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Intervenção de Costa este sábado foi lida no PS como o caminho a seguir: não atacar diretamente o MP e defender as decisões políticas.
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Intervenção de Costa este sábado foi lida no PS como o caminho a seguir: não atacar diretamente o MP e defender as decisões políticas.

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Intervenção de Costa este sábado foi lida no PS como o caminho a seguir: não atacar diretamente o MP e defender as decisões políticas.

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

PS evita choque direto com Ministério Público. "Tese da cabala é armadilha"

Socialistas caminham em gelo fino e tentam expor potenciais erros do Ministério Público e defender ações do Governo sem passar ao ataque direto. PS acha perigoso fazer da Justiça tema de campanha.

A semana de caos político trouxe ao PS (mais) um dilema delicado: com um Governo demissionário, uma maioria absoluta desfeita e um cenário político incerto pela frente, o partido precisa agora de dosear a forma como lida com a dimensão judicial do caso, ainda traumatizado pelos “tempos de má memória” do processo Casa Pia, em que embateu contra o Ministério Público. Desta vez, os socialistas recusam voltar a chocar de frente com a Justiça, mas não deixam de tentar uma estratégia mais subtil — que também tem por objetivo expor os potenciais erros, ou más interpretações, do processo.

Diversos responsáveis e dirigentes socialistas deixam claro, em conversa com o Observador, que desta vez o caminho tem de ser outro: uma coisa é defender os processos de decisão política deste Governo, outra é comprar uma guerra com o Ministério Público e voltar à famigerada tese da “cabala”.

Os dois candidatos à liderança do PS também já falaram no assunto, sinalizando que esse será, ganhe quem ganhar, o caminho a seguir. Pedro Nuno Santos foi mais claro. Esta segunda-feira, dia em que apresentou a sua candidatura, fez questão de repetir garantias de respeito pela Justiça e de se afastar o processo, indicando que os seus apoiantes devem fazer o mesmo: “O PS não vai passar os próximos quatro meses a discutir um processo judicial”, atirou. Já José Luís Carneiro, na primeira entrevista que deu no papel de candidato, tinha feito a defesa do “Estado de Direito e as suas instituições” e da “transparência e prestação de contas”, evitando comentar o processo em si.

Foi também neste sentido que a intervenção de António Costa — uma rara declaração aos jornalistas feita num sábado à noite, a partir de São Bento — foi “milimetricamente” preparada, mesmo que tenha imediatamente provocado, do lado da oposição, acusações de estar a interferir no processo, de ter deixado de lado o seu mantra habitual — “à justiça o que é da justiça” – ou de se querer “vitimizar”. A sua declaração feita a partir de São Bento, como primeiro-ministro, foi descrita pela oposição como uma resposta direta e inusitada aos processos que estão a ser investigados pela Justiça.

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Do lado do PS, a declaração de Costa foi vista como tendo sido preparada com “precisão”, procurando precisamente passar a mensagem de que é preciso concentrar na decisão política e não nas ações do Ministério Público. Até porque o primeiro alerta deixado a partir do topo do partido — mesmo que à porta fechada ou em conversas privadas se ouçam inúmeros socialistas irritados com o processo e abertamente críticos das suspeitas levantadas pela Justiça — é que “o adversário do PS é a direita, e não o Ministério Público”.

Estando o PS já ciente de que irá "lidar com um problema de reputação" na campanha eleitoral que aí vem, a convicção reinante é que o regresso de "teses cabalísticas" é a pior estratégia que poderia adotar: "Essas remetem-nos para tempos de má memória, não têm aderência junto do povo e não são eficazes junto da população", garante um deputado socialista. O governante já citado lembra precisamente como uma má estratégia o que se passou na altura do processo da Casa Pia.

A ideia é repetida, ipsis verbis, por várias fontes que insistem: o Ministério Público não pode, em caso nenhum, ser diretamente apresentado como um inimigo do PS. “O adversário político não deve ser o Ministério Público. Esse deve ter liberdade e meios para exercer a sua atividade”, insiste um dirigente do partido. Quando questionado sobre se o PS avançará contra o MP, um governante atira de imediato: “Não podemos. É um erro.” “Devemos respeitar o funcionamento do Ministério Público”, acrescenta um dirigente do partido que diz até que o PS deve aproveitar o momento para lembrar que “se a Justiça tem hoje meios para combater a corrupção como nunca teve e a autonomia que tem é porque isso foi, em grande medida, construído pelo PS e pelo António Costa”. E, pelo caminho, sublinhar: “O PS não está sob investigação”.

Estando o PS já ciente de que irá “lidar com um problema de reputação” na campanha eleitoral que aí vem, a convicção reinante é que o regresso de “teses cabalísticas” é a pior estratégia que poderia adotar: “Essas remetem-nos para tempos de má memória, não têm aderência junto do povo e não são eficazes junto da população”, garante um deputado socialista. O governante já citado lembra precisamente como uma má estratégia o que se passou na altura do processo da Casa Pia.

Assim, no partido, a única alternativa apresentada a esta é não falar de todo na Justiça, nesta fase. E, a propósito, há até quem critique a intervenção pública de António Costa não só no sábado à noite, como as declarações que fez à porta da sede nacional do PS, na quinta-feira passada. “António Costa está a mostrar que não percebe o que está a acontecer. Na circunstância em que está não tem de fazer declarações”, considera um socialista.

A relação com a Justiça é ultrassensível para os socialistas, que ainda há um ano tiveram de pensar neste mesmo assunto, quando o Governo lidava com uma outra situação delicada também desencadeada por processos judiciais. Já nessa altura, internamente questionava-se a ação da Justiça, mas para fora refreava-se qualquer reação que pudesse soar ao revisitar da “tese da cabala” — o período da relação mais tensa com o Ministério Público e que ainda hoje é lembrado como problemático e imediatamente afastado como estratégia política. Mais ainda agora que o partido lida com a dissolução da sua maioria parlamentar e avança simultaneamente para eleições internas e nacionais.

Se promover teorias da conspiração contra o Ministério Público, o PS "presta-se um mau serviço a si e à democracia", mas se se "demitir de manter as condições objetivas para exercer poder" também. Ou seja: o partido está convencido de que é preciso defender as ações dos governos que, não recebendo "contrapartidas" por isso, "aceleram" processos e procedimentos, sobretudo com o fim de atrair investimento estrangeiro

PS e Ministério Público. “Não é uma cabala”, mas há “dilúvio acusatório”

Por isso, “a estratégia do PS é clara: não é o Ministério Público que vai a eleições, são os partidos. Apresentamo-nos com a tranquilidade do capital de confiança que conquistámos nestes oito anos. Estamos focados nisso”, garante um dirigente do PS ao Observador.

Além disso, baralhar no mesmo saco todos os factos que se vão conhecendo pela comunicação social – incluindo factos pelos quais o PS sabe que tem de pedir desculpa, como Costa reconheceu, nomeadamente os envelopes de dinheiro encontrados no gabinete de Vítor Escária — “seria obsceno” e não ajudaria o PS a defender as suas razões.

E quais são essas razões? Se promover teorias da conspiração contra o Ministério Público, o PS “presta-se um mau serviço a si e à democracia”, mas se se “demitir de manter as condições objetivas para exercer poder” também, resume uma fonte já citada. Ou seja: o partido está convencido de que é preciso defender as ações dos governos que, não recebendo “contrapartidas” por isso, “aceleram” processos e procedimentos, sobretudo com o fim de atrair investimento estrangeiro — e quer fazer essa defesa da honra tentando não violar a fronteira de se meter no trabalho do Ministério Público.

Foi essa a estratégia que António Costa tentou pôr em prática no sábado, de várias formas: quando frisou que é preciso acolher investimento e que o cumprimento da lei não deve colocar os decisores numa situação de “paralisia” e medo; quando defendeu a importância de aplicar a lei “com inteligência” e responder pelos atos que pratica”; e quando frisou que a ação política “não é delegável em qualquer competência técnica”.

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Nas entrelinhas, Costa acabava por defender um princípio muito semelhante ao defendido pelo advogado de Diogo Lacerda Machado, Magalhães e Silva, que no início da semana criticava o Ministério Público por “criminalizar um processo político-administrativo“. “O Ministério Público não pode fazer avaliação de matérias políticas”, acrescenta um socialista com esta mesma perspetiva.

E é essa a tese defendida no partido: é preciso explicar que, se não se provar que existiram “contrapartidas” para os membros do Governo acelerarem os processos relacionados com o centro de dados de Sines, o que se passou pode não ter sido mais do que um processo de influência e decisão política, que o PS quer pintar como sendo normal num contexto em que é preciso atrair investimento estrangeiro.

“Captar um investimento para o país requer muita capacidade de persuasão e de influência. Não há indicação de alguém ter recebido o que quer que seja em troca”, frisa uma fonte do partido. “É normal o Governo acelerar processos dentro da lei”, sublinha outra. E há mesmo quem frise que o resultado do processo, em que “se está a bloquear uma Auto Europa”, não pode significar que os próximos Governos fiquem com medo de “exercer poder”.

“Não se pode pedir explicações ao Governo sobre o seu trabalho e ação, nomeadamente sobre a atração de investimento estrangeiro, e quando se dirige ao país criticá-lo por isso. [António Costa] foi dar uma explicação sobre como funciona o Governo em matéria de investimento externo e foi dar um sinal aos investidores — e sabemos que Portugal precisa muito de investimento estrangeiro”, justificava o vice-presidente da bancada socialista Francisco César, este domingo, na SIC, reforçando que “o PS não deve interferir na Justiça: o que devemos fazer é dar um esclarecimento cabal de como o Governo trabalha e como se comporta do ponto de vista da atração de investimento”.

Se no partido há quem tenha vontade de ter uma ação "mais crítica e interventiva" para sinalizar claramente "erros grosseiros" da investigação, também existe a consciência de que isso seria "cair numa armadilha": "É aí que a direita quer colocar-nos, a discutir o Ministério Público e a Justiça".

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A tese que impera no PS fica assim sintetizada, embora os graus em que as reações se vão sucedendo nem sempre sejam iguais. À porta fechada, na Comissão Política Nacional, o líder parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, terá defendido que “a política não pode ser dirigida pelo Ministério Público”, segundo a Lusa.

Lá dentro, mas também publicamente, a deputada e constitucionalista Isabel Moreira defendeu que o último parágrafo do comunicado emitido pela Procuradoria-Geral da República, que António Costa apresentou como justificação para se demitir, é uma “nódoa” no sistema judicial. E a deputada e ex-ministra Alexandra Leitão veio avisar num artigo de opinião publicado pelo Expresso que, se os tribunais ilibarem o primeiro-ministro, “então não foram apenas António Costa e o Governo que foram postos em causa, foi o próprio Estado de direito democrático“.

Ainda assim, para já, a estratégia para fora vai procurando ser cautelosa. Por um lado, o partido empenha-se em mostrar-se “solidário” com António Costa, mas a solidariedade fica por aí: “Nem com Vítor Escária nem com João Galamba, que está mais isolado do que nunca”, refere um dirigente. Por outro lado, se no partido há quem tenha vontade de ter uma ação “mais crítica e interventiva” para sinalizar claramente “erros grosseiros” da investigação, também existe a consciência de que isso seria “cair numa armadilha”: “É aí que a direita quer colocar-nos, a discutir o Ministério Público e a Justiça”.

É possível fazer uma “síntese das posições”, defende a mesma fonte: em dias como este domingo, em que são notícia erros que podem criar uma perceção de fragilidade em redor do processo, “haverá naturalmente quem faça essa crítica mais abertamente”.

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Mas no restante “99% do tempo” o PS diz querer concentrar-se no “essencial”: os problemas que a população continua a enfrentar no dia a dia, e que a crise política não suspendeu. E a campanha, claro, que começa agora internamente e daqui a poucos meses se transformará numa batalha aguerrida que o PS quer evitar que se foque no papel da Justiça. Até porque arriscar grandes conclusões sobre o processo seria, nesta altura, imprudente — a defesa da posição do Governo vai-se, assim. fazendo em tom suave q.b., pelo menos até que haja mais dados sobre o caso.

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