O PS ganhou as eleições autárquicas porque, no final de todas as contas, teve mais câmaras, mas a diferença face ao adversário, o PSD, reduziu: até aqui eram 63 as câmaras que tinha de vantagem, agora são apenas 38. Uma mensagem que o PS reclama que seja ouvida o quanto antes e que tenha como primeira consequência a chicotada da remodelação do Governo — que o líder socialista tem adiado precisamente para o pós-autárquicas e que agora os socialistas apontam para “breve”.
É a carta que no PS se espera que António Costa jogue nesta altura, para sacudir dos ombros do partido o “efeito sobre a perceção” que a perda de Lisboa criou. “É como a diferença entre a temperatura real e a temperatura sentida. É a diferença entre uma simples vitória e uma vitória sofrida”, comenta ao Observador um dirigente socialista sobre o efeito que a vitória de Carlos Moedas sobre Fernando Medina provocou no resultado do PS a nível nacional. “Há um sentimento de choque” no partido por causa de Lisboa, acrescenta outro socialista. E um deputado do partido não tem mesmo dúvidas que esta perda foi “um cartão amarelo ao Governo”, além de ter sido também uma penalização aos “erros acumulados na gestão da cidade: ciclovias, mas também a autosuficiência absoluta” de Medina.
Foi um “sério aviso” para o PS, que vem “perfeitamente a tempo”, mas “irá atingir o Governo se não se fizer algo”, acrescenta outro socialista. E aponta o mesmo caminho: a necessidade de “ter um governo de ação” e “reduzido”, que seja fruto de uma “limpeza orgânica”. A remodelação não era nada que não se discutisse já, no interior do PS nos últimos meses — e tantas vezes catapultada pelo desgaste do ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita –, mas o tempo de Costa agir parece ter-se esgotado.
Recorde-se que, em 2018, o líder socialista que chefia o Governo escolheu o dia em que entregou o Orçamento, 15 de outubro, para avançar com uma remodelação alargada. E, em 2020, também esperou pela entrega do Orçamento do Estado Suplementar para remodelar o ministro das Finanças Mário Centeno. O próximo Orçamento tem de entrar na Assembleia da República até dia 11 de outubro.
“O PS ganha mas há sinais preocupantes”, adianta outro dirigente do partido que também prefere não ser citado e que defende igualmente que se avance rapidamente para alterações na equipa governativa como forma de responder a um descontentamento latente. Não foi só a perda de Lisboa a dar esse sinal, mas também “a perda de Coimbra, o apagamento forte do PS no concelho do Porto e o enfraquecimento geral nas áreas metropolitanas”. Além das questões de Lisboa e Porto, este socialista acrescenta ainda a perda da maioria absoluta em Sintra.
Comissão Nacional do PS reúne-se a 9 de outubro e vai reletir sobre autárquicas
“Deve haver uma reflexão nesse sentido”, afirma também o mesmo socialista. E ela está alinhada pelo presidente do partido para o dia 9 de outubro, segundo soube o Observador, dia em que o partido vai reunir a sua Comissão Nacional eleita no Congresso de Portimão que, por sua vez, elegerá a nova direção de António Costa. Mas na agenda desse encontro do órgão máximo do partido entre congressos constará também a tradicional “análise da situação política” o que, no atual quadro, quer dizer que o PS vai debater os resultados autárquicos. No partido existe quem reclame que se analise os efeitos da tendência da votação destas autárquicas.
Na direção, a ideia é vincar a terceira vitória consecutiva do PS em eleições autárquicas e que “o saldo é negativo mas com 159 câmaras nas mãos também era difícil ganhar mais. Mas não sem deixar também de olhar para a perda de câmaras e votos que a derrota em Lisboa tornou mais relevantes. “O PS vai certamente refletir sobre as mudanças estruturais que estão a acontecer lentamente no seu eleitorado e contrariar tendências negativas”, assegura um dirigente ao Observador.
Há, no entanto, um dado destas autárquicas que os socialistas colocam — com alguma ironia à mistura — como positivo: “Uma das melhores coisas que aconteceu ontem foi o Rui Rio ter-se segurado”. O comentário é de um dirigente socialista mas repete-se nos vários contactos feitos pelo Observador esta segunda-feira, no rescaldo destas autárquicas. A convicção é que António Costa conseguiria bater facilmente Rui Rio em eleições, ou mesmo outro socialista que possa vir a alinhar-se para o futuro pós-Costa — chegue ele quando chegar.
Certo é também que esse futuro, mesmo que tenha o nome de Pedro Nuno Santos — o mais empenhado em trabalho de campo para a preparação do dia seguinte a António Costa — ele vai manter-se reservado nesta altura. Estas autárquicas foram um abalo para o costismo que lidera no PS desde 2014, mas não é (ainda) o tempo de o apear.