Os elevados números de novos casos de infeção pelo coronavírus não estão a intimidar vários países da União Europeia na hora de avançar para um alívio das medidas contra a Covid-19. Mas nenhum deles se atreve a seguir o recente exemplo da Dinamarca e a escancarar as portas à normalidade pré-pandémica: muitos caminham apenas para uma situação semelhante à que Portugal já vive desde outubro.
Isso mesmo foi confirmado ao Observador pelo especialista em saúde internacional Tiago Correia, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT): países como Noruega, França, Finlândia, Países Baixos e Irlanda anunciaram recentemente um alívio das restrições impostas contra a Covid-19, mas apenas para se igualarem (ou, em alguns casos, meramente se aproximarem) à situação portuguesa. Do panorama europeu, Portugal é o que está mais próximo de atingir o mesmo nível de permissão que os dinamarqueses porque também é dos que há mais tempo está com medidas menos restritivas.
Mesmo a Dinamarca, o país mais avançado da União Europeia na entrada para uma realidade sem medidas contra a Covid-19, só agora levantou medidas que em Portugal já não existem há quatro meses: em Portugal, as discotecas retomaram a atividade (com a interrupção nas semanas-tampão, entre 25 de dezembro e 13 de janeiro) e os restaurantes deixaram de ter horários de funcionamento limitados desde 1 de outubro. Na Dinamarca, isso só aconteceu a partir da última terça-feira, 1 de fevereiro.
E nada garante que a liberdade dinamarquesa veio para ficar. Magnus Heunicke, ministro da Saúde da Dinamarca, é o primeiro a admiti-lo, quando recordou que “ninguém poderá saber o que vai acontecer no próximo dezembro”: “Prometemos aos cidadãos da Dinamarca que só teremos restrições se forem realmente necessárias e que as suspenderemos assim que pudermos. Isto é o que está a acontecer agora”.
Então como se pode medir quão livres ou restritos estão os cidadãos de um país no que toca às medidas contra a Covid-19? Neste momento, o critério é este: um país que já não exija certificado digital para aceder a determinados espaços ou serviços, nem a utilização de máscara de proteção individual está mais perto da normalidade pré-pandémica do que qualquer outro. E nessa situação só há dois países europeus: a Dinamarca (o único da União Europeia) e Inglaterra. A Suécia será a próxima, tal como anunciou o governo na manhã desta quinta-feira.
Antes disso, a situação dinamarquesa era semelhante à portuguesa, mas só desde meados de janeiro é que os cinemas, jardins zoológicos, museus e teatros puderam receber visitantes novamente; e os eventos desportivos, ao ar livre e em espaços interiores, também só voltaram a ter espectadores, em número limitado nessa altura — mas sempre com a obrigatoriedade de máscara e com a apresentação de certificado.
Em Portugal, essas medidas já tinham sido tomadas há longos meses: desde abril do ano passado que os cinemas e espaços culturais estão de portas abertas (as regras para assistir aos espetáculos variaram, mas o ponto de maior restrição aconteceu com a exigência de teste rápido laboratorial ou farmacêutico à entrada, como no Natal); e desde setembro que os estádios deixaram de ter limitações nas bancadas (desde o início da atual época que os adeptos são bem-vindos aos estádios, mas com limite de espectadores). O salto que a Dinamarca deu, deixando Portugal para trás, foi dispensar as máscaras e os certificados.
Isso mesmo demonstra o Índice de Severidade elaborado por uma equipa da Universidade de Oxford, disponibilizado online no site Our World in Data. A plataforma tenta medir o nível das restrições à Covid-19 impostas por diferentes países com base em nove métricas de avaliação: encerramento de escolas, encerramento de locais de trabalho, cancelamento de eventos públicos, restrições a encontros em público, encerramento de transportes públicos, confinamentos, campanhas públicas de informação, restrição à liberdade de movimentos e controlos de viagem internacionais. Cada métrica é avaliada e é feita uma média, com diferentes níveis de ponderação, até se chegar a uma nota de 0 a 100: quanto mais próximo um país estiver do 100, mais se considera que as medidas aplicadas são restritivas.
Este índice ainda não foi atualizado à luz das novas medidas (ou da ausência delas) na Dinamarca: a última atualização neste país foi realizada precisamente no dia anterior à libertação total do país; enquanto, no caso de Portugal, a última avaliação publicou-se a 28 de janeiro. E o que se conclui é que, com 31,48 pontos para Portugal e 38,89 pontos para a Dinamarca, os dois países estavam no quarto nível menos restritivo — sendo que, nos dois primeiros, até esta quinta-feira, não existia nenhum país.
E, apesar de ser expectável que a Dinamarca passe a estar num nível menos restritivo numa próxima avaliação, o mesmo deve acontecer com Portugal graças às atualizações anunciadas esta quinta-feira num comunicado do Conselho de Ministros: quem estiver vacinado ou tiver recuperado da Covid-19 já não é obrigado a apresentar um teste negativo para entrar em território nacional, o que torna as medidas fronteiriças em Portugal menos restritivas. Ou seja, mesmo com a Dinamarca no topo do alívio europeu, Portugal também caminha nesse sentido. E, tal como o Observador revelou esta quarta-feira, já se prepara mesmo uma reabertura semelhante à dinamarquesa após a quinta vaga, com a entrada na primavera.
Já em Inglaterra, o Governo tinha imposto a 8 de dezembro o chamado “Plano B” para enfrentar a ameaça da variante Ómicron. As máscaras faciais voltaram a ser obrigatórias nos espaços fechados e os certificados digitais passaram a ser exigidos em discotecas, eventos de grande dimensão e estádios de futebol. As novas regras foram recebidas com frustração pelo ingleses, que em julho tinham vivenciado o “Dia da Libertação”, com a reabertura de discotecas e o levantamento das medidas contra a Covid-19. A 27 de janeiro, as mesmas regras que haviam sido recuperadas para enfrentar a Ómicron foram dispensadas e Inglaterra voltou à libertação que vive desde meados do verão passado. Sem máscaras, nem certificados.
Países que anunciaram novos alívios dispensaram medidas que em Portugal já não existem
As notícias que têm dado conta da uma atualização nas medidas noutros países europeus podem dar a perceção de que Portugal está a ficar para trás no esforço de um regresso à normalidade. Mas isso é “um erro monumental”, classificou Tiago Correia. Olhe-se, por exemplo, para o caso de França, onde o teletrabalho deixou de ser obrigatório e passou a ser recomendado — algo que em Portugal já é verdade desde 14 de janeiro. Já se pode comer no cinema e deixou de haver lotação máxima limitada em espaços como estádios e teatro, tal como por cá; e as discotecas vão voltar a abrir portas após uma paragem desde dezembro.
O nível de restrição francês, que era dos mais altos na Europa (69,44 no índice de restrição), vai aproximar-se do português, com regras semelhantes às aplicadas por cá. Mas a troco de algo: a vacinação é praticamente obrigatória porque o certificado digital é exigido em todos os espaços comerciais, incluindo transportes públicos de longa distância — um passo que Portugal nunca deu.
Na Noruega, a mesma coisa: só agora é que os bares e restaurantes vão passar a poder servir bebidas alcoólicas depois das 23h, as discotecas vão reabrir portas e continua a ser recomendado (mas não obrigatório) que os ajuntamentos não excedam as 10 pessoas; e os cinemas e outros espaços culturais podem atingir a capacidade máxima sem necessidade de distanciamento físico entre pessoas.
Cá, nunca houve restrições horárias à venda de bebidas alcoólicas em bares e discotecas quando estas reabriram, nem em restaurantes sempre que estiveram em funcionamento. O consumo de comida no cinema também já era permitido e a lotação já não tem limites. Mas o uso obrigatório de máscara continua em vigor. Só há uma regra em que a Noruega está à frente de Portugal: o isolamento para casos positivos assintomáticos, que em Portugal passou de 10 dias para apenas sete dias a 5 de janeiro, passa de seis dias para quatro dias naquele país.
O Governo finlandês remete para fevereiro o levantamento de todas as medidas contra a Covid-19, mas por enquanto contenta-se com um alívio das que foram instauradas a 28 de dezembro para enfrentar uma nova vaga de casos provocados pela Covid-19. Os restaurantes, que até agora só podiam estar abertos até às 20h, passam a funcionar até às 21h. Os bares e outros estabelecimentos que sobrevivem principalmente à base da venda de bebidas alcoólicas podem funcionar até às 18h, apenas mais uma hora do que no último mês e meio. A lotação máxima nestes espaços aumentou para 75% — antes a capacidade era de 70%. São limitações horárias que Portugal abandonou em outubro.
Os Países Baixos também anunciaram um alívio das medidas, mas nada que permita ao país entrar no mesmo nível de liberdade que a Dinamarca ou Inglaterra, nem sequer ficar equiparado a Portugal. Ao longo do mês de dezembro e até 26 de janeiro, os hotéis, parques temáticos, jardins zoológicos, museus, teatros, cinemas, as saunas e os casinos estiveram de portas fechadas, todos os eventos estavam proibidos e os encontros desportivos não podiam ter espectadores.
Tudo isso passou a ser permitido apenas desde a última semana de janeiro, mas as restrições continuam em vigor: todo o comércio tem de fechar às 22h, a apresentação de certificado digital é obrigatória em todos os espaços públicos interiores e estabeleceu-se um limite de 1.250 participantes em eventos com lugares marcados (todos os outros continuam proibidos), espaços culturais e desportivos. Se um evento tiver mais do que 1.250 pessoas, tem mesmo de ser efetuado no exterior e com lugares marcados.
De resto, há medidas que ainda não foram levantadas e devem permanecer ativas pelo menos até 8 de março: as máscaras cirúrgicas continuam a ser obrigatórias em hospitais, aeroportos, transporte público, nas escolas do ensino superior, em áreas públicas interiores, mas também ao ar livre sempre que não for possível manter o distanciamento — em suma, a máscara só pode ser removida em ambientes fechados quando se está sentado. O teletrabalho continua a ser recomendado e não se pode receber mais do que quatro convidados em casa.
A Irlanda segue a caminho do desconfinamento, após ter dispensado a apresentação do certificado Covid para entrar em hotéis e espaços de entretenimento; e de ter permitido aos bares, restaurantes e discotecas regressarem aos horários normais. Até agora o horário de bares, restaurantes e cinemas continuava limitado às 20h. E as regras sobre as máscaras continuam as mesmas: são obrigatórias em transportes públicos, todos os espaços comerciais e espaços interiores; e recomendadas em locais com muita gente e locais de culto.