“Eu não sei qual é o segredo para ser um bom jogador de póquer porque eu não sou um bom jogador. É verdade. Tenho bastantes fundamentos do jogo, mas não sou um jogador muito bom. Vou sabendo umas coisas”. A naturalidade com que Pedro Cabeça responde é quase desconcertante. As “coisas” que vai “sabendo” sobre póquer permitiram-lhe chegar ao quarto dia do principal evento da PokerStars Championship Bahamas, um dos maiores torneios de póquer no mundo. Está no grupo dos 33 melhores jogadores de uma competição que começou com mais de 700 pessoas e já garantiu, pelo menos, o dobro do que investiu para estar no torneio, 5 mil dólares, cerca de 4.742 euros. E o sonho de que conquistar o prémio final, mais de 450 mil euros, mantém-se vivo.

A conversa com o Observador acontece depois de mais de 10 horas a jogar póquer em permanente confronto com algumas das mentes mais brilhantes da competição. A crème de la crème do póquer mundial. As palavras saem-lhe com alguma dificuldade e vai logo avisando: “Não queria muito falar do meu jogo”. O segredo no póquer é mesmo a alma do negócio, sugere. Com 47 anos, Pedro Cabeça é o único português no principal evento do torneio de póquer da PokerStars Championship Bahamas, que decorre até sábado, 14 de janeiro, na capital da ilha caribenha, Nassau. Com alguns bons resultados no currículo, está, ainda assim, longe de ser um dos rostos mais conhecidos da cena nacional. Tanto que os responsáveis pela comunicação do torneio só perceberam a presença de um português já a competição ia longa. Ao terceiro dia do evento, “that Portuguese guy”, o farmacêutico da Chamusca que começou a jogar mais a sério há “sete ou oito anos”, tinha roubado os holofotes.

Terminou o terceiro dia do evento principal do torneio sentado na mesa mais privilegiada da gigantesca sala de conferências do Atlantis Resort, vestida a rigor para receber a primeira etapa do novo circuito mundial de póquer organizado pela PokerStars: a mesa onde todas as jogadas são transmitidas e comentadas via streaming para milhões de seguidores em todo o mundo. O português teve de medir forças com alguns dos melhores jogadores do mundo, como Adrian Mateos, o segundo jogador espanhol com mais dinheiro arrecadado em torneios, Cliff Josephy, presença regular nos melhores torneios do mundo, ou John Dibella, nome respeitado no circuito mundial.

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Pedro Cabeça na “mesa da televisão”, onde todas as jogadas são transmitidas para milhões de pessoas

No centro de todos as atenções, Pedro Cabeça acabaria por protagonizar a última jogada do dia. Olhar preso ao tapete verde da mesa, rosto fechado, corpo rígido e aqui vai disto: “All in”. Estava disposto a apostar todas as suas fichas para atirar o canadiano Michael Bartholomew para fora do torneio. “Quando pensávamos que a última mão do dia ia ser tranquila, acontece isto”, iam repetindo os comentadores. Era, de facto, um movimento ousado e pouco comum nestas circunstâncias. Em segundos, podia deitar quase tudo a perder.

O canadiano ia desabafando: “Uau. Isto é de doidos. De doidos” e tentava entrar na cabeça do português: “Mostras as tuas cartas se eu foldar [desistir]?”. Era uma forma de testar a força do adversário, perceber as reações no rosto, nos gestos, um dos trunfos do póquer. Mas do outro lado, nada. Silêncio absoluto. Uma expressão tão neutra que faria qualquer especialista em linguagem corporal repensar a vocação. Depois de cinco minutos a decidir se arriscava ali a permanência do torneio, Michael Bartholomew desistiu. Pedro Cabeça vencia mais uma batalha sem que qualquer um dos jogadores visse sequer uma carta das cinco que podem ser colocadas na mesa.

O canadiano ainda tentaria uma última provocação: “Mostra as cartas”, atirou. O português não estava obrigado a fazê-lo — se o adversário não acompanha a aposta, não tem direito a ver as duas cartas na mão do vencedor, que pode simplesmente devolvê-las ao dealer. Outro trunfo: mostrar as cartas pode denunciar a estratégia aos restantes adversários. Há quem mostre só uma, ou até as duas, como estratégia. Há quem as esconda, até porque pode estar a fazer bluff e isso não é coisa que se deva revelar. Depende do que se tiver nas mãos.

E como com provocação, provocação se paga, lá veio a resposta: “Vês mais tarde”, sugeriu Pedro Cabeça, apontado para o canal de streaming, cuja emissão tem um atraso de cerca de 30 minutos para evitar que os apoiantes e familiares dos jogadores possam influenciar o jogo e denunciar os adversários. Uma espécie de sugestão para ver em replay e se possível em câmara lenta o golpe infligido. Um bocadinho menos doloroso do que pedir aos franceses o golo do Éder, mas a ideia é a mesma. Chapeau.

Pode ver a jogada de Pedro Cabeça a partir do minuto 9.33.53

“Sinceramente já cheguei à conclusão que o melhor é não responder a provocações. Mas às vezes também é preciso”, comenta, já depois do final de dia épico. Passou a última hora e meia do terceiro dia do evento principal como as restantes: praticamente esfíngico, sem nunca entrar em conversa paralelas. Estratégia? “Personalidade”, contrapõe. “Há quem consiga estar a falar e a mandar bocas e estar concentrado no jogo. Eu não consigo. Se começo a falar perco a concentração”.

E concentração é algo de que Pedro Cabeça percebe bem. Apesar de não ser um jogador profissional de póquer, passa “várias horas por dia a jogar” e a aprender. A farmácia na Chamusca é o seu trabalho a tempo inteiro e póquer rouba o espaço para qualquer outro hobby. No início tudo era diferente. “Quando era mais novo, jogava com amigos, em casa uns dos outros. Mas depois deixei de jogar”. Tudo mudou quando a febre do póquer atingiu Portugal com força. “Quando apareceu este boom do póquer comecei a acompanhar na televisão, entusiasmei-me, e comecei a jogar online”. Dez anos depois, já passou por Las Vegas, Dublin e, agora, Bahamas, além de ser um jogador relativamente assíduo nos torneios portugueses. E sempre à boleia do póquer.

“É um jogo que adoro jogar. Uma das características que torna o jogo muito interessante para mim é ser um jogo completamente democrático. E com a evolução do jogo online ainda se tornou mais. Qualquer pessoa pode começar do patamar mais baixo, a jogar a cêntimos, interessa-se, estuda, vai aumentando o seu nível. Mesmo um jogador totalmente recreativo, que gosta de jogar ao fim-de-semana ou uma vez por mês, pode vir a jogar com jogadores muito bons e ganhar. Essa ideia atraiu-me muito para o jogo”, explica.

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Ilustração: Andreia Reisinho

Para aqui chegar, leu dezenas de livros de póquer, estudou o jogo, gastou horas a ver vídeos que lhe deram uma bagagem fundamental para compreender a competição. Mas, para Pedro Cabeça, isso não chega: o póquer continua a ser, em grande parte, um jogo de intuição.

“Acho que é importante jogar. Jogar bastante”, começa por dizer. “É com as milhares jogadas que se fazem que vamos ganhando intuição para depois, em determinadas em situações, tomar a decisão certa”.

Na bancada, a assistir ao torneio, tem a namorada e a irmã da namorada. Vieram de Portugal também para aproveitar o sol das Bahamas, mas o tempo trocou-lhes as voltas. Fica o consolo de trocar a praia por um bom resultado no torneio. “Acabo por me sentir mais seguro, mais em casa”, reconhece. A receita parece estar a resultar.

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O troféu que todos querem levar para casa

Esta quinta-feira, dia 12, começa o quarto dia do evento principal do PokerStars Championship Bahamas (UTC/GMT -5 horas), decisivo para aspirações de qualquer jogador que queira chegar à mesa final e, eventualmente, ao grande prémio. A resposta à pergunta sobre os prognósticos vem em formato standard: “Estou a jogar dia a dia. Isto pode ir tudo de um momento para o outro. Posso melhorar, posso piorar. Enfim, há sempre aquela ansiedade de jogar mais um dia, de chegar mais longe. Mas estou relativamente calmo e a procurar jogar o melhor que sei. Depois, é o que tiver de ser”.

Há, no entanto, quem esteja a torcer para que o português não vença o torneio. “Vocês já venceram o Euro, já chega, ok?”, dispara um jornalista britânico, em jeito de brincadeira, numa conversa informal. O que ele não sabe é que os admiradores de Pedro Cabeça não precisam de pensar muito para celebrar uma eventual vitória do português no torneio. Basta adaptar o cântico. “E foi o Pedro que os f…”. Éder queira.

*O Observador viajou a convite da PokerStars