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Harvey Phillip Spector nasceu a 26 de dezembro de 1939 no Bronx, em Nova Iorque

Michael Ochs Archives

Harvey Phillip Spector nasceu a 26 de dezembro de 1939 no Bronx, em Nova Iorque

Michael Ochs Archives

Phil Spector (1939-2021): os génios também são monstros

Enquanto autor e (sobretudo) produtor, revolucionou a música pop, seguindo a mesma obsessão que o levou a matar a atriz Lana Clarkson, em 2003. Morreu na prisão, aos 81 anos.

Para citar Bruno Aleixo, talvez uma referência inesperada num obituário de Phil Spector, “olhem este jogo”: peguem numa gaveta imaginária e coloquem lá o que mais vos envergonha e mais vos cria repulsa em vós mesmos; agora coloquem também o que mais vos provoca vergonha alheia e o que, nos outros, mais vos repele. É nessa gavetinha que devem colocar, por instantes, duas informações, a de que Phil Spector era um agressor de mulheres e a de que em 2009 foi condenado a 19 anos de prisão pelo assassinato, em 2003, da atriz Lana Clarkson. No momento da sua morte Spector estava preso na California Health Care Facility, na California.

Este não foi certamente o fim com que Spector sonhou quando começou a sua carreira musical, nem foi certamente o fim que lhe imaginaram todos aqueles que sabiam ser ele por trás dos êxitos das Ronettes, das Crystals ou dos Righteous Brothers. Spector foi, talvez, o mais extraordinário produtor da história da música pop; e se James Dean criou, numa tela de cinema, a imagem da adolescência, já a banda-sonora dessa ideia de adolescência enquanto misto de rebeldia, incompreensão parental, paixões assolapadas e experimentação emocional, essa foi ou composta ou produzida por Spector, que com o seu Wall-Of-Sound conduziu a mencionada vida adolescente à condição de épico.

A influência de Spector na música, inclusive a actual, não pode ser menorizada: Brian Wilson, o mentor dos Beach Boys e criador de “God Only Knows”, a melhor canção de sempre, disse que a primeira vez que ouviu “Be My Baby”, das Ronettes e produzida por Spector, teve de parar o carro e no fim desatou a chorar. A partir daí, o som dos Beach Boys mudou: tornou-se mais cheio, cada canção devindo uma orquestra de bolso, para atingir a força visceral do Wall-Of-Sound de Spector.

[“Be My Baby”, pelas Ronettes:]

Se percorrermos o tempo encontramos a marca de Spector em bandas como os Jesus and Mary Chain ou os My Bloody Valentine que, no fundo, usavam pedais de distorção para imitar o conceito de Wall-Of-Sound: uma barreira sónica brutal por cima da qual planavam melodias imaculadas e de uma doçura quase pueril. Isto é uma forma de dizer que os Jesus and Mary Chain e os My Bloody Valentine são as Ronettes e as Crystals das suas respetivas décadas – e isso é um elogio.

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Spector já era uma estrela antes de atingir o som que viria a ser definido como Wall-Of-Sound: em miúdo criou os Teddy Bears, cuja balada “To Know Him Is to Love Him”, lançada em Agosto de 1958, se tornou um êxito, vendendo mais de um milhão de singles (discos de vinil com uma canção de cada lado). Spector já então tinha um lado negro: o título da canção era inspirado na inscrição na pedra tumular da campa do seu pai, que lia To Know Him Was to Love Him.

Spector sabia exatamente o que queria: que ao passar as suas canções a jukebox ou o rádio explodissem, impedissem os adolescentes de pensar, que os adolescentes ficassem atordoados pela brutalidade de adolescência condensada em três minutos e dezenas de instrumentos.

Um auto-didata no que toca à produção, Spector aproveitou o êxito para produzir outros artistas – o seu dedo mágico é audível em 24 dos singles que treparam as tabelas de vendas entre 1960 e 1965, um feito absolutamente extraordinário. De certa forma, foi ele que criou a ideia de girl-group, ao produzir uma data deles e, acima de tudo, ao criar êxito após êxito para esses grupos: “He’s a Rebel” e “And Then He Kissed Me”, das Crystals, e “Be My Baby” das Ronettes, serão talvez as três melhores canções dessa leva (sendo que “Be My Baby” é ainda a segunda melhor canção de sempre, atrás de “God Only Knows”).

Com o tempo o Wall-Of-Sound foi sendo melhorado até à perfeição. Antes um single tinha uma tarola, um bombo, uma linha de baixo, uma linha de piano, eventualmente um riff de guitarra, uma voz; com Spector tudo mudou: para um simples single eram convocados três combos de bateria, cinco guitarristas para executar a exata mesma frase no exato mesmo tempo; castanholas, pandeiretas, bongos ajudavam à percussão; os baixistas eram pelo menos três; onde antes havia uma linha de piano, esta agora era multiplicada por cinco.

O resultado era um ataque aos sentidos, por entre o qual surgiam as vozes femininas, doces, apaixonadas, clamando pelo amor de um homem ausente, ou que tratava mal a protagonista. Spector sabia exatamente o que queria: que quando um adolescente pusesse uma moeda numa jukebox, quando um rapaz que levasse uma miúda a passear no seu carro ligasse o rádio, que nesses momentos a jukebox ou o rádio explodissem, impedissem os adolescentes de pensar, que os adolescentes ficassem atordoados pela brutalidade de adolescência condensada em três minutos e dezenas de instrumentos.

Photo of Ike & Tina TURNER and Tina TURNER and Ike TURNER and Phil SPECTOR

Phil Spector entre Tina e Ike Turner; o produtor com as Ronettes

Redferns

Com isto, Spector criou a ideia de produtor; não que antes não os houvesse, mas eram engenheiros de som cuja única preocupação era captar corretamente um instrumento. Spector queria mais que isso – queria captar bem os instrumentos, claro, mas queria criar texturas, queria que uma canção funcionasse como uma peça de teatro, com várias coisas a acontecer ao mesmo tempo, em primeiro, em segundo e em terceiro plano. E para isso precisava da monumentalidade instrumental e precisava que essa monumentalidade casasse com o tema da canção, com as vozes, com os penteados, com as capas dos discos – e sim, ele ponderava todos estes detalhes e impunha a sua vontade.

O que ainda hoje ecoa nesses discos é um sentido de drama e grandiosidade que até então não existira na pop; e também uma ambiguidade: estas eram canções pop, dirigidas maioritariamente a raparigas, mas que abordavam assuntos obscuros, como namorados que batiam, ou ignoravam os sentimentos das raparigas – em suma, trastes. Isto não significa que Spector só trabalhasse com homens – é dele a produção da extraordinária “You’ve Lost That Lovin’ Feeling”, dos Righteous Brothers. Mas basta olhar para o que ele fez em “River Deep, Mountain High”, de Tina Turner, para admitir que o seu talento era melhor aplicado às senhoras que aos senhores. (Já agora, nessa canção Spector utilizou 21 músicos e 21 pessoas extra nos coros – o recorde de pessoas usadas em estúdio por Spector.)

[“River Deep, Mountain High”:]

O negrume do produtor poderá, eventualmente, estar ligado à morte do seu pai, por suicídio, quando Spector tinha apenas oito anos, mas nestas matérias só podemos especular – Spector tinha uma irmã e nem ela se revelou genial nem andou por aí a agredir pessoas.

Não é exato quando Spector terá começado a agredir mulheres, mas hoje sabemos que a sua relação com Ronnie Bennett, a vocalista das Ronettes, foi marcada pela violência. Inicialmente ilícita, a relação com Ronnie contribuiu para o fim do primeiro casamento de Spector; Ronnie tornou-se a sua segunda mulher e ele, roído de ciúmes, fechava-a em casa, dentro de armários, por receio de que ela o traísse (o que acabou por acontecer).

A mesma obsessão que conduziu Spector à genialidade musical levou-o a tentar controlar as pessoas à sua volta usando para tal todo o tipo de manipulação psicológica ou mesmo física.

À medida que o seu sucesso aumentava, o comportamento de Spector tornava-se mais errático, muito à conta do consumo de álcool. Histórias com armas (que ele começara entretanto a colecionar) abundavam e no final dos anos 70 houve várias sessões de gravação em que Spector brandiu de uma arma para convencer os artistas a cederem aos seus caprichos – isto aconteceu com, pelo menos, Leonard Cohen e com os Ramones.

Death of a Ladies Man, o disco que Spector produziu para Cohen, é considero pelos fanáticos e puristas de Cohen, como o pior disco do bardo, mas essa é uma ideia errada e pelo menos dois dos temas, “Don’t go Home With You Hard-On” e o tema-título são duas canções pop absolutamente extraordinárias. Spector é ainda acusado de estragar Let It Be, dos Beatles, que produziu (já após as gravações, recorrendo a overdubs), mas essa afirmação é um absoluto disparate.

[“Let it Be”:]

A ligação aos Beatles revitalizou, durante algum tempo, a carreira de Spector; no entanto, e como seria inevitável, Spector foi ultrapassado – depois de ter ajudado a criar a ideia de adolescente (e do adolescente enquanto ser que compra discos para encontrar aí a identificação que não existe na sua família) Spector foi esquecido por novas gerações de miúdos que – como sempre – não queriam ouvir o som da geração anterior.

O melhor de Spector está numa caixa chamada Back To Mono, que compila quase todas as grandes canções que produziu; o pior de Spector está nas agressões a mulheres, no assassinato de uma atriz e nas declarações dos seus filhos mais velhos, que dizem que o pai os fechava em casa como prisioneiros e os obrigava a simularem atos sexuais com as suas namoradas.

A mesma obsessão que conduziu Spector à genialidade musical levou-o a tentar controlar as pessoas à sua volta usando para tal todo o tipo de manipulação psicológica ou mesmo física. Agora que estão na posse de todos os dados, são vocês que escolhem o que entra ou fica de fora da gaveta imaginária sobre a qual falámos no início. Que escolhem se continuam ou não a ouvir a sua música. Porque, infelizmente, os génios também são monstros.

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