Em “choque total”. Não parece haver outra maneira de descrever o estado de espírito do PS, que acordou convencido de que contava com três anos de governação pela frente e, pela hora de almoço, assistia em direto à inesperada queda de António Costa. “Chocado” — uma expressão histórica que remete para o ânimo com que António Guterres recebeu, nos idos de 1991, a notícia da derrota de Jorge Sampaio contra Cavaco Silva –, o PS move-se agora com cautela, empurrando o ónus da convocação de novas eleições para Marcelo Rebelo de Sousa e adiando o tiro de partida para sua própria corrida à sucessão. No delinear da estratégia está a ser incluído um dos nomes mais falados para esse capítulo: Pedro Nuno Santos.
No Largo do Rato, onde fica a sede nacional do PS, estão todos os cenários em cima da mesa e as tropas socialistas só reagem, para já, de uma forma: com gelo nos pulsos. Foi preciso ouvir Carlos César, ao final da tarde, avisar que o PS estaria preparado para tudo — tanto para um cenário de eleições antecipadas como apenas de substituição do primeiro-ministro, caso Marcelo Rebelo de Sousa decidisse não dissolver a Assembleia da República –, para se começar a traçar o caminho dos socialistas, ficando claro que as decisões estarão, pelo que depender do PS, apenas nas mãos do Presidente.
Por outras palavras: neste momento, impõe-se “não comprometer a posição do PS”, como descreve um dirigente socialista. E adiar problemas internos. Por isso mesmo, nas conversas que estão a ser levadas a cabo está, segundo apurou o Observador junto de várias fontes, a ser também ouvido Pedro Nuno Santos, o socialista que tem sido sempre apontado à sucessão de António Costa no PS.
[Já estreou “O Encantador de Ricos”, o novo Podcast Plus do Observador que conta a história de Pedro Caldeira e de como o maior corretor da Bolsa portuguesa seduziu a alta sociedade dos anos 80 — e perdeu os milhões que lhe confiaram. Pode ouvir o primeiro episódio aqui.]
Quando saiu do Governo, Pedro Nuno Santos também saiu dos órgãos do partido, mas a direção socialista sabe que o ex-ministro tem recusado sempre outra forma de chegar ao topo que não seja através de eleições, por isso a sua opinião está a ser ouvida neste processo de tomada de decisão. O que Pedro Nuno pensa é importante se os socialistas quiserem evitar uma guerra interna — isto caso Marcelo siga o caminho de não convocar eleições antecipadas.
Afinal, entre socialistas, e apesar de o cenário de eleições antecipadas se colocar como o mais provável, existe quem argumente que não é assim tão líquido que o Presidente da República precise de chamar os portugueses às urnas — colocando o ónus da decisão em Belém. O cenário de não dissolução é visto como possível e, segundo algumas fontes, até desejável.
“Estamos dependentes do Presidente”, resume um deputado ouvido pelo Observador. “O PS veio reforçar que há dois cenários – e não apenas o que muita gente parece dar por adquirido, o de eleições”, traduz um socialista com responsabilidades na bancada parlamentar do PS. A argumentação é simples: houve eleições há pouco tempo (um ano e meio), o PS conta com uma maioria absoluta no Parlamento, tem um excedente orçamental e uma dívida pública a descer, “tudo no meio de uma crise económica e geopolítica de dimensões imprevisíveis”. “Será razoável e aconselhável o cenário de eleições antecipadas?”, questiona a mesma fonte. Outra fonte acrescenta convicta que, por tudo isto, “o Presidente não quer eleições”.
Outro responsável socialista acrescenta argumentos a favor desse raciocínio: por um lado, o Presidente da República não quereria gerar um clima de instabilidade que colocasse a execução do Plano de Recuperação e Resiliência, cuja importância tem sublinhado constantemente, em risco. Nem permitir que se desenhasse um cenário de uma aliança, qualquer que fosse a sua forma, entre PSD e Chega em São Bento — Luís Montenegro já disse que não, mas os cálculos pós-eleitorais, insistem o PS, poderiam mudar os contornos do caso.
Ao longo de todo o dia foi sendo muito apontada a prova mais evidente de que Marcelo deverá mesmo convocar eleições: afinal, foi o próprio Presidente da República que, logo no dia da tomada de posse deste Governo, fez depender a continuidade do Governo da permanência de António Costa, tão pessoalizada que tinha sido a eleição que deu a maioria absoluta do PS (e estando os próprios socialistas convencidos de que Costa foi um ativo eleitoral precioso). Mas entre socialistas há quem agora diga que isso valia noutro cenário, que agora não se verifica.
Ou seja, nessa altura Marcelo estava a colocar “um cenário em que o primeiro-ministro quisesse voluntariamente abandonar” o cargo para rumar a Bruxelas e ocupar a liderança do Conselho Europeu — não num quadro de “crise política repentina e inesperada”, a somar-se a uma “crise internacional”, considera um socialista. Outra fonte, já citada, insiste que o cenário atual é “diferente”, e que sem que Costa “abandone para a Europa” os critérios de Marcelo também podem mudar: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, sentencia.
A saída de Costa foi inesperada e os socialistas ainda estão a tentar apanhar os cacos e a traçar um caminho que, desejam a todo o custo, não venha a significar uma qualquer rutura interna. Tudo isso está a ser feito com cautelas e a própria saída de António Costa da liderança do PS está por anunciar. A partir do momento em que esse facto for assumido, começa automaticamente o processo de sucessão no PS e, com isso, uma potencial divisão interna que poderia prejudicar o partido em cima de eleições nacionais antecipadas.
Pedro Nuno Santos será o homem com mais tropas no aparelho do PS, mas contava com mais tempo para se preparar para uma futura corrida, numa altura em que está há cinco semanas a tornar públicas as suas posições políticas — e a demarcar-se em várias vertentes de António Costa — no seu espaço de comentário da SIC.
Mas não será o único a fazer contas à vida, uma vez que no PS continuam a circular nomes como os de Mariana Vieira da Silva (a segunda figura na orgânica do Governo), Fernando Medina, Ana Catarina Mendes ou até Francisco Assis — que já esta terça-feira foi referido pelo socialista Ascenso Simões, num artigo de opinião no Expresso.
Por tudo isto, por agora, o objetivo assumido pelos socialistas é só um: não necessariamente defender que o PS deve continuar no Governo sem ir a eleições, mas sublinhar com força que tudo depende de Marcelo Rebelo de Sousa — e o PS não ajudará o Presidente fazendo nenhum tipo de pressão por uma ou outra solução, como os outros partidos foram fazendo a partir da notícia da saída de António Costa.
Choque e contenção
Ao longo do dia, o sentimento do partido liderado por Costa foi sempre de choque. Em conversa com o Observador, vários socialistas e dirigentes do PS não deixaram margem para dúvidas sobre o seu estado de espírito: a notícia da queda de Costa era “inimaginável”, deixou o partido em “choque” e “totalmente surpreendido”, e, na sequência de todas as polémicas e casos que envolveram este Executivo, foi até uma forma “ingrata” de cair.
Se de manhã, perante as primeiras notícias de detenções e buscas a envolverem membros do seu Governo e do seu círculo mais próximo, havia já no PS quem sentenciasse que António Costa estava a lutar pelo seu presente e futuro políticos”, ao início da tarde a previsão confirmava-se de forma ainda mais dramática do que o PS imaginara. Pelas 14h00, Costa confirmava não só que se demite, mas também que não se recandidata ao lugar de primeiro-ministro — o que acelerará as contas da sucessão que o PS estava a contar só ter de concretizar em 2026.
Essas contas começam obrigatoriamente a ser feitas esta quarta-feira ao final da tarde, quando uma delegação socialista se deslocar a Belém para ouvir — mais do que argumentar contra ou a favor — a posição de Marcelo Rebelo de Sousa. Na quinta-feira, depois de ouvir o que o Presidente da República tiver a dizer ao país, os socialistas que fazem parte da Comissão Política Nacional reunir-se-ão no Largo do Rato para decidir os próximos passos. Para já, a ordem é de silêncio. E contenção.