Assistir de poltrona às trapalhadas de Pedro Nuno Santos, deixá-lo à beirinha do precipício, rezar para que não caia antes do tempo e usar as legislativas de 2026 para dar o golpe de misericórdia na maior esperança dos socialistas (assim reconhecido internamente) para se manterem no poder pós-António Costa. A última semana ajudou a consolidar uma convicção que há muito se instalou no núcleo duro do PSD: o ministro das Infraestruturas e grande candidato à sucessão de Costa está a transformar-se gradualmente numa “maçã podre” que pode dar muito jeito no futuro; e o pior que poderia acontecer era que esta maçã caísse da árvore antes do tempo.
“No PSD, há quem já tenha a tese de que é preciso preservar Pedro Nuno Santos. A continuar assim, ainda se perde a oportunidade de o ter como adversário”, ironiza um destacado dirigente social-democrata. Não é caso para menos, insiste-se no partido. Depois do folhetim em torno do novo aeroporto de Lisboa, que o deixou com um pé e meio fora do Governo, Pedro Nuno Santos é agora o governante mais exposto ao caso da indemnização milionária a Alexandra Reis.
E a procissão ainda vai no adro. Em silêncio desde que o caso explodiu (a exceção foi um tímido comunicado assinado conjuntamente com Medina), Pedro Nuno Santos ainda não apareceu publicamente a dar explicações, sem esquecer que foi pela mão dele que a antiga administradora chegou à NAV, empresa pública, escassos quatro meses depois de ser despedida de uma outra empresa do Estado a troco de 500 mil euros.
“Isto é só a ponta do icebergue”, contrapõe outro membro da direção social-democrata, que recorda os pecadilhos passados de Pedro Nuno Santos. Depois de ter sido o grande rosto socialista em defesa da nacionalização da TAP, cuja fatura vai nos 3,2 mil milhões de euros, será também Pedro Nuno Santos a concretizar a privatização da companhia aérea algures em 2023. “Vamos ver a que custo e com que contrapartidas para o Estado português”, antecipa a mesma fonte.
Em cima de um aeroporto que não sai do papel, de uma TAP que continua a ser uma dor de cabeça e já foi tudo com este Governo (privada, maioritariamente pública, pública e, em breve, novamente privada), Pedro Nuno Santos tem ainda nas mãos a (falta de) Habitação e o exigente e complexo plano para a ferrovia. “Não vejo como possa correr bem a Pedro Nuno. É um dead man walking”, resume fonte próxima de Luís Montenegro.
O adversário ideal para Montenegro
À tese da fragilidade crescente de Pedro Nuno Santos soma-se outra, igualmente recorrente nas conversas com elementos da atual direção social-democrata: pelas posições que foi assumindo ao longo do seu percurso político e por se ter assumido sempre como o rosto da ala mais à esquerda do PS, se se vier a concretizar o destino que muitos (a maioria) no PS lhe traçam para a sucessão de António Costa, Luís Montenegro pode vir a chamar-lhe um figo.
“À partida, Pedro Nuno Santos é mais fácil para nós”, reconhece um vice-presidente do partido. Com o PSD investido em conquistar o centro aos socialistas, ter pela frente Pedro Nuno Santos numa futura disputa eleitoral vai permitir três coisas: agregar a direita contra a ameaça do jovem turco; bipolarizar e dramatizar com o apelo ao voto útil nesse espaço político, neutralizando as ameaças de Chega e IL; e alargar a influência do PSD ao centro moderado, que poderá, acredita-se, temer uma guinada à esquerda de um governo liderado por um primeiro-ministro com o perfil de Pedro Nuno Santos.
De resto, algumas vozes sociais-democratas já o vêm assumindo publicamente. “Há mais contraste [entre Montenegro e Pedro Nuno]. E podia ser bom nessa perspetiva, uma [eleição] esquerda-direita, num direita-centro, esquerda mais afunilada”, assumiu recentemente ao Observador Luís Campos Ferreira, antigo secretário de Estado e figura influente na ala que atualmente dirige o PSD.
Ou Carlos Coelho, dirigente social-democrata e diretor da campanha de Montenegro nas últimas diretas, que foi ao ponto de dizer que seria “mais conveniente” enfrentar Pedro Nuno Santos. “Não sei se faz muito sentido um candidato da esquerda do PS disputar o espaço do eleitorado moderado que é essencial para o crescimento eleitoral do PS. Para o PSD seria mais conveniente, não tenho dúvidas disso”, disse o antigo eurodeputado, também ao Observador.
A alternativa Medina (também) não assusta
Se um futuro líder com o perfil de Pedro Nuno Santos seria mais digerível para o PSD de Luís Montenegro, o inverso é consequentemente verdade: se, no futuro, o PS optar por alguém mais moderado, isso obrigará os sociais-democratas a intensificarem a estratégia para conquistar o centro – o grande desígnio do partido desde 2015. Ironicamente, o desgaste permanente a que Pedro Nuno Santos tem sido sujeito pode estragar estas contas.
“Toda a gente assume que será ele o sucessor de António Costa. E no PSD também, naturalmente. Mas resta saber se, a este ritmo, chega lá ou se é corrido antes”, equaciona uma figura do núcleo duro social-democrata. Por outras palavras: se o atual ministro das Infraestruturas continuar a somar erros, arrisca-se a estampar-se antes do tempo e perder oportunidade de entrar nas legislativas de 2026 como líder socialista.
Nesse caso, por todas as contas que se vão fazendo fora e dentro do PS, Fernando Medina seria a escolha mais evidente para se assumir como herdeiro de António Costa. Com duas marcas distintivas em relação a Pedro Nuno Santos: tem um perfil mais moderado e mais capaz de se bater pelo centro político; e, mais importante, está numa posição que, com a conjugação de astros certa, lhe permitirá fazer alguns brilharetes – veja-se o caso de Mário Centeno, que começou como um patinho feio e acabou com uma das figuras mais populares do Governo.
“Temos que desenvolver uma estratégia que também dispute o centro com António Costa. Isso também se aplica a Fernando Medina”, concede um destacado dirigente social-democrata. Até ver, o mantra das “contas certas” em que mergulhou o PS tem tido concretização prática e, apesar do período difícil que o país atravessa, as Finanças têm conseguido segurar as pontas; se conseguir ultrapassar esta crise sem cair em desgraça, Medina, tal como Centeno, pode tornar-se um caso sério de popularidade.
Apesar de tudo, e mesmo reconhecendo méritos a Fernando Medina que não são atribuíveis a Pedro Nuno Santos, a opinião dominante no quartel-general do PSD é a de que o delfim de Costa não é uma ameaça real. “Com os serviços públicos em colapso e a carga fiscal em máximos, a propaganda sobre o milagre das finanças não passa duas vezes por baixo da mesma ponte”, argumenta um dirigente social-democrata.
Além disso, o carro em que corre Fernando Medina não está livre de amolgadelas. Mais: depois de ter nomeado Alexandra Reis como secretária de Estado do Tesouro (cabeça que rapidamente decepou) também está diretamente ligado à mais recente polémica. Antes, já tinha estado envolvido na contratação falhada de Sérgio Figueiredo. E terá sempre a derrota surpreendente contra Carlos Moedas no currículo.
“Medina é uma ameaça? O mesmo que perdeu a Câmara de Lisboa, que quis contratar o Sérgio Figueiredo (essencialíssimo e que tem o lugar ainda por ocupar) e do caso Alexandra Reis? Fujam!”, ironiza uma fonte próxima de Luís Montenegro. “Medina já é um perdedor”, sintetiza um vice-presidente do PSD.
Uma marcação cerrada com meses
Publicamente, as baterias vão continuar apontadas diretamente a António Costa. “O adversário do PSD são António Costa e o PS. Mas, neste momento, António Costa e o PS estão transformados em adversários do país. A autoridade política do governo está nas ruas da amargura e o governo desmorona-se todos os meses”, começa por dizer Hugo Soares ao Observador, antes de acrescentar:
“Numa altura em que as famílias e as empresas passam por dificuldades extremas, é lamentável que tenhamos um primeiro-ministro sem mão no governo e sem rumo na governação. A única questão que me leva a comentar a atuação de Pedro Nuno Santos não são as suas ambições; são a sua total falta de capacidade governativa. Mas esse já não é um problema de Pedro Nuno Santos; é um problema de António Costa e de Portugal”, remata o secretário-geral do PSD.
Seja como for, a pressão sobre Fernando Medina e, em particular, sobre Pedro Nuno Santos vai acentuar-se. Aliás, o PSD já exigiu a audição parlamentar dos dois ministros e dos administradores da TAP para que expliquem o que levou à demissão de Alexandra Reis e justificou as consequentes passagens pela NAV e pelo Ministério das Finanças.
No entanto, e apesar das garantias de Hugo Soares de que o único adversário é António Costa, a verdade é que o mano-a-mano entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos já começou há muito e tem, aliás, uma nota curiosa: o psicodrama em torno do novo aeroporto de Lisboa, protagonizado por Costa e Pedro Nuno, acabou por marcar o congresso que entronizou Montenegro como líder social-democrata e foi o primeiro momento político do sucessor de Rui Rio.
Desde aí, os dois têm travado um duelo particular, com troca pública de mimos para a português ver. Se é verdade que Montenegro já disse que não reconhecia “autoridade política” ao socialista, também não é segredo para ninguém que Pedro Nuno não morre de amores pelo social-democrata, que considera mais apostado em “arrastar o debate político para a lama”, sem “ideias e propostas”, mas cheio de “provocações e de cinismo”.
Eventualmente, em 2026, os dois terão de oportunidade de reeditar um duelo que já travaram no passado — em 2015, um e outro foram cabeças de lista dos respetivos partidos no distrito de Aveiro. Se cumprirem os destinos que ambicionam, agora será a doer e será pelo cargo de primeiro-ministro. Isto se Pedro Nuno Santos chegar até lá. Ou Luís Montenegro.
Montenegro e Pedro Nuno já estão em marcação para duelo em 2026