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Após o ataque iraniano contra Israel, um dos memes mais partilhados por contas árabes nas redes sociais era um do Rei da Jordânia, Abdullah II, vestido com a farda das Forças de Defesa de Israel. A imagem servia como uma crítica à atuação do monarca, que deu luz verde para que os pilotos da Força Aérea jordana intercetassem alguns drones e mísseis que o Irão lançou contra solo israelita. O facto de a Jordânia, um país muçulmano com maioria sunita, estar a ajudar um Estado judaico que muitos veem como inimigo irritou parte da sociedade jordana.
A Jordânia é ainda um país que acolhe vários refugiados da Palestina, que acabaram por sair em 1948 de territórios ocupados hoje em dia por Israel, numa vaga de êxodo massivo de palestinianos rumo a Estados vizinhos. Daí ter havido tantas críticas. Por exemplo, a diretora do suplemento AJ+ — do canal Al Jazeera — Dima Khatib, indignava-se nas redes sociais: “Os países-irmãos estão a responder não ao ataque de drones e mísseis israelitas contra a Palestina, mas a um ataque contra Israel. Há cidadãos árabes que estão dispostos a premir o gatilho para proteger Israel e a assistir aos palestinianos a ser bombardeados. Uma cena nova e chocante”.
Não foi só a Jordânia que ajudou Israel a defender-se dos ataques iranianos. Segundo apurou o Wall Street Journal, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos desempenharam um papel essencial para ajudar Telavive a preparar-se defensivamente para os mais de 300 drones e mísseis lançados pelo Irão. As autoridades dos dois países do Golfo passaram informações confidenciais e até abriram o espaço aéreo para permitir a entrada de aeronaves de outros países.
King Abdullah II bin Hussein of Jordan is dissatisfied with the reaction of Muslims on social networks to his actions to protect Israel, and the Jordanian Foreign Ministry called Iranian ambassador and told him that it was necessary to “stop insulting and questioning the position… pic.twitter.com/UoAxyeUtBx
— S p r i n t e r F a c t o r y (@Sprinterfactory) April 14, 2024
As informações nunca foram diretamente enviadas para Israel — aliás, a Arábia Saudita nem sequer tem relações diplomáticas com o país. Fundamentais para esta coligação de “países árabes moderados” foram os Estados Unidos da América (EUA), que coordenaram esforços para que esta aliança informal desse provas de que estava viva. No entender do jornalista israelita que escreve para o jornal The Economist, Anshel Pfeffer, este esforço foi “significativo” e “ajudou certamente a salvar muitas vidas”.
Falta de simpatia pelo Irão e foco na relação com os EUA. A ajuda a Israel da Jordânia e do países do Golfo
Tal como se vê pela caricatura do Rei jordano, a defesa de Israel não foi bem recebida por muitos muçulmanos, irritados ainda para mais com a falta de assertividade demonstrada por vários governos sobre a guerra em Gaza. Ignorando o peso da opinião pública, a Jordânia e a maioria dos países do Golfo deram a mão a Telavive.
Como assinala o analista Steven Cook, pertencente ao think tank Council on Foreign Relations, ao jornal New York Times, os países árabes “deixaram para trás” momentaneamente os “seis meses de tensão muito significativa” decorrentes da guerra em Gaza. O motivo? Por muito que odeiem Israel, ainda odeiam mais o regime iraniano. Ao mesmo tempo, estes Estados estariam numa melhor posição para “pedirem” a Washington para que “faça alguma coisa para refrear” os israelitas de uma possível retaliação, o que colocaria o Médio Oriente em guerra — um cenário indesejado por todos.
A Jordânia foi o país que naturalmente recebeu mais críticas, uma vez que a destruição de drones iranianos foi visível e assumida pela autoridades. Ainda assim, o governo insiste que esta ação serviu simplesmente para salvaguardar os interesses jordanos. Citado pelo New York Times, o antigo ministro da Informação Samih al-Maaytah recordou que o país tem o dever de “proteger as suas terras e os seus cidadãos”: “O que a Jordânia fez foi simplesmente proteger o seu espaço aéreo”. E o antigo governante elaborou ainda mais resposta, assegurado que Amã não se vai envolver numa “guerra sombra” entre Teerão e Telavive.
No comunicado oficial publicado este sábado à noite, o governo jordano tentou manter a mesma linha neutra, sem nunca mencionar a defesa de Israel: “Alguns objetos que entraram no nosso espaço aéreo foram intercetados, porque representavam uma ameaça à nossa população. Alguns fragmentos caíram no território do país sem causar qualquer dano”.
Antes de qualquer ajuda prestadas pela Jordânia e pelos países do Golfo, os Estados Unidos tiveram de os convencer — e não foi uma tarefa inicialmente fácil, dado que havia o risco de deflagrar um conflito regional ou mesmo mundial, caso Telavive retaliasse imediatamente. “O desafio foi trazer todos estes países para o lado de Israel, numa altura em que Israel está isolado na região”, comentou um diplomata ao Wall Street Journal.
Além de combinarem com a Jordânia uma ação defensiva a Israel, os EUA reuniram-se com dirigentes do Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita, sendo que a ajuda prometida por estes dois países passou mais despercebida, ainda que se tenha revelado vital para que houvesse uma preparação adequada para a ofensiva iraniana. De acordo com o Wall Street Journal, os governos de Abu Dhabi e de Riade comprometeram-se a enviar para Washington todas as informações confidenciais que o Irão lhes transmitia.
O Irão talvez soubesse de antemão do envolvimento saudita, jordano e emiradense; e a ajuda daqueles três países aos Estados Unidos e a Israel talvez fizesse parte do plano. Por um lado, o ataque contra Israel nunca seria fatal ao ponto de motivar uma retaliação direta e dura de Israel, evitando-se, assim, uma guerra regional. Por outro, mostrava que Teerão é o único líder da resistência contra Telavive e a guerra em Gaza, o que poderá aumentar as simpatias pelo regime iraniano no mundo árabe.
Um antigo membro dos serviços secretos jordanos, Saud al-Sharafat, disse ao Washington Post que as ações da Jordânia “criaram pressão” no governo. “O Irão queria transmitir muitas mensagem: a primeira era responder a Israel, outra era embaraçar politicamente a Jordânia”. No mesmo sentido, àquele jornal, H.A. Hellyer, membro do think tank Carnegie Endowment for International Peace, salienta que esta ação pode dar força à tese de que o regime iraniano é o “líder da resistência” contra Israel.
O que ganham a Jordânia e os países do Golfo com esta atuação?
Apesar de não terem a opinião pública do seu lado e de até poderem sair com mazelas na sua reputação, os governos da Jordânia e dos países do Golfo sabem que podem ganhar algo com esta ação defensiva de Israel. Acima de tudo, estes Estados mostraram que são parceiros confiáveis de Washington, país do qual já eram aliados. No entanto, ao longo destes últimos meses, a defesa pública norte-americana do conflito em Gaza beliscou as relações de Washington com o Médio Oriente.
No que diz respeito à Jordânia, o país continua muito preocupado com a influência do Irão na região e com os seus planos. O regime jordano está rodeado de aliados iranianos: do grupo xiita Hezbollah no Líbano às milícias pró-Teerão no Iraque. Como lembra o Hareetz, recentemente, o líder da fação iraquiana do Hezbollah declarou que gostaria de contar com jordanos para uma “frente de resistência” contra Israel, podendo aumentar a sua influência política.
Para o regime do rei Abdullah II, o avanço do Hezbollah na Jordânia poderia colocar em risco o seu regime. Ou seja, mais do que ganhos no futuro, impedir o avanço do Irão na região é algo que faz parte dos interesses vitais do governo da Jordânia. Para além disso, Amã deseja, como frisa o Wall Street Journal, ganhar influência junto do governo israelita e, quem sabe, poder ter uma palavra a dizer no momento em que Telavive decidir terminar com a guerra em Gaza.
Mostrando-se como um parceiro em quem os Estados Unidos podem contar, como ficou demonstrado neste episódio, na eventualidade de o Hezbollah ou o Irão aumentarem o seu peso na Jordânia, o regime espera que, nesse cenário, Washington lhe dê a mão.
No caso da Arábia Saudita, Yasmine Farouk, membro do think tank Carnegie Endowment for International Peace, acredita que Riade vê esta ajuda como um avanço importante para um eventual pacto de defesa entre as autoridades norte-americanas e sauditas.”O que os países do Ocidente, sob a liderança dos EUA fizeram para proteger Israel, é exatamente o que a Arábia Saudita quer”, sublinha a especialista.
A Arábia Saudita (e também os Emirados Árabes Unidos) temem uma possível ofensiva dos Houthis (o grupo do Iémen pró-Irão com quem combateram durante anos no Iémen) ou das milícias xiitas. Daí que o apoio norte-americano seja essencial, apesar de Riade ter recentemente reatado relações diplomáticas com Teerão. Contudo, a desconfiança entre os dois países mantém-se, uma vez que o Irão continua a expandir a sua influência no Médio Oriente.
Os países do Golfo ganham igualmente outro trunfo perante os Estados Unidos: insistir na importância de que a guerra em Gaza termine. A população daqueles países tem-se insurgido de forma cada vez mais intensa contra o conflito e contra Israel, o que pode aumentar as simpatias com o Irão.
Assim sendo, acabando a operação militar israelita, isso daria menos margem de manobra a Teerão para se mostrar como o líder de um “eixo de resistência”. E uma aliança destes países com Washington seria mais aceite, sem motivos de contestação, pela população da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos.