar a intensidade, controlar a ansiedade, controlar o adversário, controlar tudo o que se pode controlar sabendo que a decisão pode sempre vir daquilo que não se controla. E esse é aquele poder que em condições normais cabe apenas ao treinador – no limite, e se um treinador quiser mesmo controlar, pode simplesmente sair por ter perdido o controlo, como de certa forma aconteceu em Nápoles. Ancelotti ganha mais controlo por partilhar esse controlo com os jogadores, não na perspetiva de deixar de ter a responsabilidade mas pela ideia de todos serem um só a remar no mesmo sentido. E a esse propósito há a famosa história no AC Milan que envolve um português, quando juntou Pirlo, Seedorf, Rui Costa e Kaká e lhes disse que ou aprendiam a jogar juntos ou um ia sempre para o banco. Quando foi necessário, jogaram mesmo juntos. E os rossoneri ganharam mesmo no final uma Liga dos Campeões.

Benzema está a fazer a melhor temporada da carreira aos 33 anos com Ancelotti, que faz questão de tomar decisões a falar com todos os jogadores

Getty Images

Agora, o desafio que tem pela frente com o Liverpool é também um acerto de contas pessoal com o passado e com uma final da Champions que recordou vezes sem conta sempre que lhe diziam que estava em posição vantajosa na Liga. “Sim, temos esse avanço. Mas eu já perdi uma final europeia a ganhar por 3-0 e a sofrer três golos em seis minutos”, dizia e repetia. Esse encontro em 2005 foi um dos poucos em que perdeu o controlo, no que se passava em campo e não no que se passou depois fora dele, onde aceitou a derrota.

Do queijo parmesão à aposta cega do mestre Sacchi (e a inspiração Nils Liedholm)

Ancelotti nasceu em Reggiolo, na Emília-Romanha, e foi durante largos anos um miúdo do campo. Numa resposta ao FourFourTwo, assumiu que a família era pobre, tinha as suas limitações nos gastos mas era ao mesmo tempo um núcleos que o deixava feliz. “Nunca tivemos de ir a um supermercado, tudo o que produzimos chegava para casa. O pão, o leite, o queijo, tínhamos galinhas para os ovos… Só quando tinha 16 anos é que tomei o meu primeiro banho com chuveiro. Lembro-me de estar debaixo daquilo e pensar ‘Mas o que é isto?’. Mas quer eu, quer a minha irmã vivemos de forma confortável com os meus pais e os meus avós”, contou numa entrevista ao Daily Mail. Depois disso, explicou a importância que teve.

“Esses tempos construíram aquilo que é o meu caráter. O meu pai nunca me gritou, nunca me deu um grito. Vivíamos no campo e fazíamos queijo parmesão, ainda hoje sei como se faz. Todas as manhãs íamos ordenhar as vacas para fazer o queijo”, recordou o então adepto, pasme-se, do Inter, por influência de uma figura dos anos 60 e 70, Sandro Mazzola. “Pode parecer estranho mas tinha muitas coisas em comum com o que é o futebol. O fazendeiro ordenha a vaca, faz o queijo com o leite, depois tem que esperar um tempo até vender e só no final é pago pelo ano de trabalho. Precisa de calma, de paciência, de foco e de planeamento. No futebol também é assim”, revelou em entrevista ao jornal La Repubblica. E esse não era o único ponto em comum na forma de ver o jogo e de chegar ao sucesso como técnico: o pai, Giuseppe, fazia-lhe recordar a grande figura e referência que teve no futebol a par de Arrigo Sacchi.

"Esses tempos [até aos 16 anos] construíram aquilo que é o meu caráter. O meu pai nunca me gritou, nunca me deu um grito. Vivíamos no campo e fazíamos queijo parmesão, ainda hoje sei como se faz. Todas as manhãs íamos ordenhar as vacas para fazer o queijo"
Carlo Ancelotti

O treinador campeão europeu pelo AC Milan ainda hoje trata Ancelotti como o “filho pródigo” mas foi de Nils Liedholm, sueco que foi um dos membros do famoso Gre-No-Li a par de Gunnar Nordahl e Gunnar Gren que deu quatro Campeonatos aos rossoneri na década de 50 e que foi mais tarde seu treinador na Roma. “Ele podia estar a treinar ou podia ter ido para um cabaret. No final, tinha o compromisso de trazer o teatro para dentro do balneário”, comentou. “Era alguém muito divertido. Se lhe perguntassem pelos melhores jogadores de sempre dizia ‘Eu, o Pelé, o Di Stefano…’. Mas eu adorava-o assim, era uma inspiração. Nunca o ouvi a dar um único grito a um jogador. Tinha um grande carácter. Perdeu imenso tempo comigo, a dar-me conselhos táticos, a falar da minha técnica, a melhorar as qualidades que tinha. Tinha também um formidável sentido de humor e sabia reagir à pressão e à tensão”, acrescentou.

Aquilo que mais elogiava no pai enquanto pessoa era aquilo com que mais se identificava com Liedholm enquanto treinador. E o mais curioso é que, se os nomes de quem elogia e é elogiado não estivessem à vista, aquilo que Ancelotti destacava do sueco é o que os atuais jogadores mais salientam do transalpino.

“O Carlo era generoso, modesto e altruísta com a equipa. Estávamos a ganhar por 4-0 e ele partiu a mão para marcar um golo. Isto diz tudo sobre o que é a genuína natureza de um jogador com uma inteligência para o futebol superlativa. O timing com que recebia a bola, conseguia isolar-se e jogava era o certo. E sabia como estavam a pensar os nossos adversários, reduzindo dessa forma a falta de andamento. Ele era a força atrás da equipa de um ponto de vista tático e humano”, resumiu Arrigo Sacchi sobre um discípulo por quem pediu ao preparador físico para encurtar o tempo nas provas de 50 metros para não o desmoralizar. Já na versão treinador, Schevchenko recordava as conversas extra futebol e os discursos motivacionais que ia buscar também ao râguebi e ao futebol americano e John Terry elogiava a capacidade de diálogo para perceber como estava o plantel em termos anímicos, de satisfação nos treinos e de motivação.

Ancelotti fez os últimos anos como jogador com Arrigo Sacchi (e Capello) e seguiu depois com o técnico para a seleção italiana onde foi seu adjunto no Mundial de 1994

Getty Images

Agora, chegava mais um momento de escrever história. “Ele é alguém que não podia ter menos interesse em relação a livros de recordes. Ele sabe quando consegue esses recordes mas encolhe os ombros quando lhe perguntam sobre eles. Na cabeça dele, só há uma coisa que interessa: um dia perguntei-lhe como era o trabalho dele e só me disse ‘Fazer e manter o presidente feliz’. Foi assim com Florentino Pérez no Real Madrid, com Berlusconi no AC Milan e com Abramovich no Chelsea”, explicou à ESPN Chris Brady, co-autor do livro “Liderança Tranquila” sobre a gestão e a parte técnica de Carlo Ancelotti.

Aprender a viver em Roma e aprender a ganhar em Milão antes da volta à Europa

Até aos 16 anos, Carletto estudava, ajudava a família na quinta e jogava no clube da terra, o Reggiolo. Aí, mudou-se para o Parma, onde fez também a estreia como sénior na Serie C. Chegou a ser avançado, depois percebeu-se que seria melhor a jogar como segundo avançado pelo técnico Cesare Maldini. Em 1979, deu o grande salto. Nils Liedholm, ou Il Barone como também era conhecido, parou numa zona perto da cidade quando vinha de férias de Salsomaggiore e apostou em Ancelotti como reforço da Roma com apenas 20 anos. Ao longo de oito épocas conseguiu quebrar o jejum de Campeonatos da equipa, ganhou quatro Taças de Itália e tornou-se uma das figuras mais respeitadas da história do clube. “Roma é a cidade da loucura, a capital do meu coração. Não sei nada sobre o AC Milan mas sei praticamente tudo da Roma. Foi lá que aprendi realmente a viver”, destacou numa passagem do seu livro autobiográfico.

Até pode ser mesmo assim mas foram aqueles cinco anos nos rossoneri que lhe deram maior expressão na pele de jogador de futebol, primeiro com Arrigo Sacchi e depois com Fabio Capello: ganhou duas Taças dos Campeões consecutivas (uma frente ao Benfica), uma Supertaça Europeia, uma Taça Intercontinental, dois Campeonatos e uma Supertaça de Itália. Maldini, Baresi, Tassotti, Costacurta, Rijkaard, Ruud Gullit, van Basten ou Donadoni eram algumas das figuras dessa equipa, que contou até 1992 com Ancelotti como uma das principais referências a nível de liderança e de voz de comando. Depois, e quando as lesões arreliadoras no joelho se juntaram ao aparecimento de Albertini, o final de carreira começava a ser escrito.

"O Carlo era generoso, modesto e altruísta com a equipa. Estávamos a ganhar por 4-0 e ele partiu a mão para marcar um golo. Isto diz tudo sobre o que é a genuína natureza de um jogador com uma inteligência para o futebol superlativa (...) Ele era a força atrás da equipa de um ponto de vista tático e humano"
Arrigo Sacchi

Ancelotti já estudava em Coverciano, onde escreveu um artigo então muito famoso intitulado “O futuro do futebol italiano: mais dinâmica”, quando teve a oportunidade de ouro de saltar dos relvados para o banco como adjunto da seleção italiana então dirigida por um tal de… Arrigo Sacchi. “Foi uma boa experiência. Aprendi a metodologia de treino mas também pequenos detalhes na estratégia e no foco da equipa”, disse sobre esses três anos em que teve como ponto alto a chegada à final do Mundial de 1994, perdido depois nas grandes penalidades frente ao Brasil. Na época seguinte, teve a primeira aventura a solo na Serie B pela Reggiana e precisou apenas de um no para subir ao principal escalão. Seguia-se o Parma.

O bom trabalho ao longo de mais de dois anos acabou por não ter reflexo na conquista de títulos mas foi também aí que Ancelotti cometeu um erro ao entender que Roberto Baggio não se encaixava nos planos que tinha para a equipa porque teria de jogar como avançado e o avançado a marcar 22 golos no Bolonha após não ficar no Parma. Se esse foi o primeiro balneário onde começou a fazer aquilo pelo qual é hoje mais conhecido, dispensando por exemplo Mario Stanic dos treinos quando soube que atravessava problemas do foro pessoal para poder voltar de cabeça limpa, foi aí que aprendeu a não cometer o erro de adaptar os jogadores à tática mas sim a tática aos jogadores. Seguiu-se a Juventus em 1999, onde passou duas épocas apenas com a vitória da Taça Intertoto, e o local onde voltaria a brilhar: San Siro e o AC Milan.

Durante oito anos, entre 2001 e 2009, Ancelotti sagrou-se duas vezes campeão europeu, teve ainda mais uma final perdida da Champions, conquistou duas Supertaças Europeias e um Mundial de Clubes e ganhou um Campeonato, uma Taça e uma Supertaça de Itália. A Juventus tinha ganho outro fôlego, o Inter foi o que melhor aproveitou a descida administrativa dos bianconeri para se consolidar, o AC Milan resistia a essas mudanças no futebol transalpino. Depois, estava na hora das primeiras experiências fora: venceu um Campeonato, uma Taça e uma Supertaça pelo Chelsea em Inglaterra (2009-11); foi campeão pelo PSG em França (dezembro 2011-2013); voltou a sagrar-se campeão europeu com Supertaça Europeia e Mundial de Clubes pelo Real em Espanha após a saída de Mourinho (2013-15); foi campeão pelo Bayern na Alemanha, onde esteve pouco mais de um ano (2016-setembro 2017). Pelo meio, teve apenas o lamento de não chegar a Old Trafford depois de Alex Ferguson lhe ter ligado a pedir para ser o seu sucessor…

Depois da frustração de 2005, Ancelotti conseguiu vencer pelo AC Milan o Liverpool, naquele foi o segundo título europeu como treinador nos rossoneri

Getty Images

Quando voltou ao ativo, assinando pelo Nápoles no regresso a Itália quase uma década depois, Ancelotti ainda levou a equipa ao segundo lugar da Serie A apenas atrás da Juventus e chegou aos quartos da Liga Europa após cair na fase de grupos da Champions. No entanto, os primeiros meses de 2019/20 fizeram com que a saída fosse inevitável (no dia a seguir à qualificação para os oitavos da Champions) sobretudo a partir do momento em que “apoiou” um motim dos jogadores contra o presidente Aurelio di Laurentiis por considerar que não eram concentrações quase militares que iriam fazer com que a equipa rendesse mais. Menos de duas semanas depois, voltava à Premier League via Everton até ao último verão.

O técnico italiano continuava a ser daqueles nomes que colocava em sentido qualquer clube ou adversário. Mais: era daqueles que, nos habituais cumprimentos antes e no final dos jogos, todos os homólogos tinham um especial gosto em estar com ele na esperança de confraternizarem um bocado de preferência com um bom vinho à mistura. No entanto, talvez até de forma subconsciente, quase todos olhavam para Carletto como alguém que já tinha descido sem elevador de subida a uma segunda linha do futebol europeu. Quase, nem todos. E foi assim que Florentino Pérez deixou de parte o mediatismo que contratações como Antonio Conte, Joachim Löw ou Julian Nageslmann poderiam ter trazido para apostar no certo. Estava certo.

O contexto em que ganhou a Liga até podia ser motivo de conversa: apanhou o pior Barcelona das últimas décadas, teve um Atl. Madrid com demasiados problemas em si próprio, viu sempre o Sevilha demasiado atrás. No entanto, e apesar de alguns tropeções, nunca falhou quando era preciso. Com um super Benzema que nunca jogou tanto como agora, com um Vinícius a crescer, com um meio-campo que se tornou como ele a melhorar com o tempo, com uma defesa onde estava o principal calcanhar de Aquiles mas que se foi solidificando perante os comportamentos coletivos. Se dúvidas existissem, a forma como afastou o PSG, o Chelsea e o Manchester City até à final da Liga dos Campeões mostrou bem que ainda tem muito para dar aos 62 anos, mesmo que já admita que os merengues possam ser o seu último projeto da carreira.

Ganhar a quarta Liga dos Campeões da carreira pela versão de 2.0 do Real Madrid que resgatou um ADN que se estava a perder sobretudo no Santiago Bernabéu e quando alguns já olhavam para ele como alguém “antiquado” era uma daquelas respostas em provavelmente iria apenas encolher os ombros e continuar a mascar pastilha. No entanto, o facto de ter pela frente o adversário da frustração de 2005 não seria de todo indiferente. “Olho muito para esse jogo mas continuo a pensar que não poderia ter feito nada de diferente. Nós jogámos 114 minutos, eles jogaram seis. É a verdade. Aliás, as três finais que fizemos com o AC Milan entre 2003 e 2007 essa foi aquela em que jogámos melhor mas a única que perdemos”, admitiu. Só há duas coisas que estão “atravessadas” ao transalpino. Uma foi não ter ido para o Manchester United quando Alex Ferguson se reformou; a outra é ter falhado essa Champions de 2005. Nem mesmo o triunfo em 2007 depois frente ao mesmo adversário apagou essa frustração. 15 anos depois, chega o reencontro.

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