885kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Joaquim dos Santos saiu de Portugal com 4 anos e desde então vive nos Estados Unidos da América, onde consolidou uma carreira no cinema de animaçãocccccc
i

Joaquim dos Santos saiu de Portugal com 4 anos e desde então vive nos Estados Unidos da América, onde consolidou uma carreira no cinema de animaçãocccccc

Michael Lewis

Joaquim dos Santos saiu de Portugal com 4 anos e desde então vive nos Estados Unidos da América, onde consolidou uma carreira no cinema de animaçãocccccc

Michael Lewis

Quem é Joaquim dos Santos, o realizador português que ajudou o "Homem-Aranha" a chegar aos Óscares?

Nomeado aos Óscares, o filme "Homem-Aranha: Através do Aranhaverso" conta com Joaquim dos Santos na realização. Entrevista ao português radicado nos EUA e com uma ligação inusitada ao super-herói.

Joaquim Aranha dos Santos. Mesmo que não fale a língua de Camões, o nome denuncia o realizador português, radicado há mais de 40 anos nos Estados Unidos, que se prepara para levar Homem-Aranha Através do Aranhaverso, aos Óscares este domingo. O filme está nomeado ao Óscar de Melhor Filme de Animação e é um dos favoritos à estatueta, ao lado de O Rapaz e a Garça, do mestre japonês Hayao Miyazaki. A produção da Sony, que regressa ao universo dos super-heróis, é a sequela da versão animada do Homem-Aranha que, em 2019, saiu oscarizada. Desta vez, o protagonista, Miles Morales, encontra vários pares num multiverso de mundos e tempos cruzados.

À frente da maior equipa de sempre num filme de animação esteve este português de 46 anos, que assina uma realização tripartida com os norte-americanos Kemp Powers e Justin K. Thompson. Joaquim dos Santos fala com o Observador via Zoom, a partir de Los Angeles, EUA, onde vive desde que, aos quatro anos de idade, saiu de Lisboa com a mãe, só voltando a Portugal para passar as férias de verão — ambientes contrastantes que deverão inspirar um filme, contará na entrevista. Sentado no escritório, com uma estante de bonecos atrás, Joaquim recorda como foi parar ao estúdio de Os Simpsons, conta os desafios da parentalidade (talvez apresentar Freddy Krueger ao filho de oito anos não tenha sido a melhor ideia), e antecipa os próximos projetos. O entusiasmo febril pré-Óscares encobre o tema incómodo que tem sido noticiado nos últimos dias: por uma regra da Academia, o seu nome não consta na lista que será chamada ao palco em caso de vitória de Homem-Aranha Através do Aranhaverso, já que cada estúdio só pode escolher quatro pessoas e o seu nome ficou de fora, notou a revista Variety. Os nomes mencionados foram (nas nomeações e serão, no caso de vitória) os realizadores Kemp Powers e Justin K. Thompson, os produtores Phil Lord e Christopher Miller, reconhecidos como uma parceria, e Amy Pascal. Outros dois produtores, Avi Arad e Christina Steinberg, também ficaram de fora.

Ainda assim, Dos Santos estará presente na cerimónia daquela que é a sua primeira longa-metragem enquanto realizador, uma grande produção com “milhões de aranhas a saltar por todo o lado”, mas que “no fundo, é um pequeno filme sobre Miles e a sua família”.

Antes dos Óscares, "Homem-Aranha: Através do Aranhaverso" distinguiu-se em sete categorias dos Annie, os prémios mais importantes do cinema de animação dos EUA

Sony Pictures Animation

Comecemos com um Fact Check. É verdade que tem como apelido Aranha?
É, sim. Aranha.

Joaquim Aranha Dos Santos?
Joaquim Aranha Trindade dos Santos. Aranha é um nome de família. Tínhamos aranhas basicamente em toda a casa, placas pequeninas com aranhas, era a alcunha do meu avô. Eu tinha até um poster do Homem-Aranha no quarto em que cresci, em Portugal. É a primeira imagem de cultura pop de sempre que me lembro ver.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Presumo que tenha ajudado a que esta personagem se tenha tornado tão especial.
O Homem-Aranha é uma das personagens mais populares e reconhecíveis no mundo, acho que era inevitável, mas definitivamente deu-me mais propriedade. Quando me mudei para os Estados Unidos, a primeira memória que tenho, em miúdo, é de subir a uma árvore na escola e de ver um outro miúdo. Depois eu saltei da árvore e fiz de conta que era o Homem Aranha e ele o Hulk. É a primeira memória que tenho de interagir com outro miúdo. Foi a ser o Homem Aranha.

O Homem-Aranha marca o princípio do seu entusiasmo pela animação?
Acho que sim, acho que foi uma grande parte disso. A minha tia era uma leitora ávida de novelas gráficas e comics. Tínhamos o Lucky Luke e o Tintim,  e a minha avó lia-me a banda desenhada de um jornal todas as noites antes de dormir. Era parte do meu dia-a-dia. Acho que era inevitável.

Tem 46 anos, se começou a interessar-se por animação e banda desenhada desde cedo, acompanhou diferentes versões do Homem-Aranha. Tem uma favorita? 
Quando me disseram que estavam a trabalhar num projeto do Homem-Aranha, francamente, já tinha trabalhado em cartoons do Homem-Aranha, há muito material por aí. Mas quando me disseram que ia ser com o Miles Morales, isso deixou-me realmente entusiasmado.

Porquê?
É uma abordagem fresca. É uma ideia fresca. Já vimos tantas histórias do Peter Parker… Mas ainda sobre o meu Homem-Aranha favorito, volto aos meus anos formativos enquanto leitor de banda desenhada, quando era adolescente. Havia um artista chamado Todd Mcfarlane que foi altamente influente para mim. Ele desenhava poses loucas para o Homem-Aranha, e desenhava estas teias super cool e com formas específicas. Lembro-me de me apelar muito. Acabou por criar uma série de livros de banda desenhada chamada Spawn, é um artista incrível.

[Trailer de Homem-Aranha: Através do Aranhaverso]

Já trabalhou em muitas séries de animação, mas esta é a sua estreia como realizador de uma longa-metragem. Que impacto teve isso na sua abordagem ao projeto?
O processo de realização de uma longa-metragem é muito diferente. Numa série de TV, a torneira da produção abre-se e, uma vez aberta, estamos a fazer episódios. Os guiões têm de ser muito apertados e a realização e a criação têm de ser muito próximas, ou seja, 90% do que o guião diz é o que vai aparecer no ecrã. Nas longas-metragens, não é esse o caso. Começa-se com um guião e isso é apenas uma ideia do que vai acontecer. Depois é uma questão de experimentação, porque na televisão temos a vantagem de ter oito episódios. O episódio um é muito forte, episódio dois é um pouco calmo, no episódio três talvez a qualidade desça um pouco, mas tem uma história muito forte, no quarto, volta a subir muito. Numa longa-metragem, cada fotograma, cada cena tem de estar no seu auge, porque se perdermos o público num determinado momento, não haverá outro episódio a seguir com a promessa de como isto se vai resolver.

É como se tivessem de adorar cada fotograma de todo o filme e tivessem de sair do cinema com a sensação de que isto foi fantástico. É uma experiência fantástica. Por isso, o ónus da excelência em cada fotograma é muito maior. E assim o processo de interação quando se está a fazer o filme, torna-se muito mais interativo. A primeira ideia pode ser ótima. Não é a que se vai seguir. Pode ser que, passados meses, se volte a essa primeira ideia, mas vamos tentar todas as versões diferentes dessa.

Como foi trabalhar com outros realizadores? Já o vi descrevê-lo como “uma espécie de dinâmica de trio de jazz”.
Estávamos juntos em todas as reuniões. Houve alturas em que entrámos em desacordo, mas estávamos na mesma sala e pudemos discutir essas coisas. E tivemos realmente a vantagem de nos tornarmos amigos, quase como membros da família que têm perfis de sabores ligeiramente diferentes. Respeitamos isso uns nos outros. Tínhamos um grupo de mensagens chamado Whammer Jammers. Esse era o nosso nome de código para uma conversa que tinha uma tonelada de discussões que talvez um dia lancemos para o mundo. Seria uma loucura de se ler. Mas se as coisas fossem muito, muito importantes, chamávamo-nos uns aos outros para a sala e dizíamos, tipo, ei, podes vir aqui durante cinco minutos e ver a cena e dar a tua opinião? Era assim que funcionava.

Na base de dados online The Movie Data Base (TMDB) diz que alguns fãs o apelidaram de Dr. Fight (Dr. Luta, em português) devido à sua habilidade em coreografar cenas de luta e ação. Porém, encontra-se uma certa tranquilidade no filme…
(risos) Vou dizer o seguinte. Este é o segredo que tenho guardado durante toda a minha carreira. Adoro toda a ação, não me interpretem mal, mas a razão pela qual a ação funciona mesmo nos outros projetos, é por causa das cenas que a rodeiam. São os momentos em que as personagens se emocionam umas com as outras e têm verdadeiras ligações e transportam isso para as sequências de ação. Trabalhei definitivamente em alguns projetos que não tinham essas cenas nas sequências de ação. E as sequências de ação… São boas, mas não têm ressonância emocional. Como uma espécie de coreógrafo, queremos ser capazes de gravitar em torno do que as personagens estão a sentir e queremos infundir isso em cada uma das suas decisões através da ação. Portanto, esse é realmente o segredo. Tem a ver com a escrita. Tem a ver com a criação de histórias que conduzem à ação e informam realmente toda a ação. E é aí que é realmente como o jazz. É aí que funciona. Esses dois elementos jogam bem um com o outro. Por isso, mesmo nos outros projetos em que trabalhei, Avatar: The Last Airbender, os momentos de grande exagero, os episódios que realmente interessavam às pessoas, especialmente o maior deles, foi uma batalha entre personagens que durante três temporadas quase se encontraram, quase se encontraram, quase se encontraram. E é a mesma coisa no Aranhaverso.

Filmes como este são projetos que levam anos a fazer — quatro, neste caso. Qual é a sensação de receber uma nomeação? 
É a minha primeira vez, por isso é absolutamente surreal. É uma grande honra. E o facto de estarmos ali com tantos outros filmes e realizadores fantásticos. Ao mesmo tempo, estou agora no meu escritório em casa e o meu filho vai chegar da escola muito em breve. Sou um grande fã de cinema, quando via os grandes prémios e os Óscares, não sei porque é que imaginava que toda a gente estava a viajar de jato. Agora olho para eles e penso: “Provavelmente foram para casa ter com as suas famílias a seguir”. As duas coisas acontecem ao mesmo tempo. Mas é uma grande honra. E é muito surreal. Nada disto faz sentido (risos).

A animação portuguesa conseguiu uma nomeação no ano passado: a curta-metragem Ice Merchants, do realizador João Gonzalez. Tem algum contacto com portugueses da indústria da animação ou do cinema? 
Devo dizer que assim que o Homem-Aranha começou a circular, as pessoas têm entrado em contacto. O que me entusiasma é que me parece que há cada vez mais conteúdos a serem criados por portugueses e que estão a chegar ao mundo e a ganhar visibilidade, o que não acontecia quando eu era mais novo. Muito do que Portugal fazia na altura era importar programas e filmes de outros sítios. E era fixe. Era ótimo. Mas agora é emocionante ver Portugal a gerar os seus próprios conteúdos. Por isso, sim, estou entusiasmado com o futuro. Encorajaria mais pessoas a contactarem-se e a tentarem fazer de Portugal um centro de entretenimento.

Teve oportunidade de ver algum filme português ultimamente, animação ou não? 
Ultimamente não. Vi o nomeado do ano passado. Mas não ultimamente. Sinceramente, não tenho visto nada. Estava nos prémios de Anime e toda a gente perguntava: qual o último filme de animação que viste? Como estive num buraco durante quatro anos e meio, não vi grande coisa. Por isso, só agora estou a começar a sair e a ver o que se passa no terreno.

No que está a trabalhar neste momento, no terceiro filme desta saga?
Sim, o próximo filme do Homem-Aranha está a acontecer. Mas não posso dizer em que ponto do ciclo de produção está agora.

E quanto a projetos futuros? Há alguma história em particular que gostasse de contar? 
Há algumas coisas que me são próximas e queridas, como o Homem-Aranha era, que adoraria contar. Também há algumas histórias pessoais que gostaria de contar. Mas temos de agarrar as oportunidades à medida que elas surgem e tentar fazer com que as coisas aconteçam. É assim que o negócio funciona. Faz-se uma coisa que dá nas vistas e depois usa-se isso para o próximo projeto.

Baseado na popular personagem do Universo Marvel, criada por Stan Lee em 1962, o filme é a sequela do realizado por Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rodney Rothman que em 2019 ganhou o Óscar

Tem trabalhado com grandes personagens que já existiam. Tem o desejo de criar uma personagem do zero? 
Sim, há de facto algumas coisas pessoais. Há, sem dúvida, uma dualidade. É muito pessoal para mim o facto de passar todos os meus verões em Portugal e depois passar a maior parte do ano nos Estados Unidos, e o que isso significou para mim quando estava a crescer. Por isso, essa é uma história que gostaria de contar um dia.

Então quando saiu de Portugal aos quatro anos continuou a voltar durante algum tempo? 
Sim. Até, até ter uns 17 anos ou assim.

Vinha sempre para Lisboa? 
Temos um apartamento em Lisboa, mas a nossa casa-casa é em Sesimbra. A 45 minutos de Lisboa.

Ainda costuma vir? 
Vamos para o ano. O meu filho tem oito anos e nunca foi. E eu também não vou há oito anos. Mas nós vamos, tenho lá família. A minha tia ainda lá vive. Por isso, vou lá estar muito em breve.

Tem uma carreira consolidada na animação, realizar em imagem real é algo que pensa explorar?
Gostava muito. A imagem real é definitivamente um objetivo. Mas já trabalho em animação há tempo suficiente e especificamente em filmes de super-heróis e grandes franquias de ação para poder dizer que a linha entre imagem real e animação é muito ténue agora. De qualquer forma, há muitas ideias que estávamos a fazer, no início dos anos 2000, que são os filmes de super-heróis que estamos a ver agora. São as mesmas ideias, as mesmas grandes ideias, as mesmas sensibilidades. Mas o cinema de ação em imagem real e a animação, para mim, andam de mãos dadas. São a mesma coisa. Por isso, adoraria.

Temos visto a reinterpretação de muitas histórias clássicas de animação em imagem real, os populares live-action, como a Cinderela, por exemplo. Qual é a sua opinião?
Desde que seja uma espécie de reinjeção destas histórias nas gerações mais novas, é bom. Por vezes, sinto o que muita gente pensa, que é redundante: já tivemos a animação, agora estão só a fazer a mesma coisa com imagem real. Mas há alturas em que acho que é mesmo muito bem feito e que vale a pena fazer. Por isso, tenho duas opiniões diferentes.

Mas estou interessado em garantir que estas histórias estão disponíveis para crianças da idade do meu filho, por vezes quando tento pôr algo que é muito antigo à frente dele, ele diz: pai, isso é um bocado velho, não quero ver isso. Por isso, desde que lhe abra os olhos… Acabamos de saber que o Akira Toriyama morreu e o meu filho tornou-se um grande fã de Dragon Ball Z. Mas ele fez o caminho inverso. Ele encontrou primeiro as coisas mais recentes, as pessoas, as crianças que estão a partilhar no YouTube. E agora estou a mostrar-lhes tudo aquilo com que cresci. Por isso, às vezes tem de ser assim para a geração mais nova. Desde que os envolva, por mim tudo bem.

Quando foi pai, o que soube logo tinha de mostrar ao seu filho? 
Caramba, é uma lista enorme, é uma lista enorme. Mas algumas delas, honestamente, não sei se são apropriadas para uma geração moderna. Mesmo. Estávamos no Japão ainda agora, numa loja de passatempos. E havia uma estátua gigante do Freddy Krueger do Pesadelo em Elm Street. E o meu filho disse: “Quem é este gajo? Ele tem um ar de louco”. E eu disse-lhe, porque, naquela idade, eu já estava a ver estes filmes, não havia nenhum filtro dos meus pais, então estava a dizer-lhe: ele é este tipo, que entra nos teus sonhos e assombra-te nos teus sonhos. Pude ver o meu filho e o filho do meu amigo e eles estavam a olhar para mim… Ontem à noite, o meu filho disse: “Queres dormir ao meu lado? Tenho medo que o Freddy Krueger apareça”. Pensei, ó, não, o que é que fui fazer? Um dia gostava de partilhar O Pesadelo em Elm Street com ele, quando for apropriado para a idade, talvez não agora. Também ainda não lhe mostrei A Viagem de Chihiro (2001), porque também acho que pode ser um bocadinho pesado para ele. Ele provavelmente nunca verá isto, mas o meu programa preferido enquanto crescia era um programa chamado Macross Robotech. Os meus amigos estávamos absolutamente apaixonados. Um dia talvez tente pô-la à frente dele.

As aventuras de Miles Morales, um jovem Homem-Aranha de Brooklyn, darão aso a mais um filme, que fechará a trilogia do Aranha-Verso, mas a data de estreia ainda não foi anunciada

Sony Pictures Animation

Nas entrevistas que já deu falou sempre muito dos filmes e dos projetos. Como é que, afinal, foi parar a esta indústria? O que estudou?
Sou o exemplo do que não se deve fazer para entrar na animação. Desde o primeiro dia que não conseguia parar de desenhar. Era algo que eu estava sempre a fazer, para o bem e para o mal. Passei a maior parte do meu tempo aqui nos Estados Unidos e depois, quando ia para Portugal no verão, a primeira semana era uma transição difícil para mim porque tive de me reafirmar perante todos os miúdos daí. Ninguém falava inglês. Eu não conseguia falar português. Então, na primeira semana, só desenhava. Isolava-me e desenhava e ficava acordado até tarde a ver VHS da minha tia. Ela gravava Os Caçadores da Arca Perdida, Caça-Fantasmas, Casablanca e todos esses filmes. E eu ficava a ver esses filmes a noite toda. Era através da minha arte, através do desenho, que conseguia ligar-me aos miúdos. Eles perguntavam: “Podes desenhar-me alguma coisa da Guerra das Estrelas?” E eu desenhava algo da Guerra das Estrelas. Isso ajudou-me mesmo a sair da minha concha. Quando entrei no liceu era um aluno horrível. Quase não consegui acabar, mas tive a sorte de ter andado no liceu em North Hollywood e mesmo ao cimo da minha rua estava o [estúdio de animação] Film Roman, onde estavam a fazer Os Simpsons. Por isso, quando ia para casa, passava por lá e via os artistas a desenhar. Não tinha qualquer esperança de ir para a universidade porque as minhas notas eram terríveis… Felizmente, lá está, porque cresci em L.A. muitos dos profissionais de animação que trabalhavam durante o dia abriram uma pequena escola à noite. Era só artistas de histórias e designers de personagens e artistas de background, e compositores. Não era creditado, mas podia-se pagar e ter estas aulas. E eu tive algumas aulas de storyboarding. E um dia, por acaso, fiz um esboço num caderno de esboços do dono de uma loja de banda desenhada onde eu comprava. Ele mostrou-o a um realizador que era um dos seus clientes que estava a fazer outro desenho. E o gajo disse-lhe: “Quem fez o sketch? Está a trabalhar neste momento?” Eu estava a trabalhar num café e ele ligou-me a perguntar se um realizador da Sony me podia ligar. Eu tinha acabado de frequentar estas aulas, tinha um pequeno portefólio de material de storyboard para mostrar. Foi o meu primeiro trabalho.

Que idade tinha? 
19, talvez 20 anos.

Lembra-se da primeira coisa que desenhou nesse emprego?
Foi uma adaptação televisiva do [filme] Starship Troopers. Não consigo dizer quão louco me senti ao entrar no estúdio pela primeira vez e ver pessoas assim, com brinquedos nos seus cubículos e livros de arte e arte nas paredes e pessoas a desenhar. Não fazia sentido para mim que fosse isso que as pessoas fizessem para viver. E eu estava a ser levado para essa comunidade. Era uma loucura.

Foi logo imediato: é isto que quero fazer para sempre?
Sim. Era aquilo. Era uma mentalidade de all in. Foi uma altura muito difícil para mim. A minha mãe estava muito, muito doente. O meu pai tinha acabado de falecer e a minha mãe faleceu logo a seguir. Portanto, não tinha nada. Não tinha pára-quedas. Tinha um trabalho no café e ofereceram-me um trabalho de animação. E foi isso. Dormia no estúdio todos os dias. Era tudo o que eu fazia. Era tudo em que conseguia pensar. A minha mentalidade era: vou fazer um trabalho tão bom que  vou ser inegável, não há maneira de estas pessoas me negarem mais trabalho.

Tem irmãos?
Não, sou filho único. Era aquilo. Sem paraquedas (risos).

Olhando para a sua carreira se percebe que andou sempre de projeto em projeto, nunca lhe faltou trabalho.
Sim. Inicialmente não percebia bem como é que a indústria funcionava. Não sabia que era por projeto. Pensava que o estúdio punha-me simplesmente noutro programa. Mas eles disseram: “ok, daqui a duas semanas o programa vai acabar”. E eu perguntei: “ok, e a seguir?” E eles disseram: “é isto. Agora tens de ir arranjar outro emprego”. Mas o meu amigo tinha entrado talvez meio ano depois de mim e o emprego dele ia durar um pouco mais. Por isso, como um verdadeiro jovem de 20 anos, eu tinha gastado literalmente todos os cêntimos que me tinham pagado. Ele deu-me um mês de renda porque estava a trabalhar e, depois, quando o emprego dele acabou, eu, por minha vez, dei-lhe um mês de renda. Ajudámo-nos um ao outro naqueles primeiros tempos. Depois disso, desde que comecei a trabalhar na Warner Brothers tenho estado a trabalhar continuamente desde então.

Qual foi o seu projeto favorito até à data?
Tive muitos projetos enormes e realmente excitantes dos quais fiz parte. Há algumas coisas que se destacam para mim. A primeira vez que pude conhecer Bruce Timm, que foi o gajo que fez o Batman, a série animada. Foi uma grande influência para mim. Trabalhei na Liga da Justiça e quando o conheci pela primeira vez percebi que era muito importante. A primeira vez que trabalhei com a equipa de Avatar: The Last Airbender foi também uma experiência que me abriu os olhos porque senti que já não estava a trabalhar para adultos. Estava a trabalhar para amigos. Éramos todos da mesma geração, fomos todos influenciados pelas mesmas coisas, estávamos todos a tentar fazer algo que vinha de um lugar muito pessoal. Provavelmente essa foi a minha experiência universitária. Depois, claro, isto. Isto é a maior coisa de que já fiz parte. Nunca tive tantas pessoas fora da animação a saber o que estou a fazer.

É o poder do fenómeno Homem-Aranha?
Sim, e o poder do filme. Acho que temos conseguido manter o carinho que o primeiro filme conquistou.

Há uma pressão acrescida, tratando-se de uma saga já oscarizada?
Não sei. É estranho porque passei por um processo louco em que entrei no final do primeiro [filme], quando ainda estavam a terminar. Não havia prémios, nada. O filme passou por todo o ciclo de prémios. E depois já estava a desenvolver o segundo filme quando o primeiro filme estava a ganhar o Óscar. Aí senti uma pressão imediata. Pensei: ó, meu Deus, em que é que me fui meter? Isto é uma loucura total. E o Phil, o Chris, o Justin, todos eles já tinham estado nesta viagem antes. E disseram-me para não sentir a pressão, sentir o entusiasmo. Porque agora o reconhecimento que o primeiro filme está a ter vai permitir-nos tentar coisas ainda mais loucas com este. Por isso, na verdade, só nos vai abrir criativamente. E foi isso que aconteceu. Quando consegui mudar o meu cérebro e perceber que não temos de ganhar outro, só podemos fazer o que queremos fazer… A aposta é sempre: se é algo que nos parece especial e que nos faz sentir bem, vai ressoar com outras pessoas.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.