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Vaguear faz-se sozinho. Dois vão sempre a algum lado. Eventualmente apaixonam-se, têm um filho, três ou cinco, constroem uma família. Ela é o elemento primordial da organização social humana e faz parte da nossa história desde o Nomadismo. Aliás, os hominídeos já manifestavam comportamentos grupais, constituindo a família taxonómica a partir da qual evoluímos. E há muitos exemplos no reino animal, em particular entre os mamíferos, que atestam a existência de uma matriz familiar na organização e no relacionamento entre os indivíduos.
O papel e a importância família estiveram em destaque na oitava conversa da série Observamos Mais, dedicada ao tema Mais Família, que contou com a moderação de Laurinda Alves. No Espaço “Conversas Soltas” Popular, o painel de convidados reuniu Raul Galamba, Diretor da McKinsey Ibérica, Rita Mendes Correia, Advogada e Presidente da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, João Miguel Tavares, Jornalista e Autor do Blogue “Pais de Quatro”, Vera Pinto Pereira, Senior Vice-President Managing Diretor da Fox Networks Group (Portugal e Espanha) e Eduardo Sá, Psicólogo Clínico.
Além das competências profissionais que os distinguem, todos são também especialistas em famílias numerosas, tendo três filhos ou mais. No somatório dos cinco oradores, Laurinda Alves contou 28 filhos e João Miguel Tavares chegaria mesmo a confessar-se “um bocadinho frustrado” por ser, naquela circunstância, quem tem menos filhos.
A grande aventura
Eduardo Sá começou por dizer que “a família deve funcionar como reserva natural das imperfeições humanas”. A importância da família reside na diversidade de papéis e nas pessoas que são essenciais ”para nos interpelar, para nos desarrumarem por dentro e nos obrigarem a crescer”, gerando novos pontos de vista. A família é como uma infraestrutura para o crescimento, com os prazeres e as dores que ele implica.
O psicólogo considera que por vezes somos “desmazelados com as relações familiares, temo-las como mais ou menos certas e seguras e não as trabalhamos tanto quanto deveríamos.” Muitas vezes damo-nos ao luxo de tratar menos bem aqueles que nos querem melhor e de certa forma “reservamos o melhor do nosso mau feitio para as pessoas que são mais importantes para nós”.
Existe uma estranha tendência para poupar nos gestos de afeto e carinho. Estamos a comunicar menos com os que estão mais próximos, apesar de todas as facilidades que a tecnologia permite, ou talvez por causa dela. Faz falta mais ternura, faz falta desligar os telemóveis quando chegamos a casa. Mas Eduardo Sá chamou a atenção para o facto de os adultos passarem a vida “a chutar para cima dos adolescentes aquilo que muitas vezes não têm capacidade de fazer.” É preciso dar o exemplo e não há território onde isto seja mais evidente, e crucial, para o desenvolvimento, do que na família.
Laurinda Alves abordou a questão da mono-parentalidade, nos períodos entre casamentos, a que se segue uma nova realidade familiar. O refazer da vida, com outra pessoa e mais filhos, é sempre um desafio que encerra muitos receios. Mas o resultado pode ser o mais feliz.
A vida em mudança
Vera Pinto Pereira dirige as operações da Fox Networks Group em Portugal e Espanha, o que a obriga a dividir a semana entre Lisboa e Madrid. Com carreira firmada no setor de Media & Telecom, em 2015 foi distinguida com o prémio Executiva do Ano, atribuído pela revista Máxima. Sempre em movimento e com uma agenda preenchida, tudo tem que ser muito bem planeado para aproveitar o tempo em família com o marido e seis filhos.
A família mudou e cresceu de quatro para oito pessoas. “Os miúdos tiveram de aprender rapidamente a negociar, a marcar o seu espaço, mas também aprenderam a ter mais crianças com quem partilhar, brincar e rir.”
Como em tantas outras circunstâncias de vida, a mudança é um desafio mais difícil para os adultos do que para as crianças. Elas veem o mundo de forma mais simples e não complicam a realidade. É importante reconhecer que, na maioria dos casos, o problema passa pelos sentimentos de culpa dos adultos perante a situação. Quanto à convivência entre filhos de diferentes casamentos, na experiência da executiva, “os conflitos, as dúvidas e as inseguranças são tão grandes em irmãos biológicos como nos emprestados, como eles dizem”.
Nestes casos é fundamental preservar o espaço próprio dos pais que já não convivem em casa. Passam a coexistir papéis diferentes e é muito importante poder falar com os enteados sobre os pais deles. Depois tudo passa pela organização do casal,“deve haver uma conciliação conjugal, antes da profissional”, partilhando mais e combatendo as inseguranças. “A igualdade de género começa em casa”, frisou a gestora.
Radicais, precisam-se!
João Miguel Tavares, que acaba de publicar “As Incríveis Aventuras da Super-Miúda” inspirado pela filha mais nova, tem um amigo que costuma dizer que “os verdadeiros radicais do século XXI são os tipos das famílias numerosas”. No caso do jornalista os filhos “foram aparecendo” e portanto o melhor conselho é não pensar muito no assunto. É preciso encarar a situação com naturalidade e evitar a tendência moderna para o excesso de reflexão. “É por isso que as pessoas cada vez têm menos filhos e mais tarde, até porque a vida é impecável sem filhos” disse a propósito dos benefícios da vida a dois. É mais fácil namorar, viajar, jantar fora e ir ao cinema durante vários anos. “Depois aos 40 anos dá-nos aquele baque existencial e começamos a pensar no sentido da vida.”
Quando nasce um filho muda tudo e, ao mesmo tempo, também nascem uma mãe e um pai. João Miguel Tavares recordou um texto escrito quando nasceu a primeira filha, no qual citou um diálogo do filme Lost in Translation, quando a personagem de Bill Murray diz que “no dia em nasce o teu primeiro filho, a tua vida tal como antes a conhecias, acaba”.
Juntos somos mais fortes
Mãe de seis crianças com idades entre um e 11 anos, Rita Correia Mendes referiu com entusiasmo que “os filhos mais velhos começam a ajudar e adquirem competências rapidamente, aos 10 anos já dão biberões e mudam fraldas aos mais novos.” Aprendem a partilhar e a contar sempre com os outros, “quando compram um chocolate já estão a vê-lo dividido em seis partes”. Ter muitos filhos também acarreta novas necessidades e “os pais ganham experiência em logística e gestão familiar”.
A Presidente da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN) manifestou o sentimento geral dos associados quanto à falta de apoio às famílias, destacando o exemplo da proximidade das creches e escolas à residência. “Já seria muito bom se os filhos pudessem estar todos nas mesma escola, há agrupamentos onde isso não é possível.” Não se trata de pedir benefícios, mas de reivindicar apoios essenciais para facilitar a rotina mais complexa de quem tem muitas crianças.
Existem mais de 30 mil famílias numerosas em Portugal, sendo que mais de sete mil são associadas da APFN, representando cerca de 35 mil pessoas que correspondem a 16% das crianças a viver no país. Em cada 10 famílias numerosas, seis são de profissionais administrativos, do setor dos serviços e de operários.
Rita Correia Mendes referiu-se às conclusões que resultaram de duas teses académicas sobre o tema da conciliação entre família e trabalho. Se por um lado, o papel de mãe e pai desenvolve competências especiais de liderança, por outro a convivência entre vários irmãos favorece a aquisição de competências essenciais para o trabalho em equipa.
Na génese da APFN, criada em 1999, está a procura da equidade e justiça no tratamento das famílias com filhos. Em termos do rendimento dos agregados, é necessário contabilizar quantas pessoas dependem daquele capital. No mesmo sentido, quando se tributa a habitação há que ter em conta não só as dimensões da casa, mas também o número de pessoas que lá vivem, aplicando-se o mesmo raciocínio à tarifas de água que devem ser calculadas atendendo ao consumo per capita da habitação. Estas são algumas das medidas que esta associação gostaria de ver discutidas e adotadas, tão cedo quanto possível.
Mas a APFN tem outras vertentes de ação, destacando-se as que visam ajudar as famílias a poupar. Parcerias com empresas para obter bens e serviços com melhores condições, redes de partilha de bens em segunda mão, de família para família. Divulgação de informações relevantes, dados sobre cálculo de impostos em função do número de filhos, através de simuladores, e também apoio jurídico em matéria de direitos legalmente consignados. Através do projeto Autarquias Familiarmente Responsáveis promovem a avaliação de boas práticas em políticas de família ao nível local e no projeto Famílias em Rede estimulam a criação de redes de cooperação entre famílias numerosas. A APFN é também a entidade organizadora do evento anual Family Land dedicado ao lazer em família, com mais de 50 atividades gratuitas.
Liderança, gestão e família
A experiência de Raul Galamba, diretor da McKinsey Ibérica, resultou de uma decisão ponderada ao longo de um processo devidamente planificado. “Nós tínhamos uma filha maior e mais três, ainda pequenos. Depois pensamos: porque não ter mais?” Com a motivação de enriquecer a família, decidiram adotar. Ao fim de quatro anos surgiu uma proposta de adoção de três irmãos, que estavam há vários anos no orfanato em lista de espera.
Com o apoio da família alargada e depois de estudar muito bem a situação decidiram avançar e passaram a ser sete. Raul salientou que nestes casos é preciso ter tanto cuidado com os novos filhos adotivos, como com os filhos de 1ª geração. Na prática é preciso pensar nos detalhes, “quando vamos sair nunca levamos só de um lado e cruzamos sempre, a maneira como dormem, como se sentam à mesa, há regras para tudo”.
O consultor referiu que estamos mais habituados a ver apenas “a parte funcional de ter filhos e não a parte inspiracional, que é mais difícil tangibilizar”. Esta corresponde àqueles momentos que todos os pais já experimentaram, sendo que quando se tem sete filhos, também se tem mais e com maior intensidade. Portanto, conclui Raul, “quanto mais filhos, melhor, até porque é mais fácil gerir cinco ou seis filhos do que apenas um ou dois.” Quando são mais, entretêm-se e acabam por se distrair uns com os outros.
A implementação de políticas públicas de promoção da família é urgente e importante, também “para dar um sinal à sociedade que é possível e mais fácil” ter muitos filhos. Raul Galamba assegura que “vamos ter sempre dificuldades em quadrar as contas e lutar com a falta de tempo, não é um mar de rosas, mas também não tem de ser para todos.” Não é preciso haver famílias numerosas em todos os lares e, afinal como disse João Miguel Tavares, não temos que ser todos radicais.
Rotinas semanais de jantar a dois em ambiente romântico, escapadinhas de fim de semana, sessões de cinema em casa depois de arrumar a criançada são algumas das estratégias a adotar para manter o êxito da relação. João Miguel Tavares frisou a propósito que “o tempo que temos sem miúdos representa um prazer imenso, por ser tão raro.” O psicólogo Eduardo Sá aproveitou a conclusão para lembrar que todas as famílias devem ter um namorário, à semelhança dos horários que se afixam no frigorífico, salientando a importância de manter rotinas de amor durante a semana que devem ser exclusivas do casal.
No Espaço “Conversas Soltas” do Banco Popular e também em direto nas redes sociais as famílias, em particular as numerosas, estiveram no centro da reflexão sobre as estratégias para lidar com os desafios do dia a dia, quando os pais têm que gerir o seu e o dos filhos.
Esta foi a última conversa do ano, da série Observamos Mais, uma parceria entre o Observador e o Banco Popular que desde o mês de abril permitiu reunir especialistas e convidados de diversas áreas para conversar sobre Mais Cooperação, Mais Tempo, Mais Cidadania, Mais Perto, Mais Educação, Mais Responsabilidade Social, Mais Felicidade e Mais Família.
Se não teve oportunidade de assistir em direto a esta conversa, veja aqui na íntegra.