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Eckart Diepenhorst está na presidência da Mytaxi, a empresa líder europeia em serviços digitais de reserva de táxis, desde junho deste ano e entrou no momento em que a empresa definiu uma nova estrutura na organização. No final de novembro, esteve em Lisboa para apresentar o projeto piloto de trotinetes elétricas da Mytaxi, as Hive. A capital portuguesa foi a cidade escolhida para testar estes veículos.
Mytaxi escolhe Lisboa para arrancar com projeto piloto de trotinetes elétricas
Em entrevista ao Observador, Eckart Diepenhorst explicou que “este era o momento” para a empresa lançar um novo projeto de mobilidade, mas que ainda está numa fase de aprendizagem. “Fazer isto em três meses significa que ainda não está tudo perfeito”, explicou o CEO da Mytaxi, acrescentando que a regulação continua a ser discutida. “Tanto as cidades como os fornecedores precisam de estar bem conscientes e de serem muito cuidadosos para conseguirem a regulação certa”.
Sobre a nova lei que regulamenta as plataformas eletrónicas de transporte, e que gerou bastantes protestos por parte dos taxistas, Eckart Diepenhorst começou por assegurar que “a Mytaxi não tem medo da competição e até a encoraja”, mas deixou o recado: os taxistas “não têm sido muito bem ouvidos ou não têm sido representados da melhor forma”. A empresa, sublinhou, serve como “uma chave” para os condutores abrirem a porta da modernização. Eckart Diepenhorst assegura que a Mytaxi “veio para ficar” em Portugal, mas que para isso acontecer é preciso fazer uma coisa: “Precisamos de modernizar”.
No futuro, acredita, há dois desafios que vão atrasar o desenvolvimento da mobilidade e o aparecimento dos carros autónomos: as condições das estradas e das cidades e as questões morais. “Para chegarmos aos 100%, porque as vidas humanas são afetadas, vai demorar mais alguns anos.”
“Temos de trazer os táxis e as trotinetes para a mesma aplicação”
A Mytaxi foi a primeira app a fazer a ligação entre taxistas e passageiros. E agora está a apostar nas trotinetes elétricas. O que faz uma plataforma como a vossa embarcar nesta área?
Tem sido uma longa jornada para a Mytaxi — enquanto empresa — conseguir um entendimento claro de que não queremos apenas permitir uma viagem de carro de A para B. Queremos fornecer mobilidade. Isto é o que os nossos acionistas querem que façamos e é isto que nós queremos fazer.
Depois, começámos a observar o espaço da mobilidade e, porque não queremos comprometer o negócio já existente, começámos a procurar serviços complementares. Olhámos para vários meios de transporte diferentes e vimos como alguns funcionam menos do que outros. Se pegares em alguns conceitos de dockless sharing e para a forma como algumas operações de bicicletas partilháveis foram levadas, percebes que não resultaram. Outras bicicletas partilháveis funcionaram de forma fantástica, mas o modelo é mais baseado no estacionamento fixo. Quando as trotinetes chegaram aos Estados Unidos, olhámos para aquilo e ficámos muito interessados, porque vimos o fator de diversão, vimos a facilidade de utilização, vimos como algumas das empresas cresciam muito rápido e observámos durante algum tempo. Depois tomámos a decisão, há três meses, de que agora era o momento que precisávamos para aprendermos nós mesmos a fazer isto.
Quando anunciaram este projeto piloto, e ainda não sabíamos que seria em Lisboa, disse que iriam conjugar o uso do táxi com a utilização da trotinete elétrica. Como vai funcionar?
O plano é incluir tudo isto na nossa app, quer seja sob a mesma marca, sob a marca da Hive, ou mantendo a Hive como uma marca individual, com uma app individual. Acima de tudo, é algo que vamos aprender, que vamos ter de perceber mas, claramente, se queremos ser um promotor de mobilidade temos de trazer os táxis e as trotinetes para a mesma aplicação.
A ligação e a boa relação com Lisboa foi o fator principal para a cidade ser a primeira a receber este projeto?
Sim, definitivamente. Penso que a forma como a cidade se transformou nos últimos dez, 15 anos, a tornou num local muito interessante para entrarmos e tentarmos estes projetos, porque as pessoas de Lisboa, as pessoas de Portugal estão tão abertas à inovação e a experimentar coisas novas que a cidade criou uma base que fez com que fosse bastante simples entrarmos. Se pegarmos nestes fatores todos, Lisboa é a opção.
Quais foram as prioridades que definiram com a entrada das trotinetes em Lisboa?
Encaramos isto como uma startup, por isso há muitas mãos e maneiras de trabalharmos, as pessoas deixam a sua forma normal de trabalho e trabalham puramente como uma startup. No entanto, fizemos isto com a oportunidade de pegar nos recursos todos do nosso negócio maior sempre que precisássemos. Por isso, ao definir a marca, por exemplo, assim de repente temos 10 pessoas de marketing e agência e depois eles vão embora e agora temos uma marca fantástica.
“Trotinetes: talvez possamos dar um capacete grátis às pessoas que aderirem à plataforma”
Como foi o diálogo com a Câmara Municipal de Lisboa? O que ficou definido, especialmente em termos de regras a cumprir?
O que é importante saber é que uma boa relação não cresce de um dia para o outro. Cresce porque, como um fornecedor e um promotor de mobilidade em Portugal, temos agido sempre de acordo com as regras e apostamos sempre nessa relação com as cidades onde operamos. Uma das nossas vantagens em termos competitivos, em relação a algumas das startups que estão a tentar fazer a mesma coisa que nós, é que já temos muito boas relações, de anos, com este tipo de cidades. Por isso, foi muito fácil conseguirmos a primeira reunião e conseguir que a cidade de Lisboa nos ouvisse.
Entendemos que precisamos de ter mais mobilidade partilhada, de utilizar mais mobilidade elétrica, mas ainda estamos a tentar resolver o enquadramento legal e a maneira para fazermos isto, segundo a cidade, é: “Podem vir, podem fazer isso, mas têm de jogar conforme as regras e estas são as regras”. Também conversámos sobre qual é a nossa visão, onde pretendemos desenvolver o nosso projeto, para que seja ainda mais seguro e ainda mais fácil de operar e melhor para as pessoas de Lisboa.
Enquanto a questão da regulação ainda está a ser resolvida, de que forma é que pretendem educar os vossos clientes na utilização correta das trotinetes?
Toda a organização se focou muito para conseguir que isto começasse. Fazer isto em três meses significa que ainda não está tudo perfeito. Mas estamos muito cientes de que precisamos de fazer duas coisas: precisamos de implementar todos estes programas que podem ajudar e ter todos os conteúdos educacionais na app, que podem ajudar os clientes a entender realmente a segurança e a regulação.
Podemos pensar, por exemplo, que em vez de darmos incentivos aos próximos 5.000 clientes, fazendo um preço de 5 euros por viagem, talvez possamos colocar um capacete a metade do preço ou dar um capacete grátis às pessoas que aderirem à plataforma. De momento, estamos a pensar em todas estas coisas e estamos a trabalhar nelas.
A outra questão é que estamos muito cientes de que temos uma obrigação para definir de que forma podemos tornar tudo isto sustentável. Através de que formas podemos assegurar que estamos a fazer o melhor uso das baterias? Como podemos fazer para carregá-las com eletricidade renovável? São questões que queremos resolver.
Sabemos que na Alemanha, por exemplo, as trotinetes elétricas são proibidas de circularem nas ruas. Mas em alguns países têm começado a crescer. Como é que tem assistido a este crescimento?
A minha crença é a de que está a chegar. Posso dizer, por exemplo, que os órgãos de regulação na Alemanha têm trabalhado árdua e muito rapidamente e estão a planear lançar uma nova lei ou uma nova regulação para as e-Scooters em janeiro ou fevereiro. A partir desse momento, vão ser legais e vai ser possível circularem no país.
Da perspetiva da procura, é tão interessante que vai crescer, crescer e crescer. Todas as cidades e todos os países vão ter a obrigação de encontrar um enquadramento legal, porque as pessoas vão querer usar estes meios de transporte. Mas tanto as cidades como os fornecedores precisam de estar bem conscientes e serem muito cuidadosos para conseguirem a regulação certa. Não podemos deixar simplesmente tudo em aberto, depois vamos ver grandes “montes” ou centenas e centenas de trotinetes num canto da cidade, ou pessoas a atirá-las para a água ou para outro sítio. Juntamente com a cidade, precisamos de perceber a quantidade de trotinetes que são aceitáveis para um determinado ponto da cidade e onde serão disponibilizadas. Vamos, por exemplo, discutir a densidade das trotinetes.
Na minha ótica pessoal, isto não é sobre quantas trotinetes existem no total na cidade, mas sim quantas trotinetes vamos ter em cada ponto, porque se apenas tivermos 20 e as colocarmos a todas num monte num determinado canto da cidade, é muito irritante. É preciso resolver isto em conjunto e penso que à medida que a tecnologia e a conectividade melhoram — hoje não conseguíamos fazer isto sem isso –, vamos trabalhar para não permitir que as pessoas conduzam num passeio. A cidade de Lisboa, por exemplo, não quer isso e atualmente é ilegal, mas a nível técnico não podemos impedir as pessoas de não o fazerem, porque a ligação à Internet ainda não é o suficiente.
Até que ponto, tendo em conta a chegada de vários projetos de trotinetes elétricas, este mercado fica saturado? Qual é o papel do táxi nisto tudo?
Atualmente, penso que 60% das pessoas vivem nas cidades. Em 10 anos sabemos que vão ser 70%. A maioria dos quilómetros percorridos vão ser feitos nas cidades. E sabemos que em 2050 a quantidade de viagens vai triplicar em relação ao que é hoje. Vão chegar muitos mais novos modelos de transporte. O transporte e a mobilidade vão crescer constantemente e a questão é pensar como fazer a melhor utilização da indústria e ter tanto mais mobilidade como o menor número de aparelhos possíveis. O nosso desafio não vai ser ter demasiados promotores de mobilidade, o nosso desafio vai ser perceber como é que nós e os transportes públicos podemos trabalhar em conjunto e conseguirmos gerir a mobilidade de que precisamos.
Em projetos como estes, a sustentabilidade é sempre um fator tido em conta. De que forma é que a MyTaxi tem trabalhado neste sentido?
Penso que a diferença entre o negócio das trotinetes e o negócio da Mytaxi é que nós possuímos e operamos as trotinetes e, por isso, controlamos essas viaturas. No negócio dos táxis somos um mercado: controlamos a oferta e a procura, mas esses não são os nossos custos. Por isso, temos de arranjar formas indiretas de podermos influenciar esse desenvolvimento.
Estamos a fazer duas coisas: em primeiro, estamos a dar mais visibilidade a frotas mais amigas do ambiente. Acabamos de relançar a nossa app, agora temos diferentes tipos de frotas e isso depende das cidades e se temos oferta suficiente que nos permita colocar mais pessoas no mesmo carro ou num carro híbrido. Damos mais visibilidade a isso e, assim, estamos a dar mais voz à procura, para a procura poder dizer: “Eu quero viajar ecologicamente, se tiver escolha”.
Em segundo lugar, trabalhamos com as cidades e com os condutores e é algo em que temos de trabalhar cada vez mais. Temos de trabalhar com as cidades e os condutores, porque as cidades querem incentivar os donos dos carros a serem mais ecológicos. E podemos ajudar a cidade ao falar com as companhias de táxi e encorajá-las a serem mais sustentáveis, porque, ao mesmo tempo, a cidade é o nosso grupo de clientes, mas os condutores também são o nosso grupo de clientes. Damos a possibilidade aos condutores de serem mais modernos. Não temos as respostas, mas vamos ter de trabalhar nisto para ajudar a cidade e os condutores.
“Os taxistas não têm sido representados da melhor forma”
Recentemente entrou em vigor a nova lei das plataformas eletrónicas, a chamada “Lei Uber”. Foi também um período em que os taxistas protestaram bastante. Como tem seguido esta questão?
Acredito que os taxistas portugueses estão a entregar um serviço fantástico e estão felizes por mudar, em modernizar. Não têm medo — nem deveriam ter — da concorrência. Como negócio, a Mytaxi não tem medo da competição e até a encoraja. Queremos concorrência porque vai fazer com que façamos um trabalho melhor tanto para os condutores como para os passageiros. Ambos são o nosso público-alvo.
O que não está a funcionar como abordagem são aquelas pessoas — poucas pessoas — que na indústria do táxi dizem não à mudança, à modernização. O que acontece é que em algum momento, alguém vai dizer “Ok, agora vou implementar uma nova lei para que a concorrência seja justa” e depois a indústria do táxi acaba num lugar no qual se torna difícil para nós competirmos ao mesmo nível [do que os outros]. Penso que o papel da Mytaxi tem de ser servir como voz dos taxistas, porque acredito que os taxistas conseguem competir e querem modernizar e vão fazer um trabalho fantástico. Nós precisamos de ajudar estes taxistas a fazer isto, porque precisamos de uma maior flexibilidade, de uma regulação mais moderna.
O que distingue táxis e plataformas como a Uber aos olhos da lei em 12 pontos
Os condutores são fechados à modernização?
Não são os condutores que são fechados à modernização. Acredito que os condutores são capazes de fazer isso. Eles apenas não têm sido muito bem ouvidos ou não têm sido representados da melhor forma no passado. Também acredito que não há outra forma: as coisas estão a mudar a todo o momento. Os meus filhos vão fazer coisas diferentes do que nós fazemos agora. Acreditar que devemos empurrar a mudança para trás não vai funcionar. Em vez disso, precisamos de abraçar a mudança e de modernizar. Vamos fazer isso, os taxistas vão conseguir fazer isso e vão fazer um trabalho incrível.
Não quero que a Mytaxi seja vista como alguns dos nossos principais concorrentes, porque a diferença entre os nossos concorrentes e nós é que somos apenas a ferramenta para os táxis se modernizarem. Não forçamos ninguém a fazer nada. Os taxistas podem usar-nos, podem desligar-nos. Somos apenas a chave para entrarem na modernização.
Algumas pessoas ainda confundem esse papel?
Os condutores não. Os passageiros podem ter preferência por alguns destes serviços, mas todos eles transportam de A para B. Alguns fazem-no com mais conhecimento da cidade e sabem mais caminhos, mais restaurantes e têm conversas agradáveis enquanto conduzem. E estas são algumas das vantagens de apanhar um táxi. Talvez outros não sejam tão bons com isso, porque são menos treinados para este tipo de aspetos. Por isso, para os passageiros, essa diferença não é muito notável.
E em Portugal, como tem corrido a experiência da Mytaxi?
Fantástica. Em Portugal, temos cerca de 1.500 motoristas e estão todos felizes connosco. Somos amigos da indústria, crescemos lá e todos os meses temos mais motoristas e cada vez mais passageiros. Tem sido uma jornada fantástica até agora e a equipa local está a fazer um ótimo trabalho. Estamos aqui para ficar e queremos crescer ainda mais. Para isso, precisamos de modernizar.
E depois voltar a pensar na expansão para outras cidades portuguesas?
Agora, com a nova lei em vigor, primeiro precisamos de nos focar em encontrar mais flexibilidade e mais formas de operarmos em vez de expandirmos o serviço para as próximas cidades. Mas, tal como já disse, estamos aqui para ficar e estamos mesmo empenhados em fazer com que isto funcione. Queremos permitir que os taxistas ganhem dinheiro suficiente para alimentarem as suas famílias no próximo ano e nos anos a seguir.
“As cidades começam a olhar para a mobilidade de uma forma mais holística”
Estando a Mytaxi no mercado desde 2009, que diferenças há entre o início e atualmente?
No início, a indústria do táxi olhava para nós como se fôssemos perigosos. E penso que isso mudou muito. Agora, muitas empresas de táxi, muitos condutores aceitam-nos e estão muito felizes por estarmos cá, porque estamos a ajudá-los a terem um bom rendimento.
Também vemos que a utilização dos passageiros está a mudar a toda a hora. Quando a Mytaxi foi criada, os nossos dois fundadores tinham acabado de comprar o seu iPhone I e tinham acabado de fazer download da terceira app. E eles disseram: “Não seria interessante se pudéssemos fazer a nossa própria app?”. Agora olhem para o vosso telefone: tem inúmeras apps e usam-nas a toda a hora e é um iPhone X. Estas duas coisas mudaram e as cidades, que são o terceiro público alvo, tenho a sensação — talvez esteja errado — de que começam a olhar para a mobilidade de uma forma mais holística hoje. Sabemos que vai chegar um desafio no futuro, no que toca à mobilidade, mas as cidades já não olham para isso apenas da perspetiva do transporte público, olham de uma forma holística e mais smart, muito orientada para o futuro.
Como imagina a mobilidade no futuro?
Surpreendente. Acho que daqui a dez anos vamos ver mais meios de transportes partilháveis, menos carros individuais, mais eletricidade. E tudo isto não é visionário, não é ciência, toda a gente pode ver isto a chegar. Acredito que nas cidades que são fáceis de utilizar vamos ver as primeiras frotas autónomas, mas apenas os primeiros carros. Se forem para o centro histórico de Lisboa, vai ser muito difícil para os carros autónomos tornarem-se na norma e há mais detalhes da regulação que vão fazer com que demore muito mais tempo. Pode demorar 20 anos até os carros autónomos chegarem, mas penso que vamos ver os primeiros, porque, a nível técnico, deveremos estar prontos, em três ou quatro anos, para o fazer.
Mas as cidades também precisam de estar prontas.
Sim, definitivamente. Há duas coisas que vão adiar tudo isto. A primeira é olharmos para o local onde os testes dos autónomos estão a ser feitos: numa estrada muito segura e com condições meteorológicas melhores. Alguma vez chove quando estes testes estão a ser feitos? Imaginem que têm neve. As câmaras 3D, de infravermelhos, etc. que estão nestes carros vão ter bastantes problemas. E também a rede, que é muito importante para estes carros funcionarem, não vai estar a 100% em todo o lado. Os últimos 2% dos requisitos tecnológicos vão ser muito, muito difíceis. Para os primeiros 98% penso que a indústria estará pronta num ou dois anos, mais cedo ou mais tarde. Mas para chegar aos 100%, porque as vidas humanas são afetadas, vai demorar mais alguns anos.
A segunda questão são as questões morais das cidades e dos políticos para julgarem quem vai morrer no caso de um acidente. Vai ser muito difícil e eu próprio não quero ter de tomar essa decisão.
*Entrevista editada por Ana Pimentel