“Fast and Furious”. Este é o nome de um dos maiores franchises do cinema dos últimos anos, blockbuster que cortou estradas por Viseu e que repete a dose em Almada. Mas pode também ser o nome, traduzido para português, dado ao momento atual do audiovisual em Portugal. Um boom que gerou investimento, que colocou o nome do país na rota dos tubarões das plataformas de streaming, que permitiu o início de co-produções entre Portugal e outros países e que ajudou a dar vida, por exemplo, à primeira série portuguesa da Netflix, “Glória”. Tudo isto aconteceu — e está a acontecer — desde 2018, quando o país decidiu fazer aquilo que já acontecia noutros pontos da Europa: criar um sistema de incentivos (o chamado “cash rebate”) “muito competitivo” que convida a quem queira investir, com o retorno assegurado de uma percentagem das despesas por parte do Estado português.
É por isso que, ao mesmo tempo que Portugal iniciou um caminho de co-produções (“Auga Seca”, por exemplo) com países como Espanha ou Islândia (“Cold Haven”, ainda em pré-produção), também se tornou atrativo para gigantes do cinema: o novo filme de “Velocidade Furiosa”; a prequela de “Guerra dos Tronos”, “House of the Dragon” (HBO), aterrou em Monsanto, em Idanha à Nova, em 2021; “Heart of Stone” (Netflix), com Gal Gadot, assentou arraiais em várias freguesias de Lisboa; e a vila de Rabo de Peixe vai ser protagonista de uma produção conduzida pela Ukbar Filmes para a mesma plataforma. Mas será definitivamente a vez de produtores, atores, técnicos portugueses mostrarem o que valem no mercado internacional e catapultarem a “indústria” do país para um patamar nunca antes visto? De fazer com o cinema e as séries o que aconteceu com o turismo?
O Observador consultou vários produtores, o Ministério da Economia e do Mar — onde está integrado o Fundo de Apoio ao Turismo, Cinema e Audiovisual –, o Ministério da Cultura, o Instituto Cinema e Audiovisual (ICA) a Portugal Film Commission (PFC, instituição que gere e agiliza as rodagens no país) para fazer um ponto da situação. E, apesar desta ser só uma primeira fase, já é possível retirar uma conclusão: Portugal está na berra, mas pode vir a ser vítima do seu próprio sucesso. E porquê? Porque o dinheiro do Fundo de Apoio ao Turismo, Cinema e Audiovisual (da iniciativa PIC Portugal) para 2022 já esgotou em maio, as candidaturas estão suspensas, outras tantas por analisar e, tal como confirmado pelo Observador, um novo modelo ainda está a ser analisado. O Ministério da Economia e também o da Cultura justificam esta suspensão com o sucesso do programa de incentivos. Soluções? Dois meses depois do fundo ter esgotado, ainda não existem.
12 milhões de euros de incentivos fiscais para o ano inteiro “que voaram” em maio. Governo ainda não tem solução
“Se o incentivo não chegar, se o cash rebate acaba, vamos para à lista negra. Hollywood vai ficar muito mal impressionado com Portugal e será a primeira e última grande produção que teremos cá”. Sofia Noronha, da Sagesse Productions, está a trabalhar na nova saga de “Velocidade Furiosa”. Quase nem tem tempo para falar. Afinal, está dentro de uma equipa gigante, são entre 400 a 500 pessoas. Uma verdadeira “operação militar”. Há muito protocolo para cumprir e essa é a realidade a que Portugal não estava habituado. Antes, esteve a trabalhar em “House of the Dragon”. O número da equipa aumentou: mil. A sua produtora, que só abriu em 2020, tem trabalhado exclusivamente a nível internacional. Está convencida que é graças ao cash rebate que as rodagens internacionais acontecem. E também está convencida, especialmente por estar à espera de respostas por parte do Ministério da Economia e do Fundo de Apoio, que se o sistema não melhora e não se resolve, a evolução pode não ser favorável. “Só atraímos estas produções por causa destes mecanismos. Estar à espera é um problema. Os clientes não entendem como é que prometemos algo e depois não cumprimos”, conta.
Mas o problema não está só em não cumprir. Há produtores que não sabem a quem devem recorrer para pedir esclarecimentos. “O sistema de incentivos rebentou, estamos sem interlocutor e não sabemos se vai ser resolvido. Apesar do sistema ser muito bom, a sua estrutura orgânica não tem nenhuma autonomia. Existe uma dupla tutela: quem financia é o Fundo de Apoio ao Turismo, Cinema e Audiovisual, quem valida as candidaturas é o Instituto do Cinema e Audiovisual. Nós não sabemos com quem falamos, se com o Ministério da Cultura, se com a secretaria de Estado do Turismo. E este processo não é transparente nem visível para todos”. É assim que Luís Urbano, da produtora O Som e a Fúria, analisa o momento atual da estratégia financeira que foi lançada pelo anterior governo em 2018, da qual já beneficiou por cinco vezes.
Ora, antes de se explorar esta análise, é importante fazer um parêntesis. O que é afinal o cash rebate? É um mecanismo através do qual o Estado devolve uma percentagem das despesas que qualquer produção (entre 25 a 30%), nacional, internacional ou co-produção tenha quando está a filmar em Portugal. Essas despesas podem estar relacionadas com libertação de direitos de autor de realização e argumento, honorários de produtores, cenografia, estadias, transportes ou pós-produção.
Existem critérios específicos para que o incentivo seja concedido — e as respostas às candidaturas decorrem num prazo legal de 20 dias que, segundo a PFC, não tem sido sempre cumprido. Quem demonstra interesse em filmar em território nacional terá de gastar, no mínimo, 500 mil euros (ficção e animação) e 250 mil para documentários ou pós-produção. Os pagamentos podem ser feitos de forma faseada ou em adiantamento, o que permite maior cash flow para as produções. Cada projeto pode receber até 4 milhões de euros. E todos os anos existe uma verba total de 12 milhões por atribuir, numa política de “primeiro a chegar, primeiro servido”. Desde há quatro anos que, a nível de candidaturas, houve 57 obras portuguesas, 30 obras estrangeiras e 59 coproduções que tentaram garantir este financiamento. Em investimento direto para o país, segundo dados do Ministério da Economia fornecidos ao Observador, a conta chegou aos 171 milhões de euros.
Mas retomemos os 12 milhões que já foram gastos nos primeiros cinco meses deste ano. Não há solução à vista para já porque o governo “está a trabalhar numa que responde à enorme procura que Portugal tem tido”, de acordo com o Ministério da Economia. Portanto, este é um momento não só de análise do passado como de projeção do futuro. Ou seja, foi anunciado que o plafond se tinha esgotado em maio, o governo declarou que estaria a delinear soluções. Dois meses depois, ainda não há solução. A máquina continuará a funcionar, mas não se livra de uns solavancos. Essa é, pelo menos, a ideia de Manuel Claro, da Portugal Film Commission. “O fundo terminaria em dezembro deste ano, mas foi prolongado até 2023. Teremos de arranjar outras formas de o prolongar ou até criar um novo fundo. Alguma coisa tem de ser feita. Já partilhámos a nossa visão com o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, com o ICA e com a secretaria de Estado do Turismo. Não ajudou termos tido eleições e um novo governo. Mas ainda estamos a tempo de adaptar”, diz ao Observador.
Dessas conversas, parece ter surgido uma opinião em comum: há várias melhorias a fazer. Tornar o fundo “mais ágil”, permitindo cumprir os prazos e, por outro lado, obter um “reforço do investimento do país neste setor”, segundo o ICA. É que, de acordo com este instituto, após Portugal ter lançado o seu próprio cash rebate, outros países, da Áustria a Espanha, atualizaram estes mesmos mecanismos.
Em 2021 bateu-se o recorde de projetos apoiados pelo Fundo de Apoio: 137. “Neste momento, estamos parados em relação a novas candidaturas. É consequência do sucesso”, garante. Mas, desde 2018, que se registam atrasos no processo, entre a candidatura, a aprovação e a entrega das verbas, no início de cada ano. “Mexe com a credibilidade e é muito preocupante. Os produtores internacionais não percebem porque é que, se os prazos estão na lei, se registam atrasos, especialmente na transferência de verbas do Ministério das Finanças”.
“Se se produz e depois se tira o tapete, o setor fica coxo e tomba”
Desse jogo para chamar players internacionais nasceu “Glória”, a primeira produção portuguesa para a Netflix, que conta a história de um espião na Raret, estação de radiodifusão durante a Guerra Fria. A espera foi longa e a concretização deste projeto parecia colocar um ponto final numa questão: só o outro lado da Península Ibérica é que consegue trabalhar com as plataformas de streaming? A resposta agora é diferente. “‘Glória’ não foi um epifenómeno. Têm surgido muitos outros projetos com dimensão internacional. Esta série é um extraordinário cartão de visita que posicionou o mercado português numa bitola qualitativa onde havia resistência internacional em olhar para nós, para a nossa capacidade de produção. E só tínhamos uma hipótese: ou dava certo ou dava certo”, revela José Amaral, da SPi, braço internacional da SP, produtora portuguesa.
Nos últimos 4 anos, a SPi realizou 14 projetos. Trabalhou com a Galiza, com os Estados Unidos da América (através da Legendary Pictures) e agora com a Globo, do Brasil, que está a trabalhar na adaptação do livro de José Rodrigues dos Santos, Codex 632. É uma das principais produtoras nacionais a operar lá fora. “Por cá produz-se bem, temos preços competitivos, temos um cash rebate altamente competitivo. Já tínhamos recebido grandes produções, mas eram poucas, circunstanciais, mais ligadas ao cinema francês. Sem um cash rebate, não teríamos capacidade para competir desta maneira”, conta.
Na contínua defesa destes mecanismos, José Amaral faz uma comparação com Espanha. “Entre Lisboa e Madrid distam cerca de 600 quilómetros. As capacidades de produção são de um para dez. Precisamos de continuidade. O hit [como o fenómeno “Casa de Papel” que saltou da televisão espanhola para a ribalta mundial e que também beneficiou do cash rebate] irá naturalmente aparecer”, afirma. Apesar de “Glória” ter chegado à imprensa internacional e colhido elogios, ainda não teve o efeito viral que qualquer país quer.
Portanto, quer o cash rebate, quer a Portugal Film Commission, têm de continuar o seu trabalho e função. E ainda que tanto José Amaral como Luís Urbano concordem que este foi um passo importante para o audiovisual português, estes dois representantes dos setores — que sempre se dividiu muito — não estão de acordo a 100%. “Claro que uma série como ‘Glória’ cria oportunidades, mas esta não é uma área que me interesse estar disponível para trabalhar. Acho que não podemos embandeirar em arco. Vivemos numa altura em que as plataformas de streaming lutam entre si. O mercado pode dividir-se. A Netflix já mostrou sinais de alguma crise, começou com políticas de contenção orçamental. Este sistema de incentivos é muito bom, mas tem de durar no mínimo dez anos para vermos o verdadeiro impacto. Porque se se produz e depois se tira o tapete, o setor fica coxo e tomba. É preciso regularidade”, comenta Luís Urbano. Aí estão, de facto, os dois de acordo.
“O mercado está completamente esgotado, não há equipamento nem técnicos”
Outro das questões que esta abertura de portas levanta é o inflacionar de preços para prestação de determinados serviços ligados à produção de um filme ou de uma série em Portugal: operadores de câmara, roadies, assistentes ou drivers, por exemplo. Maiores orçamentos, melhores salários. Mas alguns dos produtores garantiram ao Observador que, neste momento, é muito difícil contratar pessoal técnico de “primeira e segunda linha” para trabalhar porque estão todos ocupados com os projetos das plataformas de streaming.
Gonçalo Galvão Teles, da produtora Fado Filmes, já beneficiou deste sistema de incentivos, por exemplo, para o seu último filme “Nunca Nada Aconteceu” (com estreia marcada para este ano) e está à espera de luz verde desde dezembro do Fundo de Apoio para a série baseada nos Novos Contos da Montanha de Miguel Torga. O produtor revela ao Observador alguns episódios caricatos que colegas de profissão já lhe fizeram chegar, especialmente por ser professor de Cinema na Universidade Lusófona. “Um realizador conhecido veio-me perguntar se não lhe arranjava de tudo um pouco: assistentes, luzes ou tripés. O mercado está completamente esgotado, não há equipamento nem técnicos. É quase impossível agora formar uma equipa de rodagem de primeiras e segundas escolhas”, conta.
Uma situação que pode trazer outra armadilha: à semelhança do que aconteceu na Irlanda quando realizadores como Steven Spielberg começaram a escolher aquele país europeu para rodagens (caso de “Resgate do Soldado Ryan”, por exemplo), as equipas técnicas não aceitaram trabalhar por valores inferiores aos oferecidos pelas produções hollywoodescas. A produtora Uma Pedra no Sapato, da também realizadora Filipa Reis, aponta a bússola nesse sentido, demonstrando ser a favor desta internacionalização do audiovisual português, sem deixar de revelar alguma preocupação. “Quero que as minhas equipas recebam justamente, mas se os orçamentos dos filmes não aumentarem, não tenho como competir com uma ‘Velocidade Furiosa’ que venha para cá. Já aconteceu não ter gente porque estão lá. Ainda assim, há pessoal técnico que prefere as produções nacionais, às vezes não conta só o cachet. Só que estamos a fazer filmes com o mesmo dinheiro há muito, muito tempo”, declara. Filipa Reis tem apostado em co-produções, trabalhou com Miguel Gomes, Marco Martins ou Leonor Teles e tem optado por ter uma posição maioritária nos seus projetos. Já teve dois projetos que beneficiaram do cash rebate e outros dois, por causa da suspensão do programa, que “voltaram para trás”. E apesar de se dedicar mais ao cinema de autor, não nega que, se a altura chegar, vai bater às portas da Netflix. “Se for preciso, vou. Neste momento, por causa da suspensão do cash rebate, estou bastante aflita”, esclarece.
“Estando de fora”, ou seja, também não tendo para já nenhum plano para trabalhar com plataformas de streaming como a HBO e Netflix e só estando agora a entrar no mercado das séries — produziu a “Rainha e a Bastarda” (RTP1) — Gonçalo Galvão Teles percebe que esse handicap técnico é um bom sinal que poderá fazer com que a bomba rebente a certa altura. E não é que seja contra a entrada das plataformas de streaming no país, mas sim porque se tem ocupado em produzir com países como a Bélgica ou o Brasil. Por isso, trabalho não tem faltado. “Criaram-se condições para melhorar o audiovisual português, mas essas oportunidades podem implodir por vícios do sistema. Mas não posso demonizar o investimento estrangeiro. Os projetos portugueses estão com apoios cada vez mais limitados, o orçamento do ICA é o mesmo há anos”, diz.
Ainda assim, Gonçalo Galvão Teles garante que ter o apoio do cash rebate não permite montar totalmente, a nível financeiro, uma longa metragem portuguesa. Se um projeto garantir o máximo de 4 milhões, isso quereria dizer que tem de investir no país cerca de 16 milhões de euros, um bolo monetário inalcançável para uma produção portuguesa. Por comparação, e por ser um projeto com uma dimensão já considerável pela história que trazia, “Soldado Milhões”, realizado por Galvão Teles (com Jorge Paixão da Costa) e produzido por Pandora da Cunha Telles e Pablo Iraola, que deu um filme e uma minissérie, não chegou a custar um milhão de euros.
Em 2020, naquela que pode ser vista como a primeira grande operação de charme da Netflix em Portugal, a plataforma de streaming decidiu abrir um concurso de ideias. Qualquer pessoa se podia candidatar e os dez selecionados venceriam um prémio de 25 mil euros, sendo certo que a Netflix não teria qualquer obrigação em avançar com os projetos vencedores. Uma dessas ideias está agora a ser filmada em Rabo de Peixe, nos Açores, pelas mãos da Ukbar Filmes. Além deste aproximar de sinergias, a Portugal Film Commission, a par com diferentes produtores, tem feito a sua própria operação de charme para estar presente em tudo o que são feiras e mercados do audiovisual. Portugal era dos poucos países que ainda não tinha uma instituição destas a nível nacional. Basta olhar, outra vez, para o que que se faz em Espanha: a Andaluzia Film Commisson existe há 25 anos. “Houve tempo para estudar estas práticas e lançámo-nos com o objetivo de promover Portugal como destino internacional de filmagens, agilizando esse processo e tornado o país ‘film friendly’ “, afirma Manuel Claro.
É um país com sol quase todo o ano, tem cenários naturais que impressionam e que, neste momento, começa a estar muito bem visto no lago dos tubarões de Hollywood. Muitos dos projetos apoiados pelo cash rebate circularam nos grandes festivais de cinema, de Locarno a Cannes. Essa é a garantia da PFC. Ainda assim, há mais críticas além da inflação dos preços. Quer em relação à possibilidade das grandes plataformas de streaming engolirem uma certa independência autoral uniformizando os conteúdos que se produzem em Portugal, quer sobre a impossibilidade de competir, sem colaborar, com nomes como a Amazon Prime ou a Netflix. Para tudo isto, há argumentos para rebater. “Nós não estávamos habituados a este nível de produção, não nos podemos queixar de ter capacidade de resposta. Não há forma de criar uma indústria, ou de a fazer crescer, se não tivermos ambição internacional. Não podemos ignorar o eventual impacto indireto na economia e no turismo no país por causa destas produções cinematográficos”, defende Manuel Claro. Para isso, dá o exemplo daquilo que aconteceu na Andaluzia, depois da “Guerra dos Tronos” ter rodado várias cenas naquela região de Espanha. “Traz turismo de luxo, turistas que cuidam do património. Houve um aumento de visitantes em alguns dos monumentos que vemos na série”, diz.
Medidas adequadas ou pouca ambição?
Sobre este boom, falta olhar para a transposição da diretiva europeia que obriga os operadores de streaming a pagar uma percentagem para produção nacional de cada vez que querem “entrar” num país. Gerou discussão em 2021, dividiu o setor, mas a verdade é que o assunto deixou de estar presente na agenda mediática. A diretiva está em vigor desde o início do ano e obriga as plataformas a direcionarem 1% dos seus proveitos diretamente para o ICA e a investirem na ordem dos 4% no país — a título de curiosidade, é a mesma percentagem da taxa de exibição paga pelos operadores nacionais em Portugal. Se estes operadores não divulgarem os dados que permitem auferir os seus proveitos relevantes, têm de investir 4 milhões de euros e pagar uma taxa de um milhão de euros, que reverte para o ICA.
Se se olhar para países como Itália e França, onde a discussão também fez correr muita tinta, a percentagem aumenta drasticamente: os valores rondam os 20%. Há quem diga que não seria possível ter o mesmo poder negocial, mas para o produtor Luís Urbano, por exemplo, ficou-se muito aquém. “Podia ter-se conseguido mais”, diz. Para Manuel Claro, pode “não ser um investimento significativo”, mas é sempre dinheiro a entrar. “É uma injeção de dinheiro no setor. A RTP tem estado a investir acima do que é obrigada. Estão acima das suas possibilidades”. Já José Amaral da SPi, que esteve a favor da entrada destes operadores, acredita que a obrigação é bem vinda, mas que as plataformas vão investir naquilo que lhes interessa, e não “só no que nós, portugueses, queremos”. Filipa Reis ainda não “sentiu os efeitos da taxa”, mas acredita que a percentagem é baixa. “Também o ICA está subfinanciado. Foi-se pouco ambicioso”, finaliza.
Falta saber o que pensa o governo. Além de estar ainda a delinear a estratégia que resolva o berbicacho do Fundo de Apoio, garante que irá fazer uma avaliação após dois anos da entrada em vigor da diretiva. Pois bem, ainda não estamos aí. O gabinete liderado por Pedro Adão e Silva reitera que esta foi uma “excelente oportunidade para alargar aos operadores internacionais as obrigações de investimento que já eram dirigidas aos operadores nacionais”. Quanto às acusações de subfinanciamento público crónico, a resposta parte-se em duas: a primeira, dirige-se ao Plano Estratégico para o Cinema e Audiovisual, que está a ser ainda elaborado pelo ICA. Depois, sobre a RTP, tanto este instituto como o governo reforçam que nos últimos 15 anos os montantes globais dos dinheiros públicos para este setor aumentaram cerca de 130%. Os dois organismos têm confiança que a diretiva trará um aumento financeiro. Mas não é para mexer mais em percentagens.”Não está em causa qualquer melhoramento deste sistema. A solução encontrada está inteiramente enquadrada no contexto nacional. É expectável que haja um aumento das verbas disponíveis para apoios do ICA”, diz o instituto liderado por Luís Chaby.
Portanto, ao mesmo tempo que Portugal se posiciona para ser um protagonista que seduz grandes produções internacionais a rodar os seus filmes e séries como nunca antes, continua a haver dúvidas sobre o modelo de financiamento público que obriga os autores e produtores nacionais a procurarem ajuda fora das instituições nacionais. Para já, incentivos como o cash rebate revelaram-se certeiros. Não só para quem investe, mas também para quem trabalha na área. O governo português “continua a estudar uma alternativa” que prorrogue o caminho iniciado em 2018. Mas as dúvidas sobre o futuro são evidentes.