Uma autêntica princesa encantada, Margarida tinha beleza, estilo, estatuto, um reino e muita irreverência. Atrevia-se a seguir o instinto e a pensar fora da caixa do protocolo. Como resultado de tudo isto tornou-se uma figura incontornável, uma diva no altar da realeza, com bons e maus momentos sempre sob o escrutínio público. Mais do que ser “a irmã da rainha”, escreveu a sua própria história, da qual podemos escolher capítulos para nos inspirarmos, mas que na verdade não foi totalmente encantada.
Em dezembro de 2014 a revista Tatler fez capa com a princesa Margarida e o título “A derradeira princesa. Mais divertida do que Harry, mais bonita do que Kate, mais glamourosa do que Diana: a princesa Margarida tinha tudo” (“The ultimate princess. More fun than Harry, more beautiful than Kate, more glamorous than Diana: Princess Margaret had it all”). Mais de 10 depois da sua morte (em 2002) e com uma fotografia a preto e branco, que capta na perfeição o magnetismo da princesa, só um verdadeiro ícone manteria assim acesa a sua influência.
Margaret Rose, a segunda filha dos duques de York, nasceu a 21 de agosto de 1930. Viria a ficar conhecida como princesa Margarida, a irmã mais nova da rainha Isabel II. Durante 71 anos viveu entre o dever do seu estatuto e a vontade de controlar a sua vida. O público viu-a amar, sofrer, deslumbrar e sempre a acarinhou. Casou com o fotógrafo Anthony Armtrong-Jones de quem teve dois filhos, Lord David Linley (a 3 de novembro de 1961) e Lady Sarah (a 1 de maio de 1964). Amante das artes e devota das causas que abraçava tinha 80 organizações sob a sua alçada, das quais era patrona ou presidente.
A casa real impôs-lhe muitas limitações ao longo da vida, mas foi a saúde frágil que lhe complicou os últimos anos e, quis o destino, que morresse três dias depois do aniversário da morte do pai e apenas dois meses antes da morte da mãe. Volvidos 20 anos sem a princesa Margarida, celebramos a sua vida de contrastes com outras tantas vezes em que ousou marcar a diferença.
No interior da referida Tatler de 2014 que fez capa com a princesa, no artigo “How we loved her”, pode ler-se que era uma pessoa noturna e que gostava de sair à noite, por vezes, só voltava ao palácio de Buckingham às 4h00 da manhã. Mas a governanta guardava segredo e a rainha Isabel era descontraída. Até no dia em que o famoso fotógrafo Cecil Beaton fez o seu retrato do 19º aniversário, Margarida tinha estado a pé até às 5h30 da manhã. O que não a impediu de ficar deslumbrante.
Era uma amante das artes, adorava ballet e música, gostava de visitar igrejas, era uma ávida leitora e conversadora. Muitas das suas patronagens estavam relacionadas com crianças e com artes.
Na sua juventude a princesa apaixonou-se por um dos homens próximos do seu pai, o Capitão Peter Townsend e foi protagonista de um verdadeiro escândalo real seguido pelo público nos jornais. Só que ele era 16 anos mais velho do que ela e casado. Em 1952 divorciou-se, mas para Margarida se casar com ele teria de ser numa cerimónia civil, depois teria de viver no estrangeiro e perderia todos os privilégios e títulos reais. A relação não prosperou. O ano de 1952 foi aquele em que o pai morreu e a irmã se tornou rainha. A 31 de outubro de 1955 a própria princesa Margarida emitiu um comunicado onde afirmava que não se casaria com o Capitão Peter Townsend.
Quando a princesa Isabel se tornou rainha, a irmã tornou-se também sua súbdita. Em público, Margarida referia-se sempre à irmã como “a rainha”. Em privado continuava a ser Lilibet, como desde a infância era tratada no núcleo familiar.
A 9 de fevereiro de 2002 foi a rainha Isabel II que anunciou a morte da irmã em comunicado, onde se lia que a princesa tinha morrido durante o sono pelas 6h30 da manhã no Hospital King Edward VII. Três dias antes tinham-se cumprido 50 anos sobre a morte do pai de ambas, o rei Jorge VI. Numa escolha rara para um membro da família real, a princesa foi cremada e as cinzas colocadas na Capela Memorial King George VI, na Capela do St. George do Castelo de Windsor.
A princesa Margarida não tinha qualquer problema em dar-se com celebridades. Eram visitas recorrentes no palácio de Kensington, Rudolf Nureyev, Gore Vidal, Dame Margot Fonteyn e Peter Sellers. Numa biografia de Sue Mengers, que ficou conhecida como a “primeira superagente de Hollywood”, o autor, Brian Kellow, descreve uma festa que Mengers deu em Beverly Hills, em 1979, em honra da princesa Margarida. Neste evento Jack Nicholson ter-se-à aproximado da princesa para lhe oferecer cocaína com o propósito de a conhecer melhor. Margarida recusou a oferta, mas não ficou ofendida, ficou na festa até às 00h30 e dançou várias vezes com John Travolta.
Em fevereiro de 1960 a rainha anunciou o seu consentimento para o noivado da princesa Margarida com Anthony Armstrong-Jones. A mãe do noivo, embora fosse uma condessa, era divorciada, por isso alguns meios ficaram um pouco chocados. O público, por seu lado, adorou. E a 6 de maio de 1960 aconteceu o casamento, na Abadia de Westminster. Foi o primeiro casamento real a ser transmitido para todo o mundo e foi visto por 300 milhões de pessoas.
No dia a seguir ao casamento, os noivos estiveram presentes numa receção de pequeno-almoço com champanhe no palácio de Buckingham e depois partiram em lua de mel a bordo do Iate Real Britannia. Ao longo de seis semanas pelas Caraíbas, visitaram ilhas como Trinidad, Antígua ou Mustique, onde a princesa viria a ter uma casa.
Em 1958 Colin Tennant comprou a ilha de Mustique, nas Caraíbas, e deu um terreno como presente de casamento à princesa Margarida, que mandou construir uma villa, Les Jolies Eaux, que apareceu duas vezes na revista Architectural Digest. Dizia que era “o único sítio onde conseguia relaxar”, seguindo para a ilha duas vezes por ano, viagem que adorava. A Town&Country conta a história de amor entre a princesa e a ilha, que em 1996 Margarida deu a casa ao filho, David Linley, que por sua vez a vendeu em 2001 a um empresário americano.
Em outubro de 1960 o marido da princesa recebeu os títulos de conde de Snowdon e visconde Linley, apesar de continuar a trabalhar como fotógrafo. Nos primeiros anos de casados andavam juntos de mota pelas ruas de Londres e estavam destinados a ser o casal modelo na Inglaterra dos anos 60. Separaram-se em 1976 e o casamento acabou em 1978.
Norman Hartnell foi o criador do vestido de noiva da princesa, o mesmo que desenhou também o vestido da rainha, quando esta se casou com o príncipe Filipe em 1947. Contudo o vestido da princesa Margarida foi muito diferente, até para a época. Em organza de seda branca tinha um decote em V, manga comprida, uma cintura muito justa, uma saia redonda muito ampla (com 30 metros de tecido) e não tinha qualquer decoração. A riqueza do vestido estava na sua silhueta, como se ajustava ao corpo da noiva e deixava brilhar a sua beleza. A revista Life declarou-o, na altura, “o vestido de noiva real mais simples da História”.
No dia do seu casamento a princesa Margarida desviou-se da tradição e, em vez de usar uma tiara emprestada da coleção real, escolheu usar uma tiara sua. Segundo a Tatler, ela própria comprou a tiara Poltimore, uma joia criada pela casa joalheira Garrard na década de 1870 para Lady Florence Poltimore, que a usou na coroação do rei Jorge V, em 1911. Em 1959 o seu neto, 4º barão Poltimore vendeu a tiara à princesa em leilão, por 5500 libras (aproximadamente, 6500 euros), a joia também podia ser usada como colar.
A tiara Poltimore era uma joia particular — quando a princesa morreu, ela passou como herança para os filhos, assim como muitos outros acessórios preciosos. Em junho de 2006 a casa Christie’s realizou o leilão “Jewellery and Faberge, from the Collection of H.R.H The Princess Margaret, Countess of Snowdon”, no qual foram vendidas mais de 180 joias, relógios e acessórios. Só a tiara Poltimore ultrapassou um milhão de euros de valor de venda.
Nos anos 70 a princesa Margarida teve um caso com Roddy Llewellyn, um jardineiro paisagista 18 anos mais novo do que ela. Conta a Vanity Fair que se conheceram no início da década na festa de verão anual de Colin e Anne Glenconner e que estiveram juntos oito anos, quando a relação chegou ao fim, em 1981, continuaram com uma relação de amizade. Apesar de passarem tempo em Mustique, não passaram despercebidos na imprensa.
Reinaldo Herrera, amigo da família real, escreveu um artigo na revista Vanity Fair, em 2016, sobre a relação entre as duas irmãs, Margarida e Isabel, a propósito dos 90 anos da rainha. Conta que “a rainha era uma estrela”, e acrescenta “sente-se, na sua presença, o poder e dignidade de uma monarca coroada e consagrada, seja o que for que ela esteja a fazer. Mas quanto à princesa Margarida, descreve-a de outra forma: “ela era uma mulher perspicazmente inteligente, curiosa sobre arte, religião, sexo e filosofia – e, claro, bons mexericos. Em privado, ela era também uma maravilhosa mímica e atriz e sabia todas as letras de canções populares e odiava quando nós não sabíamos.”
A princesa Margarida e a rainha tinham uma linha telefónica direta entre os palácios de Kensington e de Buckingham. Falavam-se todos os dias.
Em 1947 Christian Dior realizou o primeiro desfile de moda em nome próprio. A coleção, onde se destacava uma silhueta com cintura justa e saia rodada ampla, foi um sucesso e batizada de New Look. A rainha, a rainha-mãe e a princesa Margarida ficaram a conhecer a nova tendência num desfile privado na embaixada de França em Londres, com o próprio Dior. A princesa ficou fã do New Look e foi decisiva para o sucesso do estilo no Reino Unido, uma vez que o uso de muito tecido era ainda mal visto, num pós-guerra com limitação, como os livros de racionamento, segundo o Telegraph.
Foi no evento com o Mr. Dior na embaixada que a jovem princesa encomendou o vestido da festa do seu 21º aniversário (em 1951) ao qual ela se referiria como “o meu vestido preferido de todos”, conta a Harper’s Bazaar. A princesa foi fotografada na ocasião por Cecil Beaton e o vestido, uma rica criação de Alta Costura bordado, tornou-se icónico e foi a peça em destaque na exposição “Dior: Designer of Dreams” que celebrava os 70 anos da casa Dior. Depois de se estrear no Museu das Artes Decorativas em Paris, em 2017, seguiu para o Museu Victoria & Albert, Londres, em 2019. O vestido esteve nesta exposição como um empréstimo do Museu de Londres, ao qual a princesa doou este vestido em 1968, bem como o vestido que usou na coroação da irmã.
A princesa Margarida era uma apreciadora de Famous Grouse.
No livro “Ma’am Darling: 99 Glimpses of Princess Margaret”, escrito por Craig Brown, pode ler-se a sua rotina matinal. Começava o dia às 9h00 com “o pequeno-almoço na cama, seguido de duas horas a ouvir rádio, a ler os jornais (que deixava espalhados pelo chão) e a fumar em chaminé”. Depois, tomava um banho de uma hora, tratava do cabelo e da maquilhagem e descia às 12h30 para tomar um vodka estimulante e almoçar uma refeição informal de quatro pratos.